Vira e mexe, eu proclamo a quem quiser ouvir
que estou velho, que sou um velho. A bem da verdade, não me sinto tão velho
como tento fazer as pessoas acreditar, mas sinto-me infinitamente mais velho do
que gostaria de ser. Há algum tempo, comentei com um dos meninos que a velhice
é a doença mais terminal de todas. Isso era, evidentemente, uma ironia, já que
tenho esse estranho hábito de rir de mim mesmo.
Voltando à ideia da doença terminal, apesar
de ser uma piada de humor negro, até que a velhice guarda realmente alguma
semelhança com as doenças reais, terminais. Olha só: já li ou já ouvi que os
doentes terminais passam por etapas distintas, durante a evolução de sua
enfermidade, que seriam as fases de negação, raiva, negociação,
depressão e aceitação.
Fazendo uma analogia com o envelhecimento,
poderia dizer que a negação seria
aquele tipo de comportamento caracterizado pelo início do uso de tinturas para
cabelo e pelo utilização de expressões do tipo “estou
mais novo que muito jovem” ou “estou
na melhor fase da minha vida!”. O uso de gírias e expressões antigas também
ajuda: “ainda dou no couro!” Acredito que é nessa fase que as assistentes
sociais e assemelhados fazem a festa, ou melhor, as festas, literalmente. E é
aí que se ouve a maldita expressão “melhor
idade”, usada por pessoas mais novas ou hipócritas, que não sabem a chatice
que é ser velho. Melhor em que, cara-pálida?
Depois dessa, ou, talvez, concomitantemente,
inicia-se a fase da raiva.
É quando se deplora ter feito isso ou não ter feito aquilo na juventude. Frases
exclamativas do tipo “se eu soubesse 'isso assim, assim', eu nunca
teria…” Nessa
hora o “Hans" (de Hanscião, lógico) fica
puto, tem inveja – velada ou escancarada – dos mais jovens.
Aliás, expressões do tipo “ficar puto” não são de bom tom quando ditas
por idosos. É quando mágoas e rancores guardados afloram, pois aqueles projetos
de vida não realizados antes se mostram agora definitivamente inviáveis. Surgem
o ressentimento e a revolta pelo que se deixou de fazer quando ainda havia
tempo.
A negociação é
caracterizada por promessas e acordos feitos consigo mesmo ou com parentes,
visando melhorar e prolongar a vida. Tenta mudar hábitos arraigados, quase
“milenares”. As expressões típicas são “parei de fumar”, “vou me matricular em
academia de ginástica”, “começo segunda feira...”, etc. “São mecanismos de luta, esperança de
cura e prolongamento de vida”, segundo um texto que encontrei na
internet.
Hoje, estava pensando que a sensação de
envelhecer só é realmente percebida em sua real dimensão por quem já passou dos
cinquenta. Antes disso, é mais ou menos como falar de mar sem nunca ter entrado
nele. E é aí que surge a depressão, uma fase de “percepção da perda definitiva da
juventude, quando a angústia e a introspecção se avolumam, a dor psíquica é
intensa, sentimentos de culpa e insegurança, tristeza e perda retornam com
grande intensidade”.
A fase de aceitação seria
aquela em que o sujeito acalma sua mente ou fica mais espiritualizado (como
ficam os ateus nessa história?), deixa de se debater contra a certeza mais
terrível de que está realmente no fim da vida. Para ficar menos dramático, é o
momento, como dizia um antigo colega, de “chamar o cabo corneteiro e mandar
executar o toque de foda-se” (essa é outra expressão muito mal vista se
dita por um idoso. Os idosos não devem falar palavrão – era o que eu pensava na
juventude).
Como já disse aos meninos, eu sinto um prazer
meio mórbido de falar mal de mim mesmo, de me diminuir e me depreciar, quase
nunca perco a oportunidade de ser ridículo, de fazer piadas sem graça e de mau
gosto (mas odeio quando alguém me humilha ou zomba de mim. Aí eu me enfureço,
fico puto da vida). Porque se externamente eu ajo assim, isso ocorre graças ao
meu “exoesqueleto”, uma capa protetora que construí ao longo da vida. No
íntimo, eu sei que não sou assim, não sou “engraçado”, sou melancólico, não sou
expansivo e alegre, sou introvertido e meio depressivo. Como diz uma letra de
música, “quem olha pra
mim e me vê feliz, não sabe o que é duvidar”.
Então, se sou assim, dá pra imaginar a
angústia de envelhecer? Porque envelhecer é saber que sonhos e projetos não
realizados antes estão definitivamente descartados. É saber que o conhecimento
e a “bagagem” profissional acumulada de nada mais servem. E, o pior: é perceber
que o rancor e, paradoxalmente, a indiferença de pessoas que amamos aumentam
com o tempo, como se fossem o produto da sedimentação de decepções, tristezas,
raiva e mágoas passadas e não esquecidas.
Enfim, envelhecer é perceber que a vida não
tem nenhum sentido, não tem explicação, não tem lógica. Envelhecer é acumular
arrependimentos, rancores, lembranças, saudade, tristeza, melancolia. Tudo isso
vai sedimentando devagar até que, quando você vê, a coisa está igual àquelas
prateleiras muito altas, difíceis de limpar: quando se dá conta, há uma camada
imensa de poeira, quase uma crosta, cobrindo tudo.
Se alguém me perguntasse em que fase estou,
diria que em todas, menos na fase da aceitação. E volto à ideia de que essa é
uma brincadeira de péssimo gosto e muito, muito politicamente incorreta. Mas,
sinceramente, eu abomino as atitudes e pensamentos politicamente corretos.
(ano provável deste texto: 2010)
Vida : essa doença degenerativa!!!
ResponderExcluirNão há a menor dúvida!
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