Hoje, eu
reverencio o escritor Fernando Morais e seu excelente livro “Chatô - o Rei do
Brasil”. Embora seja um calhamaço de mais de 700 páginas sobre a história de
Assis Chateaubriand, que foi dono de uns cem jornais e emissoras de televisão,
entre outras empresas, é uma leitura agradabilíssima e extremamente divertida.
Para essa
homenagem, transcrevo uma das histórias super pitorescas contadas no livro. Essa história tem
início em uma campanha para a criação de aeroportos pelo país afora. Para isso,
usando de sua absoluta influência, Chateaubriand conseguiu que várias empresas, “espontaneamente”,
doassem aviões de pequeno porte para os aeroportos criados. E o texto transcrito descreve uma
dessas cerimônias.
Falando sério, quem ainda não leu esse livro não sabe o que está perdendo, pois é muuuito bom! E o autor escreve bem demais (o início, então, é magistral). Olhaí.
Falando sério, quem ainda não leu esse livro não sabe o que está perdendo, pois é muuuito bom! E o autor escreve bem demais (o início, então, é magistral). Olhaí.
(...) Até a metade a cerimônia não foi em nada diferente das dezenas que
já tinham acontecido naquele mesmo lugar. Primeiro falou alguém em nome dos
doadores; depois foi a vez da madrinha Iolanda Penteado; depois do ministro, Chateaubriand
encerrou a sessão de discursos: ‘Desejo em primeiro lugar expressar nosso
agradecimento pela presença do ministro da Aeronáutica nesta festa e pela
galanteria da senhora Iolanda Penteado, que veio ungir dos santos óleos de sua
espiritualidade o batismo do novo aparelho ...’, nem seu discurso deixaria de
ser uma repetição de tantos outros que fizera em ocasiões idênticas.
Feito o batismo, apareceram os garçons com o champanhe. Chateaubriand
tomou das mãos de um deles a bandeja, dobrou o guardanapo sobre o braço
esquerdo e saiu servindo os convidados que se encontravam à sua volta. Uma taça
para a madrinha, uma para o ministro, uma para cada um dos doadores presentes.
Aproximou-se do grupo de oficiais da Aeronáutica, todos fardados, e com uma
mesura ofereceu-lhes uma taça. Um deles, alto e louro, tomou uma taça nas mãos
e perguntou-lhe delicadamente:
-
O senhor
sabe quem sou eu?
Ele respondeu com um sorriso:
-
Não, não
sei. Quem é o senhor?
O jovem oficial respondeu de cara fechada:
-
Eu sou o
tenente Paulo Bockel, seu filho da puta! Sou irmão do Clito Bockel!
Nem acabou de falar e, num gesto instantâneo que sem dúvida ensaiara,
com mão esquerda jogou a taça de champanhe nos olhos do jornalista e com a
direita aplicou-lhe violento murro no olho esquerdo. Apesar de sua resistência
de remador, Chateaubriand percebeu instintivamente que o homem que o agredia
era pelo menos vinte centímetros maior que ele. Largou a bandeja com garrafa e
taças no ar, enfiou a mão na cintura e tirou o revólver, que já saiu do coldre
disparando. Com um olho obscurecido pelo sangue que jorrava de sua sobrancelha
e o outro ardendo e semifechado pelo champanhe, viu que duas balas tinham
atravessado a batina do padre. Desabou no chão atirando mais uma, duas, três
vezes. Ao ver um vulto avançar sobre seu corpo ainda caído, mirou na cabeça.
Chateaubriand disparou e viu a bala entrar na boca do agressor. Os
guarda-costas de Salgado Filho carregaram o jornalista para o banco de trás do
carro do ministro e arrancaram em disparada. A festa de batismo do Augusto
Severo estava terminada.
Ainda não eram onze horas da manhã quando o jornalista francês Jacques
Epstein entrou esbaforido pela redação dos Associados e escancarou aos gritos a
porta da sala de Dario de Almeida Magalhães:
-
Chateaubriand
a tué Olimpio Guilherme! Chateaubriand a tué Olimpio Guilherme!
Naquele mesmo instante Chateaubriand estava chegando ao consultório de
Drault Ernanny, amparado pelos seguranças do ministro Salgado Filho, assustado
e com o rosto coberto de sangue:
-
Doutor
Drault, parece que eu matei Olímpio Guilherme e que arranquei o saco de um
padre com dois tiros! O padre eu nem conheço, doutor Drault, mas eu achei que
estava atirando no filho da puta do irmão do Bockel e fui acertar logo na cara
de Olímpio Guilherme, o homem mais bonito do Brasil?
A célebre pontaria ruim de Chateaubriand não fizera tanto estrago assim.
Quando Epstein chegou ao jornal com a notícia de que Chateaubriand havia
assassinado Olímpio Guilherme, Dario de Almeida Magalhães procurou se informar
sobre a tragédia. Mas, ao chegar ao hospital em que o ator e jornalista tinha
sido internado, soube que ele escapara por verdadeiro milagre. Chateaubriand
disparara ao todo quatro tiros. O vulto que se aproximara dele não era o de
Paulo Bockel, como imaginara na confusão, mas o de Olímpio Guilherme (também
alto e forte como o agressor), que se abaixara para socorrê-lo. A bala de
calibre 38, disparada quase à queima-roupa, arrancou-lhe os dentes e foi alojar-se
na garganta, a poucos milímetros da medula. Ele já tinha sido operado e estava
fora de perigo. As outras duas balas, que Chateaubriand temia que tivessem
"arrancado o saco" do padre-piloto Geraldo da Silva e Souza, na
verdade passaram entre as pernas do religioso, apenas perfurando sua batina. A
quarta bala, localizada depois pelo inquérito feito pela Aeronáutica,
perdera-se no ar e fora alojar-se na parede do fundo de um hangar. Como Olímpio
Guilherme não sofreria nenhuma sequela mais grave, o único prejuízo maior
provocado pelos tiros tinha sido a constrangedora revelação de que ‘os mais
belos dentes do Brasil’ eram postiços, feitos em Hollywood.(...)”
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