Como sabem os que já
acessaram este blog algumas vezes, tenho um pouco de obsessão pela preservação
da memória, mas não exatamente das grandes conquistas, sangrentas batalhas, feitos épicos ou
biografias de grandes homens. Minha praia é pequenininha e sem ondas fortes, pois
meu desejo é conhecer e preservar o que os franceses chamam de “petite histoire", a história das coisas comuns, a história da
gente comum, seus casos, suas lembranças. Um verso de Carlos Drummond exprime
poeticamente o que eu estou tentando dizer: “Quando
eu morrer, morre comigo um certo modo de ver".
E é nessa linha que
caminhará este post. Fiquei pensando nisso ao ler na internet a notícia do falecimento
por Covid da última falante de Yagán,
língua indígena chilena, considerada extinta a partir de agora. Esse é o tipo
de notícia que me entristece muito, pois sempre me lembro de uma propaganda
antiga do WWF – World Wide Fund for
Nature, em que uma voz grave dizia “Extinção
é para sempre”. Talvez a explicação para essa minha tristeza seja o fato de
também eu estar perto da “extinção para sempre”, o que não vem ao caso no
momento. O que realmente interessa são os textos que encontrei e de onde tirei
este trecho:
“Quando morre uma língua, grande parte da cultura associada a
ela desaparece. ‘Cada língua é uma cultura e uma visão de mundo’, diz Aryon
Dall'Igna Rodrigues, coordenador do laboratório de Línguas Indígenas da
Universidade de Brasília (UnB) e um dos maiores especialistas brasileiros no
assunto.
As línguas costumam morrer em silêncio. O principal sinal de
envelhecimento é deixarem de ser ensinadas às novas gerações. Quando isso
acontece, o final é quase irreversível. ‘Qualquer língua que não seja mais
transmitida às crianças está em situação crítica’, diz Aryon Rodrigues.
Antropólogos e linguistas acreditam que, se nada for feito, algo entre 50% e
90% das cerca de 6 mil línguas faladas no planeta vão desaparecer neste século.
Quando Cabral chegou ao Brasil, a população de índios era de 6 milhões a 10
milhões segundo estimativas. Hoje, calcula-se que são 170 mil. Em 1500, os
índios falavam cerca de 1.300 línguas”.
Apesar de números
conflitantes, estima-se que hoje existam no Brasil 274 línguas indígenas,
com 190 em risco de extinção. E fico me perguntando: quantas línguas já foram
extintas no mundo todo? Infelizmente, não consegui encontrar essa informação, mas
tenho um caso legal para contar:
Tive um colega e amigo já mil vezes citado
neste blog que, além de protagonista de casos mirabolantes, hilários e falsos
ou verdadeiros, era também um comprador compulsivo de livros. Suas aquisições
mensais eram em tal volume que acabou tendo uma espécie de “caderneta de
armazém” onde pendurava as compras do mês em uma livraria que ficava a não mais
que 100 metros da empresa onde trabalhávamos.
Às vezes me chamava para ir com ele pegar alguma
encomenda feita anteriormente. Nesses momentos eu aproveitava para examinar
alguns livros que ficavam expostos. Um dos livros mais interessantes de que me
lembro – e que justamente por sua “indispensável
inutilidade” me arrependo de não ter comprado –, foi um livro com a
transcrição das informações gravadas em discos de ouro embarcados nas sondas Voyager, para serem descobertos por
alguma civilização extraterrestre quando essas sondas mergulhassem no espaço
interestelar, depois de cumpridas as tarefas para as quais foram lançadas
(estudo do sistema solar).
99,99% das pessoas acharia esse livro uma
merda (mais ainda se soubesse que as sondas que levam os discos demorarão entre
20.000 e 30.000 anos para sair definitivamente do sistema solar), mas ele tinha
todo tipo da deliciosa cultura inútil que atrai malucos como eu. E, talvez, a
que mais tenha chamado minha atenção foi um tópico relacionando as principais
línguas faladas no mundo e o total de falantes de cada uma. Esse não era exatamente
um assunto muito atraente; atraente mesmo foi a informação do total de pessoas
que sabiam falar (ou ler) a língua suméria, extinta há quatro mil anos: 200
estudiosos e linguistas. Até babei de satisfação ao ficar sabendo disso!
Mas podemos ir mais longe (ou mais perto)
nesse assunto. Lembrando-me de ter lido uma vez a notícia de uma índia
brasileira que foi posta por estudiosos a conversar com ela mesma, justamente
por ser a última falante da língua de seu povo, resolvi procurar mais
informações sobre isso, e descobri um painel um pouco assustador.
Em um artigo de 2006 (dezesseis anos atrás,
portanto), descobri que essa não era a única língua ameaçada de extinção. Existem
hoje no mundo em torno de sete mil línguas e dialetos. Desse mundaréu de
sonoridades estranhas e inflexões inesperadas, pelo menos quinhentas estão
correndo o risco de virar línguas mortas.
Fala sério, dá ou não dá para elevar a
temperatura de neurônios e sinapses? Mas, só para sacanear (ou dar alívio a
quem está achando este assunto um saco), vou deixar para contar o resto no
próximo post, pois meu pescocinho já
deu sinais de que preciso me deitar um
pouco ou fazer algum alongamento.
Para ser sincero, acho que meu pescoço afrancesou. Verdade! Como até (ou principalmente) estudantes de quinta série sabem, a tradução da palavra “pescoço” para o francês é “cou”. Talvez isso explique a dorzinha que tem me incomodado um pouco, pois meu pescoço está mesmo um cou!
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