sábado, 9 de abril de 2022

BOM DE LÍNGUA - SEGUNDA PARTE

 
Comentei no post anterior minha tristeza pela extinção recente do Yagán, língua indígena colombiana. Esse sentimento gerou algumas consultas e descobertas na internet, onde acabei encontrando artigos muito interessantes no site da BBC (os links estão no final deste texto). O mais legal de todos fala de Ghil'ad Zuckermann, um professor de linguística em Israel, filho de um sobrevivente do Holocausto, e especialista em análise do renascimento da língua hebraica. A seguir, trechos extraídos do artigo citado:
 
“Zuckermann cresceu como um falante nativo do hebraico moderno, sem dúvida o exemplo mais bem-sucedido de renascimento de uma língua até hoje no mundo. O hebraico ficou extinto por quase 2 mil anos, até que os revivalistas da língua começaram a usá-lo novamente no fim do século 19.
Para isso, adaptaram a antiga língua da Torá para que ela pudesse se adequar à vida moderna. Por fim, se tornaria a língua materna de todos os judeus do então criado Estado de Israel, fundado em 1948”.
 
Para o linguista, entretanto, “a língua hoje falada por milhões de pessoas em Israel e conhecida como hebraico não é, e nem poderia ser, a mesma língua da Bíblia. ‘Os judeus não conseguiram reviver o idioma de Isaías. É simplesmente impossível reviver uma língua como ela era antes’, diz.

Em vez disso, Zuckermann explica que o hebraico moderno, ao qual se refere como ‘israelense’, é uma língua híbrida, que aproveitou as influências que os migrantes judeus trouxeram para Israel de suas línguas nativas, como iídiche, polonês, russo e árabe.

Ao longo de gerações, essas diversas variantes se misturaram e moldaram a língua à sua forma moderna. E de acordo com Zuckermann, isso não deve ser visto como um problema. Essas mudanças são naturais e necessárias no processo de ressuscitar uma língua.

‘Presto mais atenção ao falante do que ao idioma em si. Um falante de iídiche não consegue se livrar da lógica do idioma, mesmo que odeie o iídiche e queira falar hebraico. Mas no momento em que a pessoa entende a importância do falante nativo em detrimento do purismo linguístico e da autenticidade da língua, essa pessoa pode ser um bom revivalista’, explica”.
 
Achei super interessantes essas informações sobre a ressurreição do hebraico, mas o que realmente me encantou é a atividade a que se dedica atualmente. Transcrevo novamente trechos do artigo:
 
Tendo visitado a Austrália, Zuckermann ficou tão apaixonado pelo país que decidiu usar seus conhecimentos para ajudar na preservação ou ‘reanimação’  de suas línguas classificadas como de ‘alto risco de extinção’. A Austrália possui 250 línguas cadastradas e só 13 não estão ameaçadas. (...)
 
Para Zuckermann, preservar essa diversidade linguística é extremamente importante. Para comunidades indígenas na Austrália e no mundo que ainda estão lutando contra o legado da colonização, ser capaz de falar sua língua ancestral é uma questão de empoderamento e recuperação de identidade. E isso pode gerar consequências significativas para a saúde mental.(...)

Assim, estabeleceu pela primeira vez o campo transdisciplinar de pesquisa chamada Revivalistics, que se concentra em apoiar a sobrevivência, renascimento e revigoramento de línguas ameaçadas e extintas em todo o mundo. São idiomas que vão do hebraico ao galês, passando pelo córnico e irlandês - sem mencionar os falados na América do Norte, como Wampanoag e Myaamia, entre muitos outros.
 
Grande parte do trabalho de Zuckermann na Austrália se concentrou em Barngarla, uma língua morta - Zuckermann prefere o termo ‘bela adormecida’ - que foi falado nas áreas rurais do sul do país entre as cidades de Port Augusta, Port Lincoln e Whyalla.(...)

O ponto de partida de Zuckermann foi um dicionário escrito em 1844 por um missionário luterano chamado Robert Schürmann. Em 2011, Zuckermann começou a realizar viagens regulares ao território de Barngarla para oferecer oficinas de renascimento linguístico.

Com ajuda e orientação de Zuckermann, a comunidade recorreu ao conhecimento armazenado no dicionário de 1844 de Schürmann. Além disso, muitos também compartilharam o que puderam lembrar das palavras que ouviram de seus pais e avós. (...)

O resultado é a moderna Barngarla, uma língua que renasceu sendo a mais próxima possível do Barngarla falado antes que seu último falante nativo morresse. No entanto, inevitavelmente, como no caso do hebraico moderno, nunca será totalmente a mesma.

Muito tempo se passou e houve uma influência considerável da língua colonial, neste caso o inglês, para o Barngarla de hoje ser uma cópia do original. Trata-se, assim, de uma língua híbrida, mas que a comunidade Barngarla pode se sentir orgulhosa de falar mais uma vez. (...)
 
Para encerrar este post, reservei um trecho perfeito para incentivar os eventuais leitores desta bagaça a acessar os links logo abaixo (são muito interessantes!):
 
Moonie Davis, o último falante nativo da língua original, morreu em 1960. “No entanto, quando Zuckerman entrou em contato com a comunidade Barngarla e propôs ajudar a ressuscitar sua língua e cultura, ficou impressionado com a resposta. Ele ouviu: ‘Estávamos esperando por você há 50 anos’". Maravilhoso!

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