Meu black dog é ensinado e quase não me incomoda, mas às vezes precisa sair um pouco. E nesses passeios sempre me puxa para lugares estranhos, sombrios. Hoje, bem cedo, ele trouxe sua guia para que eu o levasse a passear, fazendo-me ter pensamentos e visões também estranhas, também sombrias.
Como um burocrata entediado a quem sequestraram todos os
sonhos, o celular começa a tocar para me dizer o que desde a madrugada insone
eu já sabia: está na hora de acordar.
Seguindo orientação médica, fico sentado por
instantes na beira da cama para equilibrar os fluidos corporais.
Levanto-me e caminho até a cozinha. Pego os
remédios prescritos pelo cardiologista e pelo endocrinologista e os engulo com
um pouco de água.
Troco de roupa, calço os chinelos e vou de carro à
padaria - que fica a pouco mais de uma quadra de distância. O isolamento imposto
pela pandemia fez com que eu deixasse de ir a pé até lá.
Na volta, tomo banho, troco de roupa novamente e, para
evitar toda possibilidade de contaminação, espero que minha mulher me ajude a
tirar os pães do saco de papel que os embala.
Faço café, tomo café e dirijo-me ao
computador para acompanhar as estatísticas do blog e ler as notícias mais
recentes. E assim continua o dia, com suas imutáveis rotinas, as mesmas tarefas, a mesma falta do que fazer, todo dia, tudo sempre igual,
fazendo com que eu me assemelhe a um presidiário que marca na parede da
cela os dias já cumpridos de sua pena.
Mas minha prisão é diferente, pois nas
paredes invisíveis da minha guantánamo pessoal eu vou apagando em um calendário
invertido os dias já vividos do total que me resta de vida. De qual vida, afinal?
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