Aparentemente os ânimos têm se acalmado um pouco, pois a expressão “cultura do cancelamento” está meio sumida da mídia (talvez as críticas ao cancelamento tenham sido canceladas, quem sabe?). Espero que essa excrescência seja mesmo esquecida, banida - ou cancelada -, pois para mim é filha legítima ou um sinônimo do que eu chamaria de “ditadura do coletivo”, a mesma ditadura que inventou a militância do “politicamente correto” (expressão que eu odeio).
Com
este instrumento na mão - o que, já de início, evitará que ponha a mão em
qualquer outro instrumento o têéfeêmísta – teéfepista ou qualquer outro
teéfista – estará a salvo de todos os ataques dos imorais desagregadores que
pululam em todas as nossas publicações, sejam elas livros, revistas, jornais,
opúsculos, bulas, alfarrábios, compêndios, cadernos, folhetos, panfletos,
miliários, códigos, incunábulos ou enciclopédias. Com esta tesoura, dentada mas
silenciosa, o leitor em questão deverá percorrer as bancas de jornais, estantes
de livrarias, bibliotecas públicas, discotecas, cinematecas e outros ambientes
deletérios, cortando, com a coragem e a tranquilidade dos justos, tudo aquilo
que de malsão se lhe antolhar: seios femininos alguns masculinos também, partes
pudendas, atos iníquos, cenas eróticas, atitudes dúbias, comportamentos
negativos, frases de duplo sentido, demonstrações, enfim, de impudicícia,
carnalidade, ultraje ao pudor, pederastia, sodomia, polução voluntária,
indecência, impureza, despudor, lubricidade, sedução, transvio,
desvirginamento, estupro, sensualidade imoderada e mesmo algumas moderadas,
meretrício, degradação, masoquismo, inversão sexual, orientação e pornografia
tout court . O dito impertérrito cidadão, nossa tesoura mágica e dentada em
punho - compre dois exemplares para o caso de um se gastar rapidamente - deve,
ainda, estar atento a qualquer referência ou ilustração de: concupiscência,
ereção, priapismo, concúbito, lascívia, luxúria, carne, desejo, filoginia,
voluptuosidade, obscenidade, ditos fesceninos, turpilóquios, pretextata verba,
rebolados, batuques, cheganças, órgãos genitais, regiões púbicas,
acasalamentos, inseminações - artificiais e naturais - libidinagem, frascarias,
desregramento, pecados - todos os sete - pouca vergonha, carnis desideria,
apetite venéreo - amor livre, má vida, meretrício, safismo, safadeza,
lesbianismo, adultério, menage à trois - ou a mais pessoas – concubinagem,
mancebia, amizades ilícitas e... surubas.
Cumpre
ainda estar de aviso para referências a locais ou regiões geográficas
específicas, tais como; harém, bordel, alcoice, conventilho, lupanar,
prostíbulo, calógio, bramadeiro, casa-da-tia, casa-de-passe, randevu, e das
pessoas aí encontradiças: libertinos, cevões, bargantes, pistoleiros, mulheres
da vida, lotários, proxenetas, cáftens, caftinas, madames, adúlteros,
prevaricadores, cortesãs, traviatas, transviados, viados propriamente ditos,
bichas e bichonas, cabras, troquilheiros, mulheres de rebuço, decaídas,
meretrizes, rameiras, perdidas, ambulatrizes, culatronas, bandarras, bêbedos,
pinóias, maganas, bagaxas, hetaíras, bandalhos, messalinas, mundanas,
corsárias, mulheres de vida fácil, cabriolas, manolas, frinéis, gueixas,
cocotes, marafonas, inculcadeiras, barregãs, sátiros, bordeleiras,
mulheres-damas, michelas, piranhas, bacantes, teúdas e toda essa gente que
perambula pelas vielas lúgubres da prostituição.
Evidentemente,
como diria um prolixo nato, o espaço é pouco para que enumeremos todos os
vícios, erros, desvios, perigos, anomalias, tortuosidades, desregramentos,
indecoros, depravações, abjeções, infâmias, falporrições, relaxamentos morais,
degenerescências de caráter, podridões, lascívias e execrações que o simples
brandir de nossa tesoura alvinitente - papel acetinado de primeira - pode
destruir e evitar. Lutando apenas contra o que enumeramos acima, o cidadão
teéfeêmista já poderá dormir tranquilo, na sua retidão física e probidade
moral. Os que, contudo, quiserem levar ainda um pouco mais longe seu zelo
consular devem procurar também cortar pela raiz o mal terrível de palavras que
se escondem perfidamente em outras, como abundante, acuidade, iconografia,
culatra, acuado, recuar, anseio, asseio, passeio, parapeito, despeito, meditabunda,
moribunda, vagabunda e tremebunda; nomes de logradouros que mal e mal disfarçam
a imoralidade de quem os batizou: Cupertino Durão, Aquino Rego, Bulhões de
Carvalho, Jacinto Leite. E expressões aparentemente triviais mas tremendamente
desagregadoras em sua sonoridade dúbia: "Que time é o teu?", "Se
eu cozinho não lavo", "Jacaré no seco, anda?", "Cachorro
que late nágua, late em terra?" "A rosa no cume nasce". Enfim,
todo cuidado é pouco. Tesoura em riste e mãos à obra. Qualquer desvio de
atenção pode ser fatal.
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