terça-feira, 29 de março de 2022

DIREITO AO CONTRADITÓRIO

O Blogson Crusoe é e sempre foi, entre outras coisas, um repositório de minhas lembranças, muitas delas descritas de forma detalhada e geralmente sem filtro. Por esse lance de preservação da memória, muitas vezes ocorre de um comentário feito por algum leitor gerar uma resposta tão longa que acaba virando post independente. A coisa fica ainda melhor quando quem fez o comentário contesta o que acabou de ler. Como neste caso.
 
Recentemente, perguntei à minha irmã se ela teria interesse em ler o post "Tchibum", uma sessão de "psicoterapia" muito intensa, pois escrevi pra caramba, me joguei sem filtro e sem rede de proteção nas lembranças e o que acabou saindo foi uma (mais uma) declaração de amor a meu pai (nosso pai).
 
Ela disse que queria, eu mandei o link do blog, brincando que ela era sócia do blog, pela ajuda que deu no resgate de vários casos esquecidos. Sua resposta veio através de e-mail. Disse ter-se divertido (“à beça”) e se emocionado, mas alguns trechos a deixaram “bolada”, pelos comentários ácidos e “até injustos”.
 
Perguntei-lhe quais comentários ela tinha considerado "injustos e desnecessários" e recebi de volta uma "tijolada", uma tijolada cheia de carinho que provocou mais uma reflexão no estilo jotabélico: rasa, chata e desnecessária.
 
Antes, preciso registrar que puxou minha orelha ao destacar que “quando você torna públicas essas recordações (da forma como foram sentidas e entendidas por uma criança e/ou um jovem), tornam-se "verdades" para quem lê”. Além disso, deixou clara sua discordância com o estilo sarcástico e até “impiedoso nas narrativas”, utilizado pelo escritor e médico Pedro Nava ao registrar suas próprias lembranças. E lança uma suspeita grave sobre as memórias do escritor: “quanto daquilo era realmente verdade?”

Fiquei super feliz com o comentário e até a agradeci por ser minha irmã. E, por ela não ter concordado com algumas coisas mais ácidas que leu,  dei um spoiler sobre o título do post provocado por seus comentários: “Direito ao contraditório”.

Quando comecei a escrever minhas lembranças eu ainda não tinha percebido o que hoje acredito ser verdadeiro: o que guardei na memória não se traduz necessariamente nas lembranças de mais ninguém, pois passados muitos anos, essa foi a releitura que fiz do que sobrou  na memória; e, talvez, quem sabe?, uma memória recriada.

Minha irmã acertou ao me conectar com os livros do Pedro Nava, pois sou fã de sua capacidade de detalhar minuciosa e ironicamente alguns casos mais saborosos ou apimentados; por isso, eu sempre tentei “pedronavear” as histórias de que me lembrava, e isso me divertiu bastante. Mas nunca aumentei nada, apenas “escolhi o ângulo do retrato”.
 
Tudo o que publiquei no blog talvez possa ter sido contaminado por sentimentos antigos, mas nas várias páginas que escrevi (e põe "várias" nisso!) sobre meus pais, irmãos, avós e tios, creio que dá para perceber o amor que sempre senti por essa gente – mesmo que vestindo a “roupa” galhofeira dos tios mais amolecados, que sempre brincaram e mostraram um lado suavemente malicioso e engraçado. Por isso, se eu conseguisse condensar o estilo que adotei para escrever os casos e lembranças (que minha irmã me ajudou a concretizar), eu diria que o estilo é uma mistura da ironia e sarcasmo do Pedro Nava e da jovialidade e molecagem dos meus tios sem noção.

E esta é a mensagem: todas as verdades sempre serão apenas meias verdades, pois jamais ninguém conseguirá ver tudo, ouvir tudo e, principalmente, lembrar-se de tudo. Mas vale a pena tentar.

 

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