Meu amigo Pintão era um sujeito que lia de
forma obsessiva e sobre praticamente qualquer assunto. Um dia comentou que no
início da humanidade, ainda na ausência de escrita, os ensinamentos religiosos
eram divulgados oralmente, de forma cantada e cadenciada, mais fácil de
memorizar. A explicação me pareceu fascinante, totalmente lógica e, claro,
fruto de uma grande cultura. Aliás, concordei integralmente, pois passei por
uma experiência como essa quando ainda era solteiro, ao ouvir um dos primeiros discos
do Fagner.
Uma das músicas desse LP de que mais gostei foi
composta em cima de um poema lindíssimo da Cecília Meireles. O curioso da
história é que na primeira prensagem só apareceu o nome do Fagner, disso
resultando um processo contra a gravadora. Mas o que eu queria dizer é que
memorizei os belíssimos versos graças à sua musicalização (linda também). E o
poema é “Motivo”. Mais que nunca, tem muito a ver com o que tenho sentido
ultimamente.
Eu
canto
Porque
o instante existe
E a
minha vida está completa
Não sou
alegre nem sou triste
Sou
poeta
Irmão
das coisas fugidias
Não
sinto gozo nem tormento
Atravesso
noites e dias
No
vento
Se
desmorono ou se edifico
Se
permaneço ou me desfaço
Não sei
se fico
Ou
passo
Eu sei
que canto e a canção é tudo
Tem
sangue eterno a asa ritmada
E um
dia eu sei que estarei mudo
Mais
nada
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