quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

EU CONTINUO AQUI MESMO

Prezado amigo Agostinho, eu continuo aqui mesmo. Não, isso é música do Gilberto Gil e não é sobre isso que eu quero falar.

Você sugeriu que eu registrasse os casos de sua família, tarefa dificílima, pois, mesmo que já tenha ouvido algumas histórias, a família não é minha. O máximo que posso fazer é sugerir que você mesmo faça isso. Considerando os comentários elogiosos que ouvi de sua prima sobre sua forma de escrever, a sugestão que te faço é essa: procure criar um grande painel sobre sua família, sobre seus tios e avós, esse pessoal de sangue quente e coração generoso que tive o privilégio de conhecer. Um painel composto de casos (normalmente saborosos), lembranças e fotos.

Como fazer isso é problema seu, mas sugiro conversas gravadas com cada um de seus primos e tias ainda vivas (claro). Pedir que cada um escreva suas lembranças é querer demais, pois nem todo mundo sente-se confortável diante de um editor de texto ou de uma folha branca. A partir daí, vira trabalho braçal, embora extremamente prazeroso. Por isso, arregace as mangas e comece. Vale a pena.

Eu já escrevi um monte de coisas tendo meus filhos como público-alvo preferencial. Muitos desses textos derivaram de reflexões e inquietações surgidas após fazer cinquenta anos. Dentre esses textos estão justamente os casos das famílias de meu pai e minha mãe. Para isso, contei com a minha memória (uma merda) e da minha irmã. Descolei também fotos de meus tios, meus avós e bisavós (!) e mandei para eles.

Para contar sobre meus tios, avós e bisavós, optei por não tentar fazer uma biografia de cada um, tarefa quase impossível e de leitura certamente enfadonha. Outra coisa que tive o cuidado de evitar é a narrativa “chapa branca”, aquela em que só se encontram qualidades e elogios. Como essas pessoas tinham, simultaneamente, qualidades e defeitos, a melhor forma de lembrá-las seria contar os casos lembrados, por mais picantes e constrangedores que fossem. Afinal, o que eu pretendia era criar um retrato mental para somar à imagem fotográfica de cada um, para que meus filhos, se assim o quisessem, pudessem ver um conjunto mais palpável de seus antepassados.

A ideia por trás disso tudo era a preservação da memória de gente comum (mas nem por isso menos importante para mim), gente que nunca entrou nem entrará em livros de história, essas coisas. Ou seja, pessoas que o sopro do Tempo logo dispersa e apaga. Isso era o que eu pensava quando comecei. Mas vou te contar um segredo: hoje eu sei, tenho certeza, de que minha intenção – mesmo que inconsciente – era incorporar-me às narrativas e também ser lembrado por quem as lesse, permanecer “vivo” um pouco mais. O que não invalida a proposta original.

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