terça-feira, 29 de novembro de 2016

O MUNDO É DOS JOVENS

O mundo é dos jovens. Eu sei que essa é uma frase clichê, mas o mundo é definitiva e irrefutavelmente dos jovens. E isso ficou ainda mais patente com o surgimento das mídias sociais. Mas não me refiro aos que ainda estão na fase da adolescência. Os jovens de que estou falando têm entre dezoito e quarenta e cinco anos. Você poderá me perguntar o que quero dizer com isso. Mas, mesmo que não pergunte nada, já vou esclarecendo: esse é o mundo ao qual eu gostaria de pertencer, essa é a minha tribo ideal.

Não, não estou querendo parecer tiozão nem vestir bermudas com camiseta regata (creio ser esse o nome). Longe de mim essa breguice. O que eu gostaria mesmo é de estar nessa faixa etária. Já disse uma vez que não tenho saudade de épocas, estilos, moda ou ritmos musicais, não curto nostalgia. O que eu tenho - e isso é tristemente real - é saudade de mim mesmo, quando podia fazer as coisas que não fiz ou fiz e não deveria ter feito.

O Sérgio Britto, dos Titãs, compôs a música "Epitáfio", cuja letra é a minha (e de muitos mais) "lista de compras" existencial. Está tudo ali. Estranho é o fato de tê-la gravado em 2002, quando tinha apenas 43 anos, talvez indicando que meu "limite superior" esteja muito "elástico".  

Hoje, quase tudo o que me atrai e seduz é feito por jovens e para jovens. Música, por exemplo: além dos Titãs, Skank e Jota Quest são bandas que eu aprecio. Mas se eu pensasse (não penso) em ir a um de seus shows ficaria tão deslocado quanto um pai "zeloso" que leva seu filho ou filha e fica atento a qualquer saliência, pagando mico e envergonhando o pimpolho.

Outra coisa que eu curto são as tiras, livros ou páginas da internet de jovens e talentosíssimos autores de humor. O problema são as referências a filmes, séries e jogos de que não faço a mínima ideia. Às vezes peço a meus filhos uma tradução. E aí chegamos à pior situação, que é o estilo de vida de um jovem normal. O lugar onde moro é conhecido como um bairro de vida boêmia e cultural intensas. É possível encontrar três bares ou restaurantes em um cruzamento de duas ruas. Todos sempre cheios, alguns com música ao vivo. Qual o público? Jovens, em sua maioria.

E a coisa vai rolando por aí. Se eu resolvesse (não tenho essa intenção) frequentar esses lugares, talvez fosse recebido com alguma estranheza, desconfiança ou curiosidade pelas pessoas (jovens) que ali estão. Tirando bailes da terceira idade (esconjuro-te!), hidroginástica, festas de família, jantares em restaurantes, peças teatrais mais comportadas, conversas sobre futebol, música sertaneja e atividades afins, todo o resto é próprio ou mais adequado para gente jovem. Mochilar? Jovem. Acampar? Jovem. Dormir em sleeping bag? Já dormi quando era jovem (e sonhei). Esportes, diversão, shows, trabalho, academias, conversas pela madrugada afora, tudo isso é quase uma "reserva de mercado" dos jovens. Paquera, pegação, paixonites, isso é para jovens (solteiros, bem entendido).

Ser jovem, ser ainda jovem é uma dádiva do Tempo. Aos mais velhos resta a arquibancada, resta observar, criticar (inveja pura) e sentir-se como um estrangeiro em um país ocupado e dominado por jovens.

Quando eu ainda ouvia discos de vinil, às vezes derramava um pouquinho de álcool no centro do disco, para tentar reduzir a chiadeira provocada pelo desgaste decorrente das sucessivas audições. Gostava de ver o álcool ir-se espalhando em direção à borda do LP, numa ótima demonstração da força centrífuga.

Pois bem, hoje eu me sinto como aquele álcool, que vai sendo cada vez mais conduzido para a borda, para a periferia da sociedade. Saudade de mim, entendeu? Estrangeiro? Esse cara sou eu! 


sábado, 26 de novembro de 2016

COMENTANDO AS RECENTES - 19

Acordei hoje com a Globo News noticiando a morte do mala sem alça Fidel Castro (discurso de seis horas ninguém aguenta, por mais puxa-saco que o ouvinte seja. Creio que esse devia ser um método de tortura muito apreciado por ele). 

Foi também exibido um vídeo onde o irmão Raul Castro comunicava a morte do ditador. Fiquei imaginando quantas "viúvas" deve ter deixado pelo Brasil afora e pensei comigo que já ia tarde (morreu depois das dez da noite), quando o primeiro-irmão, novo manda-chuva cubano, para finalizar, disse a frase:

-Hasta La victoria, siempre!

Fiquei sem entender. O que aquilo tinha a ver com a morte do irmão? Será que ele acredita em ressurreição?

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

SAIU NO FEICIBUQUE - 015

Eu fico vendo (e lendo) meus amigos de Facebook trocar farpas, criticando esse ou aquele partido político, esbravejando contra a corrupção que parece brotar de qualquer lugar em que se mexa, tais as teias que foram espalhadas pelo país. Há teias de aranhas vermelhas como há também de verdes ou azuis. Reclamam da falta de vergonha, desonestidade e visível descaso ou desprezo pela opinião pública exibidos sem maiores constrangimentos por alguns políticos..



Agora, falando sério, alguém acredita mesmo que o povo é melhor que os políticos que elegeu? Não seríamos nós um bando de hipócritas, de cínicos, que atira pedras na vidraça do vizinho? As notícias desanimadoras que não param de ser divulgadas mostram uma classe política viciada em práticas condenáveis. E aí, meus caros amigos feicibucanos, dá para pensar que são tão diferentes de nós ou o que nos desiguala é apenas um problema de escala, de medida? 

Os políticos investigados têm culpa no cartório? Provavelmente, a resposta mais correta seria “Sim”, e devem ou deveriam ser exemplarmente punidos. E aí, sou obrigado a perguntar de novo: seremos nós rebanhos de ovelhinhas indefesas representadas e governadas por bandos, por alcateias de lobos esfomeados? Só os insensatos, hipócritas e falsos moralistas responderão que sim, mas esse é um problema cultural brasileiro, porque nós adoramos levar vantagem em tudo, seja estacionando em vaga de deficiente físico, seja avançando sinal, parando em fila dupla, embolsando dinheiro achado dentro de uma carteira, roubando celular esquecido (a palavra é essa mesmo. Se quiserem mudem para "furtando"), pedindo atestado médico falso para faltar ao emprego, etc., etc., etc. 

São tantos os delitos e tantos os espertos que eu diria que compomos a maioria da população, mesmo que a esperteza aconteça em gradações diferentes. E é dessa população que sai a escória que nos rouba, nos engana e quer nos governar. Nós, os eleitores, não pensamos nesse tipo de coisa quando votamos. Votamos no amigo do amigo do amigo, sem saber se ele é um aproveitador ou sei lá o que. Votamos nos "fichas sujas" ainda não oficializados. E assim, os Eduardos Cunha, os Renans Calheiro, os Jáderes Barbalho e os Geddeis, os Jucás e etc., etc., etc. vão sendo eleitos, vão protegendo seus afilhados e cupinchas e o Brasil continua, só para variar, indo para o brejo. Precisamos e devemos criticar os maus políticos, precisamos nos educar para que nunca mais sejam eleitos, mas, também, para dar exemplos de dignidade e honestidade para nossos filhos. Senão, seremos sempre apenas o “país do futuro”.

"Eu tenho um sonho" (Martin Luther King) e nesse sonho eu vejo um país decente, de gente decente, sem radicalismos de esquerda, sem radicalismos de direita. Mas sinto que isso deve demorar uns trezentos anos para acontecer (claro, se o mundo não acabar antes).

ENIGMAS DE UM RETRATO

Entregaram-me um pacote de fotografias e documentos antigos com a incumbência de escaneá-los. No meio daquele grupo de rostos já conhecidos, muitas vezes em imagens desfocadas,  veio um retrato antigo, bem antigo, de um casal na faixa dos trinta a quarenta anos. 

A foto trazia algumas informações:  é uma foto posada e teria sido tirada e revelada por profissional, pois, apesar dos danos provocados pela má conservação e guarda descuidada, tem boa nitidez. As roupas, a sombrinha da mulher, o bigode retorcido masculino e até mesmo a cadeira onde se apoia o homem, revelam que provavelmente foi tirada bem no início do século XX. Essa impressão é reforçada pelo semblante sério e sem sorrisos do casal, que olha para algum lugar, em diagonal à câmera. No verso da foto nenhum nome, data ou outra informação. Só sei que é uma foto linda.

Perguntei à minha mulher de quem se tratava e fiquei sem resposta, pois ela também não conhecia. Enquanto esperava o scanner fazer seu movimento de vai e vem para captura de outras imagens, fiquei divagando. 

Como teriam se chamado? Talvez tivessem nomes como Ofélia e Joaquim. Ou, seriam Leonora e Onésio?
E os filhos? Vários, claro. Talvez onze, sem contar o bebê que teria morrido com dois meses, vítima de escarlatina.
Seria um fazendeiro de muitas terras, um laborioso padeiro ou apenas um honrado dono de armazém? 
A virtuosa senhora seria especialista em quindins e broas de fubá, mas especialmente conhecida por sua galinha ao molho pardo, que ela mesma fazia questão de escolher e matar, cuidando para que o sangue fosse todo aparado em vasilha contendo suco de limão.
Teriam sofrido com doenças graves, contagiosas ou de difícil tratamento?
Certamente iam à missa das seis horas da manhã, para melhor aproveitar o domingo, dia adequado para visitar os irmãos e primos.
No final da vida, como estariam, como teriam morrido? O velho com o coração estourado e a mulher pouco tempo depois, de desgosto? Ou, pelos muitos anos de dura labuta diária, teria a mulher morrido tísica, em um acesso  mais severo de hemoptise? Teria o velho morrido dormindo, quase sem reconhecer mais os filhos e parentes?

Uma foto, vários enigmas. Pedra Roseta sem Champollion, estela com caracteres desconhecidos. Imagem fixada no papel. Sais de prata na revelação, ouro puro na beleza do retrato.



quinta-feira, 24 de novembro de 2016

MR. TAMBOURINE MAN - BOB DYLAN

Quando nossos dois filhos mais velhos ainda estavam no jardim de infância, meu cunhado Canarinho ia todo dia à nossa casa, onde passava a tarde conversando com sua irmã e ouvindo música. Adorava os discos do B.B. King e o único do Bob Dylan que possuíamos. Tinha, como se pode ver, bom gosto.
 
Quando era hora da saída das aulas do jardim, pegava nossa Brasília e ia buscar os meninos. Não sei por quanto tempo fez isso, mas foi uma ajuda inestimável para minha mulher.
 
Muito tempo depois, quando já estava casado, ganhou de presente da irmã (e “mãe”, como gostava de chamá-la) o disco do Bob Dylan que amava, já na versão CD.
 
Pois bem, como mais uma homenagem ao meu querido irmão e compadre, descolei uma das músicas desse disco para compartilhar com meus amigos de Facebook.
 
Para mim, música sempre foi principalmente melodia. A voz do intérprete seria apenas mais um dos instrumentos que executam a música. Assim, nunca me liguei nas letras. Isso nunca foi problema para mim, até porque a maioria das músicas de que gosto são em inglês - e eu não falo inglês. Só tento conhecer a letra quando estou interessado em cantar, para reproduzir o som que me atraiu. Por isso, fiquei impressionado com a tradução de Mr. Tambourine e as alusões encontradas na letra, que poderiam se encaixar na história de meu cunhado e em sua morte. Como não sou espírita, apenas achei uma puta coincidência. Mas que é bizarro, é.
 
Se alguém quiser ouvir uma versão ao vivo de 1964, siga o link abaixo. E a letra traduzida, meu caro, só na internet. Canta aí, Prêmio Nobel!

 








terça-feira, 22 de novembro de 2016

SOBRE COMO ESCREVER IRRELEVÂNCIAS

Ontem, após a missa de sétimo dia do meu cunhado, muita gente me cumprimentou por ter escrito o texto que foi lido no final. Isso me deixou feliz, agradecido, surpreso e super constrangido. O motivo é o fato de o texto não ter sido escrito para ser lido na missa. Eu o escrevi às quatro da matina do dia do sepultamento, e chorei demais enquanto escrevia. Além de divulgá-lo No Blogson, também o postei no Facebook, que é o lugar perfeito para compartilhar coisas com os “amigos” (já tenho oitenta e nove agora).

A surpresa foram os comentários de que escrevo bem, essas puxações de saco. Aí resolvi brincar com essa ideia, só para descontrair. A forma encontrada foi “ensinar” ensinar o segredo de como escrever bacaninha. A partire de agora o texto é o mesmo do Facebook.

O problema de tentar ensinar como escrever é que quem é professora e formada em letras aqui em casa é minha mulher. Por isso, mesmo que não possa ser processado por ela, corro o risco de dividir o tapete com o Zulu. Mas outros educadores, também meus amigos de Face, por puro corporativismo (esse povo é muito corporativista!) resolvam me meter um processo por exercício ilegal da profissão. Em minha defesa direi que não ganhei merda nenhuma com isso.

Mas o fato é que aqui em casa todos, sem exceção, escrevem bem pra caramba. Sem falar que as noras também mandam muito bem. Minha mulher sempre me emociona quando me mostra alguma mensagem que escreveu para alguém. Ela é a rainha da delicadeza (acho que ela nasceu “no tempo da delicadeza”). Talvez um dos motivos disso seja “leitura”, palavra mágica e necessária para se escrever bem.

Mas, para mim, todo mundo deveria escrever, pois é uma excelente forma de autoconhecimento, uma terapia gratuita. Você pode descobrir que é uma toupeira semi-analfabeta. Ok. Eu, por exemplo, descobri que sou uma toupeira, um quase jegue (infelizmente, não atendo todas as especificações), só não sou analfabeto. Ok também. Mas não estou querendo atrapalhar ou reduzir a justa remuneração de nossa competentíssima amiga e comadre (sei lá, ela pode pensar que estou tirando o leitinho e as viagenzinhas internacionais da Rafinha). Deia, pelamordedeus, não fique com raiva, não é nada disso!

Mas, vamos às dicas: a técnica inicial é começar. Sem grilo, sem medo e às escondidas, sente-se no computador ou pegue um caderno (serve até papel de pão) e escreva o que te der na telha. Vá escrevendo sem se preocupar. Escreva como se estivesse falando ao telefone ou sentado(a) em um boteco. Linguagem coloquial, entendeu? Depois disso, corrija a gramática, a ortografia, a regência, a concordância. Se você não se lembra ou nunca aprendeu sobre isso, essa é uma boa hora. No computador, com Word, é bem mais tranquilo. Até para excluir trechos ruins, alterar a ordem, corrigir vaciladas na grafia.

Outra dica boa é não se prender a chavões e frases feitas, que bitolam muito o pensamento. Por exemplo, em lugar de escrever “antes tarde que nunca”, você poderia escrever “antes tarde que de madrugada”. Pode não fazer muito sentido, mas as pessoas poderão achar isso divertido.

Só mais essa: não tenha medo ou receio de parecer ou ser ridículo. Só os muito idiotas é que gostam de se exibir o tempo todo. Não seja sério demais, pois escrever pode ser muito divertido. Experimente contar casos antigos e falar mal de conhecidos (de desconhecidos não tem graça), mas só na zoeira. É muito mais divertido mostrar que o rei está nu e até passar a mão na bunda dele (da rainha, nem pensar, senão o pau come) que ficar tentando parecer ser melhor que é realmente.

Para finalizar, vou te contar um segredo: todo mundo começa escrevendo "histórias de terror". É verdade! Depois de algum tempo, quando você já tiver desencanado e adquirido o gosto pela escrita, ficará aterrorizado ao ver como eram ruins as primeiras tentativas de escrever alguma coisa. Mas não desanime. Talvez, quem sabe, um dia você possa escrever um texto lindo como esse:

Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa:
“Eu sou lá de Cachoeiro..." (Rubem Braga)

Anime-se, vai!

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

NAU SEM RUMO

Parece que a moda agora é amiguinho e coleguinha do Serginho Detento Cabral pagar mico em frente ao Hotel Ritz (Paris, por favor) fazendo bandana com os guardanapos do restaurante.

Fiquei sabendo disso vendo umas fotos bacanas que circularam pela internet. Mas descobri que havia ainda outro amigo nessa farra, que não apareceu na foto. Olha ele aí.
 É por essas e outras que o Rio transformou-se numa “Nau sem Rumo”.


AS FASES DO LUTO (E MUITO MAIS)

Meu filho escreveu o texto abaixo e o colocou no Facebook. Tinha um endereço certo, mas achei tão bonito que não resisti: mesmo sem seu consentimento, fiz um copicola para o Blogson. Creio que não preciso dizer mais nada.


O inicio é igual ao fim, o fim é igual ao começo, apesar de estarmos acompanhados para sairmos ao mundo, nós entramos na vida sozinhos e partimos sozinhos.

Hoje terá a missa de sétimo dia da morte de meu tio Élcio, não vou escrever sobre ele ou para ele, meu pai já fez isso brilhantemente. Quero escrever para os vivos. A morte é parte inerente a vida, é o que dá brilho a vida, pois quando ela vem a vida se apaga. Infelizmente (independente de crença) nossos corpos vão morrer, não tem como escapar, vamos deixar aqui apenas as lembranças do que já fomos um dia: "Tu és pó e ao pó retornarás". Para os vivos resta apenas vivenciar o luto, que no meu ponto de vista deve ser vivenciado como a pessoa assim o quiser. Quem quiser ir ao velório vá, quem quiser ir à missa de 7° dia vá, quem quiser fazer sua homenagem em casa, no boteco, no trabalho, no facebook, faça. Não resta aos vivos impor limites aos demais sobre um momento tão único e individual. Como mostra o vídeo que eu coloquei abaixo, o luto tem sim suas fases. Mas cada um as vive de maneira e em tempos diferentes, e elas ainda podem se misturar e mudar a ordem e ir e voltar. Essa é a beleza da vida, somos únicos, vivemos de maneira tão única apesar de compartilharmos os mesmos momentos. Precisamos aprender a respeitar mais não apenas as individualidades, mas os indivíduos.


domingo, 20 de novembro de 2016

UM ESTRANGEIRO - MAKING OF E ALGO MAIS

Este post é uma resposta ampliada à pergunta que o imperador do blog “A Marreta do Azarão” fez: (...) "o quanto há de verdade nessa série?" (...)

Essa é uma história meio louca. Outro dia, assim do nada, pensei na história do cara que começa a falar outra língua. Não tinha nada em mente, só achei graça da maluquice. Contei a um sobrinho a parte que tinha imaginado. Minha cunhada, ouvindo a conversa, riu e perguntou de onde eu tirava essas ideias, que isso era coisa de drogadicto e que eu deveria ter fumado “um cigarrinho do capeta”. Achei graça, falei que talvez fosse falta de leite com Toddy, etc.

À noite, fomos a um restaurante para comemorar o aniversário de um conhecido. Calhou de ficar perto do filho desse sujeito, menino com uns 18 anos. Comentei com ele sobre essa maluquice e ele ficou empolgadíssimo, querendo saber o final. Disse-lhe que não tinha final e que não sabia nada da história, que mandaria para ele quando soubesse.

Em termos práticos, estava mais interessado em escrever outra das "lamúrias" jotabélicas, sobre o quanto é mais interessante conversar com meus filhos e outros jovens como eles, traçando altos papos sobre cultura, música (rock), livros e lugares para onde viajaram recentemente (ao contrário de mim, que cago de medo, meus filhos gostam de viajar e conhecer outros países). Muito melhor que ficar escutando gente que só gosta de contar vantagem (muitas vezes inexistente), só fala de futebol, come carne mal passada e ouve música sertaneja (gente muito próxima, diga-se; ainda bem que essas características concentram-se apenas em duas ou três pessoas). O problema é que sou velho, sou pai, não posso sair com a turma nerd que eu curto. Então, sou como um ET que desceu na Terra.

Aí resolvi juntar tudo, fazendo referência a outra crônica que escrevi, aquela do Odorêncio, como se o narrador fosse o filho que mandou jogar as memórias do pai no lixo. A referência ao "príncipe russo" é real e foi-me contada pelo próprio, meu pai.

Depois disso, tive de resolver uma série de questões que a história levantou. Por exemplo, o “estrangeiro” descobriria ou não em que língua estava falando? Como ele iria fazer? Qual língua deveria ser a escolhida?

Nesse caso, o ideal é que não fosse do grupo das manjadas (inglês, francês, etc.). Por outro lado, se escolhesse russo, o Google Tradutor retornaria em alfabeto cirílico, que seria mole de identificar. Línguas asiáticas ficariam muito estranhas. Já no árabe e hebraico, se não me engano, a leitura se faz da direita para a esquerda. Aí pensei em uma língua periférica da Europa, e optei por polonês. E por aí vai.

Resumindo: a história é uma colcha de retalhos onde se misturam realidade um pouco alterada com ficção pura. Mas não sou tão hardcore como o personagem. Primeiro, porque eu minto muito bem quando estou em uma festa. Deixo o povo falar, puxo assunto, presto atenção, rio das piadas e falo mal de mim mesmo, o que é um sucesso infalível, pois ajo com o maior cinismo e cara dura . Por isso, a maioria me considera o “legal”, o “gentil”, o “atencioso”, o “simpático”. (ainda bem que nenhuma dessas pessoas lê o blog!).

Outro ponto digno de nota é que eu e minha mulher temos uma cumplicidade incrível. Além de ser o amor da minha vida, é hoje minha melhor amiga. Conversamos muito e estamos sempre juntos. Preciso até fazer uma confissão para meus filhos: apesar de totalmente tosco, tenho uma visão meio amarga e, paradoxalmente, romântica da vida (desculpem se acham isso careta). Por isso, quando ela morrer, eu gostaria de ser exumado (pois certamente morrerei antes dela) e ser colocado em uma caixinha na mesma sepultura que ela. Pensei nisso outro dia e estava louco para registrar esse desejo meio sinistro, meio funéreo, meio doentio.

Quando eu era mais jovem, era o rei das velhinhas e velhinhos. Não havia um ou uma que não me elogiasse, tal a atenção que dava a eles. O que ninguém desconfiava é que o piloto automático estava sempre ligado, comandando as expressões faciais e as interjeições (aprovação, espanto, raiva, etc.). Hoje, sou um deles, pois está cada vez mais difícil encontrar gente mais velha que eu (pelo menos em festas). Quem me vê, acredita que estou me divertindo muito. Na verdade estou mesmo, mas não da forma que todo mundo imagina (perdi agora 1,3 leitores, provavelmente, e o motivo é que esse blog está cada vez mais parecido com consultório de psicologia e confessionário de igreja: só tem confissão constrangedora)E La nave va.


UM ESTRANGEIRO - 3/3

Embora minha mulher tivesse ficado visivelmente apavorada com as palavras da amiga, fiquei na minha, pois me auto-encaixei no perfil de “pessoa sensível e tímida”, mesmo que minha timidez tivesse sido deixada no meio do caminho há muito tempo. Mas a definição era pertinente. Terminou a consulta dando uma boa sugestão: eu demonstrava entender o que era falado e conseguia ler jornais, revistas, livros escritos em português, sinal que continuava pensando nessa língua. Ao verbalizar ou escrever o que tentava dizer é que a algaravia e as garatujas não identificadas se manifestavam. Nesse caso, talvez fosse bom que eu e minha mulher aprendêssemos Libras, a língua dos sinais; eu, para me comunicar e ela, para me compreender. Aceitamos a sugestão, começamos a aprender e tivemos alguns resultados promissores, mesmo que paliativos. Isso também serviu para nos aproximar mais, para que prestássemos mais atenção um no outro. E ainda não tínhamos ido a um psiquiatra.

Mas a solução do enigma (ou sua definitiva falta) quem acabou descobrindo fui eu mesmo. Tive a ideia de escolher uma única palavra bem básica e escrevê-la num pedaço de papel, Pensei em “mulher”, mas o sinônimo poderia ser “fêmea”, como gostam de dizer algumas pessoas que conheço.

Da mesma forma, “homem” poderia significar “macho” (alguns, nem tanto assim). Pensei em “medo”, mas minha expressão verbal poderia transformar em “receio” ou “pavor”. Pensando dessa forma, acabei por escolher uma das palavras que deve estar no big bang da origem de todas as línguas, mesmo as mais antigas: escrevi no papel a palavra “mãe” e saiu “matka”. Joguei no Google Tradutor e pedi para identificar o idioma. Para minha surpresa, a língua que estava falando e escrevendo era polonês! Mas eu nunca estive na Polônia, nunca saí do Brasil e sou, ou melhor, era monoglota!

Não contei essa descoberta para ninguém. Aí escrevi no meu amigo tradutor Googa (já estou íntimo) a expressão “línguas estranhas”. De posse da tradução, copicolei no Google e saiu isso: “Glossolalia é um fenômeno de psiquiatria e de estudos da linguagem, em geral ligado a situações de fervor religioso, em que o indivíduo crê expressar-se em uma língua por ele desconhecida, por ele tida como de origem divina.” 

Como sou um católico meia-boca, não acreditei na sopinha de ter recebido o sopro do Espírito Santo. Além do mais, se fosse isso mesmo, eu deveria também ser capaz de me expressar em minha própria língua! Continuando a pesquisar, descobri que poderia estar apresentando outro “fenômeno da psiquiatria”, a Xenoglossia, um suposto fenômeno metapsíquico no qual uma pessoa seria capaz de falar idiomas que nunca aprendeu, como, por exemplo, uma pessoa começar a falar alemão fluentemente sem nunca ter aprendido alemão, ser alemão ou conviver com alemães”. 

Ao ler a expressão “metapsíquico”, pensei logo em coisas esotéricas, curandeirismo, homeopatia. Além do mais, essa explicação era capenga, pois não previa o fato de alguém também escrever em outra língua.

Para encurtar a história, fomos a um psiquiatra, que diagnosticou que eu estou mesmo em surto psicótico, receitou-me uns remédios tarja preta pesados, daqueles mata-cavalo, que me deixam meio grogue, falando ainda mais enrolado. Mas até agora não voltei a me expressar na “última flor do Lácio”.

O que isso significa, eu não sei. Talvez vivamos em uma Matrix, talvez alguém, por engano, tenha “carregado” em minha mente o arquivo de língua polonesa, danificando ou provocando um conflito com o arquivo original. Mas não me queixo, pois essa situação delirante combina com o que vinha sentindo nos últimos tempos. Esse mistério eu ainda consegui solucionar. Mas não quero entregar o ouro para ninguém, senão algum cretino acabará por me chamar de “polonês”. 

Nas festas e aniversários a que somos convidados, quando ouço alguém contando suas vantagens e realizações de Pinóquio, faço logo um comentário em voz alta, quando digo as barbaridades que quiser. O “rei” se assusta, os demais convidados riem e eu me divirto pra caramba. Se a festa tem churrasco e me oferecem picanha com aquela capa de gordura amarela, sangrando tanto que quase dá para ouvir ainda um mugido, mostro um pedaço de carvão que mantenho ao alcance da mão – é assim que eu gosto. Se começam a tocar música sertaneja, levanto-me e saio de perto.

Criei também um blog super-restrito, quase um cripto-blog, ao qual, no momento, só meus filhos tem acesso (pensando bem, nem precisava todo esse cuidado!) e onde este texto ficará alojado. Nele tenho colocado as bobagens que vinha escrevendo, resgatando e-mails e cartas antigas, pois não quero cometer o mesmo erro do velho Odorêncio.

Você, meu caro leitor do futuro, deve estar se perguntando como está lendo este texto em português. Eu poderia encerrar agora com uma frase reflexiva, que te fizesse pensar que “há mais coisas entre o céu e a terra que supõe nossa vã filosofia”, mas penso que devo esclarecer esse último mistério: eu escrevo direto no computador - e sai polonês.Copio e colo no Google Tradutor. Lanço a tradução para português no Word, passo o revisor de ortografia, faço uma revisão geral e – Voilà! – estou com o texto do jeito que quero, na língua que abandonei

Só sei que não estranharei tanto se permanecer definitivamente assim. Afinal, se sempre me senti um pouco estrangeiro, agora posso dizer que sou mesmo um. E isso não parece tão ruim.

UM ESTRANGEIRO - 2/3

Naquele dia, demorei-me um pouco mais na cama, pois estava sentindo os efeitos da bebedeira da noite anterior. Abri um dos olhos e tentei enxergar que horas eram.  Não tinha nada especial para fazer, mas a manhã já ia longe.

Seguindo a rotina recomendada pelo cardiologista, sentei-me na beira da cama por alguns minutos – “para equilibrar a circulação sanguínea”, segundo ele. Calcei os chinelos e fui ao banheiro. Olhei-me no espelho e me assustei com meu reflexo. “Que cara amarrotada!”, pensei. “Você não devia ter bebido tanto assim!”. Olhando-me no espelho, em voz alta, repeti com fingida severidade:

- Nie powinien był tak pijany!

Espantei-me com o resmungo que saiu de minha boca, lavei o rosto, pigarreei, bebi um gole de água e repeti:

- Nie powinien był tak pijany!

Assustado, percebi que tinha empalidecido um pouco. “Que está acontecendo comigo?”, pensei, repetindo em voz alta:

-Co się ze mną dzieje?

Comecei a entrar em pânico e saí do banheiro chamando por minha mulher:

- Miłość!

Não era “Amor!” o que eu acabara de gritar. Aliás, eu não entendia nada do que saia de minha boca. Encontramo-nos no meio da casa, segurei-a pelos braços, completamente aterrorizado e lhe disse:

- Nie wiem, co się ze mną dzieje!
- Pára com isso, não vê que eu estou ocupada? Só pensa em brincar!

Tentei dizer que não estava brincando com ela:
- Nie gram z wami!

Corri até o escritório, peguei uma folha de papel e escrevi: “Leve-me ao hospital, pelo amor de Deus!”. No papel, em letras trêmulas estava escrito:
Zabierz mnie do szpitala, na litość boską!”

Com o coração latejando no pescoço e com os olhos arregalados, tentei de novo escrever: “Devo estar tendo um AVC, chame os meninos, chame um taxi!”
Mas na folha estava escrito “Muszę być udar zadzwonić chłopców, wezwać taksówkę!”

Minha mulher deu-se conta da gravidade da situação, chamou o SAMU, trocou rapidamente de roupa e pegou a carteira do convênio médico. Só quando chegamos ao hospital é que se lembrou de ligar para nossos filhos. E eu estava ali, ainda de pijama.

Fui atendido por cardiologista, neurologista, fonoaudiólogo e clínico geral, fui examinado, apalpado, revirado, medicado, fiz raio X, ressonância magnética, tomografia, eletroencefalograma, exame de sangue, fiquei em observação, tomei soro na veia e tudo o mais que foi imaginado pela equipe médica. Sem sacanagem, só faltaram examinar minha próstata!

Como os resultados não indicaram nenhuma anormalidade, um geriatra aventou a possibilidade de estar tendo um surto de demência transitória. Mais alguns testes e nada. Resolveram que deveria voltar para casa, ficar em repouso e procurar a ajuda de um psicólogo.

A notícia se espalhou pela família e arredores. Recebi a visita de primos, sobrinhos, vizinhos, amigos, ex-colegas e dos filhos, que diariamente passavam por aqui, sempre com a esperança de que tudo tivesse voltado ao normal. Alguns falavam comigo em tom mais alto de voz, como se eu estivesse surdo. Os mais inoportunos pediam que eu falasse palavrões, o que acabei fazendo com prazer, pois mandava todo mundo tomar no cu com um sorriso de vingança na boca. Chamei de “corno”, “viado” e “puta” todos aqueles idiotas, falei que suas mães estavam na zona, fiz “discurso” e disse àqueles manés e piranhas todo tipo de safadezas e putarias que essa língua desconhecida me permitia dizer. Cheguei até a pensar em cobrar ingresso, de tanta aporrinhação e encheção de saco, mas me diverti pra caramba.

Os mais preocupados resolveram levar-me para fazer “tratamentos” alternativos. Como sou católico, a igreja do meu bairro foi minha primeira parada. Alguém até sugeriu que eu falava línguas estranhas. Fui abençoado e aspergido com água benta. Nada.

Um vizinho, pastor evangélico afirmando ter certeza que eu estava possuído por Satanás, rebocou-me até sua igreja, onde, segurando minha cabeça entre as mãos, começou a gritar:

- Sai, Satanás, eu te ordeno que saias, eu determino que abandones o corpo e a mente desse filho de Deus!

Sacudiu-me tanto que quase o mandei à puta que pariu. E só não fiz isso porque sabia que aquela maluquice aumentaria ainda mais.

Outros me disseram que eu estava com encosto e fui levado a centro espírita e terreiro de umbanda, cada vez mais puto, sempre rebocado por algum bem-intencionado. Tomei passes, banhos, bebi líquidos estranhos (energizados), tudo com resultado obviamente nulo.

Procuramos uma psicóloga conceituada e amiga da família que, depois de alguns testes e na impossibilidade de estabelecer um diálogo normal comigo, sugeriu que eu poderia estar sendo vítima de um surto psicótico, desencadeado talvez pelo porre homérico que tinha tomado ou por um quadro de depressão. Esclareceu que uma crise como essa pode ocorrer “em pessoas de personalidade sensível, que sempre foram tímidas e quietas”. Nesse caso, sugeria que eu consultasse um psiquiatra para iniciar um tratamento medicamentoso com antipsicóticos. 

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

UM ESTRANGEIRO - 1/3

Até hoje eu ainda não sei se estou acordado ou no meio de um pesadelo que teima em não acabar. Todos os dias eu me deito esperando que “amanhã” eu acorde como antes de tudo ter acontecido. A casa agora está mais silenciosa, como se ninguém quisesse me incomodar ou perturbar meu sono. Mas eu estou acordado! Ou, pelo menos, acredito estar.

Minha mulher não mais exibe sua antiga e despreocupada tagarelice. Quando nossos olhares se cruzam, percebo que além da permanente preocupação, exibe uma expressão discretamente ressentida, como se intimamente acreditasse que a culpa de tudo fosse minha. Nunca tentei lhe dizer, mas hoje percebo que ela pode ter razão. Quando alguém telefona, eu a vejo conversar em voz baixa, contida, como se não quisesse que eu ouvisse o que está dizendo, provavelmente alguma coisa a meu respeito, o que sempre me deixa constrangido.

Ninguém sabe o que aconteceu; há algumas explicações sensatas e plausíveis, mas nenhuma conclusiva ou, pelo menos, não ainda. Tudo o que posso fazer é deixar um relato detalhado desses momentos para que um leitor, no futuro, teça suas teorias e explicações. A mim, basta o registro dos fatos, tal como me lembro de terem acontecido.

Na véspera daqueles acontecimentos, estava entretido em registrar minhas lamúrias, tal como vinha fazendo já havia algum tempo. Sentia-me meio deprimido, com pensamentos negativos recorrentes e uma sensação estranha de solidão. Por isso, sentei-me à frente do computador e comecei. Lenta, quase cautelosamente, meus dedos indicadores começaram a pressionar as teclas do computador. Não sabia ainda o que iria digitar, apenas sabia sobre o que desejava escrever. Na tela do Word lia-se uma frase incompleta: “Às vezes me sinto como se fosse um marciano”.

Pensativo, fiquei olhando o monitor, observando o cursor que pulsava no final da palavra “marciano”, como se o sinal intermitente fosse um convite para continuar ou uma expectativa da próxima ação, fazendo-me lembrar do comportamento do nosso Scooby, que ficava balançando ritmadamente a cauda enquanto olhava fixamente para mim, sem saber se teria ou não a atenção que procurava. Velho Scooby!

Achei essa comparação muito bizarra e me lembrei de que meu pai também datilografava seus textos esquisitos usando apenas dois dedos. Visualizei o velho batucando uma Remington cor de cobre comprada em um leilão. Tenho notado que, mesmo que o criticasse na época, estou cada vez mais parecido com ele. Continuei.

Às vezes me sinto como se fosse um marciano que por uma infelicidade qualquer foi degredado para a Terra, pois, cada vez mais, tenho sentido um não pertencimento à comunidade onde vivo.

(Hoje eu sei que isso não é culpa de ninguém, é apenas um misto de solidão existencial, de recusa de alguns padrões sociais estabelecidos ou, sei lá, até mesmo de frescura.)

Creio que isso surgiu ainda na infância, quando era rejeitado ou sofria bullying de vizinhos e colegas de escola. Talvez por uma invencível timidez, tinha dificuldade em criar laços de amizade mais consistentes, duradouros. Esse pode ser o motivo de ter tido vários “melhores amigos” ao longo da vida. Quando qualquer um se afastava geograficamente ou pelo surgimento de interesses não comuns, a amizade se rompia definitivamente, como aconteceu com o noivo de uma conhecida. Depois de me casar e essa moça terminar o noivado, meu amigo resolveu mexer com drogas. A partir daí, eu não suportava quando ia nos visitar. Sentava-se no chão, tentava passar a imagem de descolado, de doidão, mas eu só queria saber de minha mulher e de nosso filho. Não tinha mais saco para papos cabeça.

(Creio que herdei a timidez de meu pai. Um dia, contou-me ter sido chamado na juventude de “príncipe russo” por algumas moças, que teriam confundido sua timidez paralisante com esnobismo e altivez)

Essa sensação de deslocamento foi acentuada progressivamente, depois que resolvi beber menos e mais espaçadamente. Percebi ou tive a sensação de que meus conhecidos e parentes olhavam-me cada vez mais com estranhamento e alguma ironia, como se eu fosse um desmancha-prazeres e estivesse traindo suas certezas, estragando sua diversão, pelo simples fato de permanecer sóbrio em um ambiente de gente bêbada. Pudera!, afinal, como conviver com alguém que não fuma, não bebe, não gosta de picanha mal passada, não assiste nem entende de futebol e, pecado maior, não gosta de jogar conversa fora sentado em um barzinho da moda ou com os cotovelos lustrando o balcão de um botequim copo sujo? Só um estrangeiro teria um comportamento tão fora da curva!

(O maior susto que já tomei foi ouvir de um senhor que ele e meu pai, colegas de serviço, cansaram de fazer serenatas na época em que, por necessidade, meu pai começou a trabalhar no interior, vindo para casa só nos fins de semana. Será possível que o velho Odorêncio tinha tantas cartas escondidas na manga? Talvez fosse mais estrangeiro que eu. Afinal, tinha sido um “príncipe russo”!. O que conteria aquela papelada que guardava em uma caixa de camisa? Seus textos sempre foram tão estranhos e indigestos que, quando morreu, mandei jogar tudo fora sem pensar duas vezes. Deveria ter lido aquelas folhas datilografadas! Talvez esse assunto das serenatas, tão escondido, tivesse sido ali narrado. Mas, ele era tão irascível, de tão difícil convivência!)

Hoje, aborrece-me conversar com pessoas de minha faixa etária, pois não tenho nenhum interesse em comentar sobre futebol, incomodam-me os relatos de conquistas financeiras, a permanente certeza de terem sempre razão, as pílulas douradas que nada mais são que placebos. Ninguém lê nada que não seja futebol, ninguém se interessa por alguma cultura. Prefiro conversar com gente jovem de mente aberta, particularmente com meus filhos, tão cultos e engraçados como inteligentes e equilibrados. Mas é aí que a solidão mais se manifesta, pois, por mais que eu queira, não pertenço a esse grupo, a essa turma, sou como um estrangeiro que não fala a língua do país onde está. A diferença de idade é a verdadeira barreira, talvez a principal causa do “choque de gerações”.

Estava empolgado com as palavras que fluíam sem muito esforço quando minha mulher me chamou. Lembrou-me que eu precisava tomar banho e me aprontar para o baile de formatura de um sobrinho, pois seria aquela festa...

Sem alternativa, desliguei o computador e fui me arrumar. Comentei com ela que estava pensando em ir de taxi, pois queria comemorar a formatura em alto estilo: pretendia tomar o último porre de minha vida. Ela me olhou com ironia e um pouco de incredulidade, mas nada disse. E fomos nos divertir, sem nunca sonhar com a mudança radical que logo aconteceria em nossas vidas.


BIRRA DE MENINO

Vi um vídeo do ex-governador do Rio dando o maior piti ao ser transferido para o Hospital penitenciário de Bangu. Primeiro pensei que era coisa de criança, birra de menino mimado.

Depois, cheguei á conclusão de que ele tinha razão de reclamar. Afinal, ele é apenas um garotinho. Segundo a Wikipédia, "As crianças infratoras estão sujeitas a medidas de proteção e não podem ser internadas".

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

VOA, CANÁRIO!

Élcio, Elcinho, Canário ou Canarinho, qualquer desses nomes eram e serão sempre usados para chamar ou falar de um sujeito simples de hábitos, marrento de personalidade e divertidíssimo de comportamento, mas, paradoxalmente, bravo e irritadiço por conta de uma distimia que eu suspeito que tivesse e que provavelmente nunca imaginou ter. Era meu cunhado, compadre e irmão.

Podia ter (e tinha) zilhões de defeitos, mas sempre demonstrou gostar de minha mulher, a quem, pela diferença de idade, às vezes chamava de “mãe”, de mim, a quem às vezes chamava de “irmão”, e de nossos filhos e noras da forma mais escancarada e sincera, mais sem reservas, críticas ou ressalvas, mais do que qualquer um de seus irmãos.

Morreu hoje, em pleno feriado de 15 de novembro quando voltava da casa do sogro, depois de aquaplanar para debaixo de um caminhão, só para aumentar as estatísticas de acidentes na merecidamente chamada de “rodovia da morte. Logo ele, tão cauteloso e consciente dos perigos da BR-381, e só para nos deixar irremediavelmente tristes, desconsolados e órfãos de seus comentários engraçados e obscenos, só para que sintamos saudades de suas performances e danças hilárias nas festas da família, só para que todos sintamos infinita e incurável saudade dele.

Bom de bola, bom de briga, bom de farra e fanático pelo Atlético mineiro na juventude; bom de copo e bom de garfo (mandava bem na cozinha, com seus molhos consumidos no café da manhã), pai severo e exigente, era também solícito, turrão, amigo, bravo, generoso, irritante, engraçado e impaciente, as qualidades e defeitos alternando-se o tempo todo, mas permanentemente íntegro, sincero, solidário e amigo preocupado, capaz de, mesmo com um braço machucado e com o risco de repetir um abraço de afogados, ter conseguido salvar a vida de um companheiro de pescaria que se afogava, como ouvi recentemente do amigo a quem salvou.

Agora, livre da gota e da hipertensão, poderá fumar tranquilamente sem precisar fingir que tinha parado. Agora, livre de todas as amarras, de todos os problemas, de todas as preocupações, provavelmente chamará São Pedro para pescar em Três Marias ou para tomar umas cervejas (várias, aos tonéis, com a condição de que seja sempre Brahma) e jogar conversa fora, enquanto não começa o próximo jogo do Galo. 

Voa, Canário; voa livre, Canarinho!



terça-feira, 15 de novembro de 2016

AT LAST - EVA CASSIDY

Dia desses, minha mulher estava vendo um filme em um canal a cabo qualquer. Parece que o filme terminava com uma música que ela achou incrível. Depois de pesquisar um pouco, descobriu no Google/Youtube o nome da música e da intérprete. Aí me chamou para ouvir. Logo que começou a tocar eu já fiquei fascinado. Pois bem, a musiquinha de hoje é essa: At Last, interpretada no estilo voz e violão por Eva Cassidy, (que, infelizmente, já morreu), justamente a versão utilizada no filme. 

A curiosidade dessa música é que foi composta em 1941 para um filme cujo nome não guardei e interpretada por Glenn Miller. (Depois disso, teve várias versões, algumas bem recentes: Beyonce, Christina Aguilera, etc.). No Youtube encontram-se várias outras interpretações (todas ótimas), até mesmo nos X-Factor e The Voices de vários países (Portugal, Armênia, Holanda, USA, Inglaterra, etc.). E se é tão escolhida para isso é porque ela realmente é uma delícia de ouvir. Para mim, bem poderia ser mais uma "parceria com Deus", de tão bacana. Por isso, som na caixa!



Como sou meio obsessivo com algumas coisas, resolvi descolar mais alguns links, só para comparar estilos, vozes, etc. O primeiro deles é de Etta James, que faz a versão mais conhecida da música. Os outros dois correspondem à interpretação de dois candidatos ao X-Factor, ambas excelentes, sendo um dos Estados Unidos e o último (muito bizarro), da Inglaterra.







domingo, 13 de novembro de 2016

PALHAÇO!

Tenho andado com uma falta de assunto tão grande que estou me sentindo como aqueles robozinhos andando no solo marciano. Procuram algum sinal de vida, mas nada. Para compensar essa aridez de ideias, tenho postado piadas ou curiosidades que vejo no Facebook ou links de músicas que eu curto. Mas, assunto interessante mesmo que é bom, neres de pitibiriba (essa maluquice é uma "homenagem" ao Marreta, que se divertiu quando usei a palavra "supimpa").

A questão é que me sinto profundamente ridículo quando tento escrever alguma coisa mais séria, especialmente se o assunto for política. Considero-me despreparado, ignorante, superficial, acho que o resultado é risível, deplorável ou irrelevante. A mesma coisa acontece quando tento entrar no terreno da ficção ou da poesia. Não sei, acho que não tenho imaginação suficiente para criar alguma coisa do nada. Sempre acredito estar trombando com a gramática, com o estilo, às vezes resvalando para a vulgaridade gratuita ou para a repetição de alguma ideia que alguém já teve antes e desenvolveu com mais elegância e melhor.

Pois bem, como não estou a fim de divulgar post com música, sou obrigado a falar mal de mim mesmo, simultaneamente o boneco de Judas e ator principal do blog. Não que eu esteja forçando muito a barra, pois estava realmente pensando sobre isso outro dia. Mais especificamente, sobre minha predileção por tentar fazer humor, por me fazer de ridículo. Esse comportamento surgiu na adolescência, ficou meio amortecido na fase adulta produtiva e pegou um embalo depois de me aposentar. 

Para tentar entender o que me levou a isso, só voltando um pouquinho no tempo. Mas como estou sem paciência para escrever tudo de novo (minha cabeça está em outro texto), vou me citar outra vez, transcrevendo trechos do post "A Praxe dos Imbecis"
 (Walter Ego, já viu, não?): Vamos lá:

"(...) Esse tipo de acontecimento acabou provocando a revelação: eu não era o mais bonito do mundo, ou melhor, eu era feio pra cacete. Magrelo, cabelo anelado, orelhas desniveladas, narigudo, uma perna torta como um parêntese, sem queixo e mais alguns detalhes eventualmente esquecidos. Em resumo, uma bosta.
Eu não sabia jogar futebol, era pobre, tímido, reprimido, medroso e inseguro (sempre!). Com isso, minha autoestima já não era lá essas coisas. Agora descobrir também que eu era feio e sem atrativos em plena adolescência, que é a época mais insegura da vida, era demais. Só havia um caminho: criar um diferencial que me destacasse. Ou pular de um edifício. Como isso nunca me ocorreu, sobrava a mudança. É óbvio que essas coisas fluíram meio inconscientemente, na base do instinto de sobrevivência.
Eu poderia escolher entre ser intelectual, “alternativo” ou “legal” (“bonzinho”, simpático ou apalhaçado). Acabei optando por tentar ser (ou fingir ser) as três coisas. É óbvio que eu não tinha consciência clara disso na época. Além do mais, esses comportamentos foram sendo adotados progressivamente, como quem veste uma armadura medieval ou uma roupa de astronauta. A função era a mesma: proteger-me do desconforto ou da dor de não me sentir amado. Ou melhor, de não ter o ferramental necessário para ser amado fora do âmbito familiar".

Eu sempre fui muito tímido, mas descobri que ter o controle dos meus atos me deixava muito à vontade para fazer qualquer tipo de idiotice. Mas, volto a repetir, essa desinibição só acontecia quando eu estava no controle. Talvez por isso eu sempre gostei de falar mal de mim mesmo, de me depreciar, de ser o mais escandalosamente ridículo possível. E talvez aí esteja a chave desta história.

Dentre as "personas" que citei antes - "intelectual", "alternativo" (ou bicho-grilo), "gente boa" ("bonzinho") e "palhaço", confesso que hoje a que mais curto é justamente a última, pois o palhaço (citando a Wikipédia) é "o próprio ator expondo-se, mostrando sua ingenuidade. Na busca desse estado, o ator não busca construir um personagem, mas sim encontrar essas energias próprias, tentando transforma-las em seu corpo". Curiosamente, caiu bem nisso a ideia de "ator", não mais como o profissional, mas como protagonista de uma situação ou como aquele que detém o controle de sua atitude.

Essa preferência talvez indique minha zona de conforto, mas o fato é que sempre curti demais a figura do “bobo da corte”, o sujeito que faz críticas como se estivesse fazendo graça, o maluco que diz que o “rei está nu” e ainda passa a mão na bunda dele.

Minha mulher já me criticou várias vezes por eu ser capaz de dizer as maiores barbaridades para alguém, mas de forma caricata, sempre sorridente, esperando que a pessoa não reaja. Realmente espero mesmo, ainda que saiba que estou sempre “cutucando uma onça com vara curta”. Porque, sinceramente, não tenho paciência para egos gigantescos (não aceito concorrência), mediocridades vaidosas, “reis do pedaço”, ufanistas e todo tipo de gente que se vangloria demais para parecer ter ou ser mais do que realmente é ou tem. Nessas horas, o “download” do bobo da corte é imediato. E minha mulher me recrimina depois:
- “Você acha que por estar sorrindo pode dizer qualquer coisa, mas está só ofendendo as pessoas!” Intimamente, fico feliz com isso, pois essa é mesmo a ideia, a de instalar um espelho na frente do “rei”.

Mas sei também que isso só reforça minha tendência ao isolamento, só aumenta a percepção de não pertencer ao grupo de pessoas com quem convivo, de ser um estrangeiro na minha própria comunidade. Afinal, quem valoriza pessoas que tem a mania e habilidade (que não é o meu caso) de fazer comentários ferinos, ácidos e engraçadíssimos, pessoas como os inteligentíssimos e satíricos Juca Chaves, Falcão e Roger Moreira?

A massa ainda comerá o biscoito fino que fabrico”, era a esperança de Oswald de Andrade, mas, quem presta atenção em um bobo da corte? Ironia, sarcasmo, cinismo e humor crítico talvez sejam “biscoitos finos” demais para a maioria das pessoas.

Bem, esse era o recado que eu queria deixar. Como disse no início deste texto, sinto-me ridículo quando tento escrever alguma coisa sobre temas mais sérios e não tenho imaginação suficiente para navegar com segurança pela poesia e ficção. Assim, para não bater no gigantesco iceberg da minha própria incompetência, resta ao Blogson remar sua canoinha na direção da margem tranquila da mediocridade e irrelevância, lugar ideal para a criação de piadinhas sem graça e de comentários ridículos. 

Mesmo que eu deseje produzir biscoitos finos, faltam-me os ingredientes e o equipamento para bem assá-los. Resta-me vestir uma roupa de bobo da corte, de uma corte inexistente e fingir que estou sendo engraçado, em vez de apenas patético.

Depois de ler essa colcha de retalho sem inspiração, os leitores que tropeçam neste blog poderão dizer com pena e algum desprezo:
- “Palhaço!...” E a razão estará com eles.

DESIDERATA - ANÔNIMO

Eu devia ter uns dezessete, dezoito anos quando li o texto a seguir no jornal “O Estado de Minas”. Até onde me lembro, fazia parte de alguma publicidade. Gostei tanto que recortei o a página e guardei o texto em um baú de tralhas diversas. O texto explicativo mencionava tratar-se de um documento do século 17, encontrado em um mosteiro ou sei lá onde. Pois bem, recentemente ouvi dizer que seria na verdade um poema escrito no início do século 20, incluído por engano em uma compilação de textos religiosos antigos.

Essa curiosidade, mais o fato de que estou às voltas com um texto meio amalucado, mistura de ficção com delírios pessoais (também pode ser ficção), fez com que eu resolvesse postá-lo no Blogson, para que os 2,3 leitores, pela falta de material novo, não acabem por se transformar em apenas 0,3. Vêaí


Vá placidamente por entre o barulho e a pressa e lembre-se da paz que pode haver no silêncio.
Tanto quanto possível, sem sacrificar seus princípios, conviva bem com todas as pessoas.
Diga a sua verdade calma e claramente e ouça os outros, mesmo os estúpidos e ignorantes, pois eles também têm sua história. Evite as pessoas vulgares e agressivas, elas são um tormento para o espírito.
Se você se comparar aos outros, pode tornar-se vaidoso ou amargo, porque sempre existirão pessoas superiores e inferiores a você.
Usufrua suas conquistas, assim como seus planos. Manter-se interessado em sua própria carreira, mesmo que humilde, é um bem verdadeiro na sorte incerta dos tempos.
Tenha cautela em seus negócios, pois o mundo é cheio de artifícios, mas não deixe isso te cegar à virtude que existe. Muitos lutam por ideais nobres e por toda parte a vida é cheia de heroísmo.
Seja você mesmo. Sobretudo, não finja afeições.
Não seja cínico sobre o amor, porque, apesar de toda aridez e desencantamento, ele é tão perene quanto a relva.
Aceite gentilmente o conselho dos anos, renunciando com benevolência às coisas da juventude.
Alimente a força do espírito para ter proteção em um súbito infortúnio. Mas não se torture com temores imaginários. Muitos medos nascem da solidão e do cansaço.
Adote uma disciplina sadia, mas não seja exigente demais. Seja gentil consigo mesmo.
Você é filho do Universo, assim como as árvores e as estrelas
Você é filho do Universo, assim como as árvores e as estrelas. Você tem o direito de estar aqui.
E mesmo que não lhe pareça claro, o Universo, com certeza, está evoluindo como deveria.
Portanto, esteja em paz com Deus, não importa como você O conceba.
E, quaisquer que sejam as suas lutas e aspirações no ruidoso tumulto da vida, mantenha a paz em sua alma.
Apesar de todas as falsidades, maldades e sonhos desfeitos, este ainda é um belo mundo. Alegre-se. Empenhe-se em ser feliz!


ESTRELA DE BELÉM

  Na música “Ouro de Tolo” o Raul Seixas cantou estes versos: “Ah! Mas que sujeito chato sou eu que não acha nada engraçado. Macaco, praia, ...