Naquele dia, demorei-me um pouco mais na
cama, pois estava sentindo os efeitos da bebedeira da noite anterior. Abri um
dos olhos e tentei enxergar que horas eram. Não tinha nada especial para fazer, mas a
manhã já ia longe.
Seguindo a rotina recomendada pelo
cardiologista, sentei-me na beira da cama por alguns minutos – “para equilibrar a circulação sanguínea”,
segundo ele. Calcei os chinelos e fui ao banheiro. Olhei-me no espelho e me
assustei com meu reflexo. “Que cara
amarrotada!”, pensei. “Você não devia
ter bebido tanto assim!”. Olhando-me no espelho, em voz alta, repeti com
fingida severidade:
- Nie
powinien był tak pijany!
Espantei-me com o resmungo que saiu de minha
boca, lavei o rosto, pigarreei, bebi um gole de água e repeti:
- Nie
powinien był tak pijany!
Assustado, percebi que tinha empalidecido um
pouco. “Que está acontecendo comigo?”,
pensei, repetindo em voz alta:
-Co się ze mną dzieje?
Comecei a entrar em pânico e saí do banheiro chamando
por minha mulher:
-
Miłość!
Não era “Amor!”
o que eu acabara de gritar. Aliás, eu não entendia nada do que saia de minha
boca. Encontramo-nos no meio da casa, segurei-a pelos braços, completamente
aterrorizado e lhe disse:
- Nie
wiem, co się ze mną dzieje!
- Pára
com isso, não vê que eu estou ocupada? Só pensa em brincar!
Tentei dizer que não estava brincando com
ela:
- Nie
gram z wami!
Corri até o escritório, peguei uma folha de
papel e escrevi: “Leve-me ao hospital,
pelo amor de Deus!”. No papel, em letras trêmulas estava escrito:
“Zabierz
mnie do szpitala, na litość boską!”
Com o coração latejando no pescoço e com os
olhos arregalados, tentei de novo escrever:
“Devo estar tendo um AVC, chame os meninos, chame um taxi!”
Mas na
folha estava escrito “Muszę być udar zadzwonić chłopców, wezwać taksówkę!”
Minha mulher deu-se conta da gravidade da
situação, chamou o SAMU, trocou rapidamente de roupa e pegou a carteira do
convênio médico. Só quando chegamos ao hospital é que se lembrou de ligar para
nossos filhos. E eu estava ali, ainda de pijama.
Fui atendido por cardiologista, neurologista,
fonoaudiólogo e clínico geral, fui examinado, apalpado, revirado, medicado, fiz
raio X, ressonância magnética, tomografia, eletroencefalograma, exame de
sangue, fiquei em observação, tomei soro na veia e tudo o mais que foi
imaginado pela equipe médica. Sem sacanagem, só faltaram examinar minha próstata!
Como os resultados não indicaram nenhuma
anormalidade, um geriatra aventou a possibilidade de estar tendo um surto de
demência transitória. Mais alguns testes e nada. Resolveram que deveria voltar
para casa, ficar em repouso e procurar a ajuda de um psicólogo.
A notícia se espalhou pela família e
arredores. Recebi a visita de primos, sobrinhos, vizinhos, amigos, ex-colegas e
dos filhos, que diariamente passavam por aqui, sempre com a esperança de que
tudo tivesse voltado ao normal. Alguns falavam comigo em tom mais alto de voz,
como se eu estivesse surdo. Os mais inoportunos pediam que eu falasse
palavrões, o que acabei fazendo com prazer, pois mandava todo mundo tomar no cu
com um sorriso de vingança na boca. Chamei de “corno”, “viado” e “puta”
todos aqueles idiotas, falei que suas mães estavam na zona, fiz “discurso” e
disse àqueles manés e piranhas todo tipo de safadezas e putarias que essa
língua desconhecida me permitia dizer. Cheguei até a pensar em cobrar ingresso,
de tanta aporrinhação e encheção de saco, mas me diverti pra caramba.
Os mais preocupados resolveram levar-me para
fazer “tratamentos” alternativos. Como sou católico, a igreja do meu bairro foi
minha primeira parada. Alguém até sugeriu que eu falava línguas estranhas. Fui abençoado e aspergido com água benta. Nada.
Um vizinho, pastor evangélico afirmando ter
certeza que eu estava possuído por Satanás, rebocou-me até sua igreja, onde,
segurando minha cabeça entre as mãos, começou a gritar:
- Sai,
Satanás, eu te ordeno que saias, eu determino que abandones o corpo e a mente
desse filho de Deus!
Sacudiu-me tanto que quase o mandei à puta
que pariu. E só não fiz isso porque sabia que aquela maluquice aumentaria ainda
mais.
Outros me disseram que eu estava com encosto
e fui levado a centro espírita e terreiro de umbanda, cada vez mais puto,
sempre rebocado por algum bem-intencionado. Tomei passes, banhos, bebi líquidos
estranhos (energizados), tudo com resultado obviamente nulo.
Procuramos uma psicóloga conceituada e amiga da família que, depois de alguns testes e na impossibilidade de estabelecer um diálogo normal comigo, sugeriu que eu poderia estar sendo vítima de um surto psicótico, desencadeado talvez pelo porre homérico que tinha tomado ou por um quadro de depressão. Esclareceu que uma crise como essa pode ocorrer “em pessoas de personalidade sensível, que sempre foram tímidas e quietas”. Nesse caso, sugeria que eu consultasse um psiquiatra para iniciar um tratamento medicamentoso com antipsicóticos.
Procuramos uma psicóloga conceituada e amiga da família que, depois de alguns testes e na impossibilidade de estabelecer um diálogo normal comigo, sugeriu que eu poderia estar sendo vítima de um surto psicótico, desencadeado talvez pelo porre homérico que tinha tomado ou por um quadro de depressão. Esclareceu que uma crise como essa pode ocorrer “em pessoas de personalidade sensível, que sempre foram tímidas e quietas”. Nesse caso, sugeria que eu consultasse um psiquiatra para iniciar um tratamento medicamentoso com antipsicóticos.
É de se rir de chorar. A série é muito boa, JB. Aguardando os novos capítulos.
ResponderExcluir"J"
Só sairá mais um (1/3, 2/3 e tcharã! 3/3). Estou dando a polida final. Deverá sair ainda hoje (talvez!)
ExcluirTcharã uma p... Pode tratar de espremer essa laranja da terra murcha aí. Kkk
Excluir"J"