terça-feira, 8 de novembro de 2016

NÓS, OS LÊMINGUES

Quando eu e meu irmão éramos crianças, nossa mãe nos levava uma vez por mês a uma matinê do Cine Tupi que acontecia na parte da manhã (onze horas, se não me engano). Em uma dessas eu vi um filme sobre vida selvagem, produzido pela Disney. Creio que o título era "Maravilhas da Natureza" e era composto por pequenos documentários que mostravam animais que nem sonhava existir. Um deles ficou marcado na minha mente. Como disse o Drummond, "nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas".

O filme mostrava o comportamento dos lêmingues (ou lemingues), bichinhos da região ártica parecidos com porquinhos-da-Índia, iniciando uma migração. Essa movimentação toda seria provocada pela superpopulação, associada à crescente falta de alimento. Os bichinhos saiam em corrida desabalada e iam aos poucos se agrupando em bandos com centenas deles, que continuavam a correr, em direção ao mar. Chegando à borda dos penhascos, acabavam atirando-se lá de cima. Uns morriam já na queda, outros iam nadando, nadando, até se afogar. Como criança não liga muito para sentimentos, não senti horror nem pena dos animaizinhos. Eu tinha uns nove, dez anos e só fiquei impressionado e surpreso com esse comportamento suicida. 

Só recentemente descobri a verdade: as migrações devidas à superpopulação e à escassez de alimentos ocorrem realmente; pode acontecer que o tumulto do deslocamento provoque alguma queda ou eventual afogamento , mas os lêmingues não se suicidam. Os do filme foram atirados ao mar pela equipe de filmagem (there's no business like show business!). Aqui entra a pergunta: por que estou me lembrando disso?

Pois bem, eu acredito que não estamos distantes do momento em que teremos comportamento parecido. Pode ser paranoia, maluquice ou início de demência, mas perdi totalmente a fé no futuro da humanidade. Pelo menos, em um futuro não hostil. E a causa é a superpopulação associada ao aquecimento global, às mudanças climáticas, à extinção das espécies, à escassez crescente de água potável e a todo tipo de mazelas que podem ser observadas hoje em dia.

Segundo eu li, graças a um comportamento de deixar coelho morto de inveja, os lêmingues atingem o auge da explosão populacional a cada quatro anos. Como não plantam nem colhem, não fiam nem tecem (não resisti), vêem-se impelidos a migrar. Com a espécie humana acontece o oposto, pois plantamos e colhemos, fiamos e tecemos. Mas não temos para onde migrar! E aí, fico pensando que todos os livros e filmes já escritos e realizados sobre o fim da espécie humana são (ou foram) apenas premonitórios.

Outro dia escrevi um texto sobre a superpopulação e o desperdício de alimentos, mas achei que estava incompleto e muito ruim (o que não é novidade neste blog). Por isso, resolvi aproveitá-lo como complemento e comentário do meu pessimismo em relação à sobrevivência da espécie humana. Falando sobre isso com um dos filhos, disse-lhe que por mais que eu deseje ter netos, acho isso extremamente injusto e egoísta de minha parte, pois o futuro onde viverão será trágico. Para me consolar e me fazer desencanar, meu filho respondeu: - "preocupa não, quem vai se foder são eles". Achei graça, mas a angústia pelo que virá só tende a aumentar.

Para encerrar este post insosso e inacabado, apenas acrescento que talvez essa sensação esteja inconscientemente relacionada à percepção da minha própria finitude. Pode ser isso e espero mesmo que seja. Afinal, como já disse antes, o Blogson é uma especie de auto-terapia para mim, pois é aqui que eu exponho meus grilos, preconceitos, minha raiva, impaciência e meus medos, medos, medos... 

3 comentários:

  1. Sabe o que me impressiona? Essa capacidade de argumentação pessoal que o ser humano tem e não faz uso. Gostei muito do título, fiquei pensando... "Medos, medos, medos" Outra dia estive analisando, teorizando sobre acasos, possibilidades, sincronizacões, a universalidade do tempo diante do espaço. Essa tríade sempre me intriga: tempo, velocidade e espaço. Se nossas possíveis decisões afetam de fato o que somos aqui nesse momento, o que poderíamos ter sido e até como fomos, uma vez que o éramos às vezes depende de como nos lembramos ou nos vemos. E o tempo que demoramos, e o tempo que não para que só parece ter par quando falamos de um universo infinito. Assim parecemos muito mais com estrelas, mínimas diante do contexto sideral. Parecemos muito mais com um brilho qualquer na noite escura, não de um lêmingue sem autocomiseracão - que a natureza é justa não nutre esse tipo de sentimento- mas de um vagalume que talvez buscasse sincronizar/se fazer entender pelo bando. Só que a mensagem e tudo isso já não importam como o brilho estelar sabe se lá quanto tempo já se passou.
    "J"

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    1. Faltam-me “engenho e arte” para responder adequada e consistentemente ao que comentou. A capacidade de formular raciocínios sofisticados ou teorias mirabolantes pressupõe um domínio vocabular que confesso não ter. Mesmo assim, até como agradecimento por seus sempre bem-vindos comentários, vou tentar divagar um pouco, ainda que possa me perder de sua linha de pensamento. Bora lá, com toda cautela e paciência.
      Antes, preciso esclarecer uma dúvida: quando você fala “Sabe o que me impressiona? Essa capacidade de argumentação pessoal que o ser humano tem e não faz uso”, está se referindo a mim e ao texto? Fiquei confuso.
      Quando li (e reli e reli e reli) seu comentário, especialmente quando diz que “Se nossas possíveis decisões afetam de fato o que somos aqui nesse momento, o que poderíamos ter sido e até como fomos, uma vez que o éramos às vezes depende de como nos lembramos ou nos vemos” me veio à mente um texto antigo com o título “Matrix”, que divulguei quando o Blogson ainda não tinha completado um mês. Dele eu extraí esses trechos:
      “Há muito tempo, fiz um curso de pós-graduação do qual aproveitei (...) uma frase que li em uma apostila(...): ‘A quantidade de informações processadas (...) está diretamente relacionada à capacidade de processá-las’.(...) Por exemplo: de que serviria um livro de física para uma criança recém-alfabetizada? (...) penso que em maior ou menor grau, vivemos todos em uma “matrix”, só que personalizada, única, de acordo com nossa inteligência, lucidez, conhecimento e – por que não? – humildade.
      Porque na prática, não conhecemos nada da Realidade (com maiúscula) que nos cerca. Mal e mal conseguimos apenas ver e perceber pedaços ou partes dessa Realidade.”
      Para mim, o que vemos e o que lembramos está intimamente relacionado à nossa maior ou menor capacidade de processar as informações que temos à disposição, sejam elas memórias, o mundo à nossa frente, a vida, enfim. Uma coisa é patente: temos uma visão fragmentada e parcial da Realidade. Quanto à sincronicidade, eu a vejo como aquela história da afinação do violão: não reverberamos tudo o que recebemos, apenas o que está em total sintonia com o que somos e pensamos. Talvez sejamos como uma orquestra de vagalumes “afinando os instrumentos” antes da apresentação.

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    2. Interessante, respondendo foi uma referência elogiosa aos dois mesmo e que por sua vez cabe ao seu comentário. Mirabolante é bem isso mesmo. Gostei da analogia com música me fez pensar na tal "blue note", nem sim, nem não, um assimétrico e sem igual talvez.
      " J"

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