domingo, 15 de maio de 2016

GARIMPANDO VINIL

Já devo ter falado isso antes, mas vou repetir (se for esse o caso). Na casa de minha avó, onde morei até me casar, havia uma radiola, que combinava rádio e toca-discos no mesmo móvel, feito de madeira, etc. Essa "maravilha" só tocava discos de 78 rpm, que era o padrão existente. Pelo tamanho (uns 25 a 30 cm de diâmetro) e pela rotação elevada, só cabiam duas músicas em cada um. Só fui ter contato.com o LP já na adolescência, quando acompanhava minha mãe até a casa de Tia Ci, sua irmã rica, para quem costurava. Esses discos, creio, pertenciam a meus primos.

O bacana da história é que as capas dos discos de vinil traziam foto dos intérpretes, imagens e textos, ao contrário das que eram utilizadas para os 78 rpm, que não passavam de envelopes de papel pardo com um furo de diâmetro igual ao selo colado no disco. Mas vamos agora avançar no tempo, quando já estava com vinte anos ou mais. 

A partir dessa época, já trabalhando, comecei a comprar discos. Mas, por um permanente desejo de ser diferente da manada, por uma vocação genética para ser o "estranho no ninho", gostava de garimpar discos de intérpretes de quem só tinha ouvido falar, frequentemente conhecidos só por "iniciados", por gente descolada e alternativa. Às vezes comprava o que acabara de ser lançado, mas o grande barato mesmo era encarar as bancas de saldo que ficavam na entrada das lojas de discos.

A minha preferida era a "Rei do Disco", loja grande que ficava em uma área um pouco mais periférica do centrão de BH. À esquerda e à direita da entrada, enfileiravam-se bancas lotadas de discos, com os preços aumentando na direção do fundo da loja, onde ficava o caixa e balcão de atendimento.

Quando estava com tempo e dinheiro (eu sempre estava com tempo), olhava tudo, de cabo a rabo, operação que poderia gastar pelo menos uma hora e de onde saia com as pontas dos dedos pretas do pó de asfalto lentamente depositado naquele lixão, pois a maioria era formada de LPs que ninguém comprava e, por isso, vendidos a preço de banana. E não vendiam ou por estar com a capa rasgada ou descolada ou por serem muito ruins, estranhos ou alternativos. 

Dessa forma, comprei um disco que teria vendido só umas quinhentas unidades ao ser lançado, segundo disse Raul Seixas, em entrevista para o Pasquim. O disco era “A Sociedade da Grã Ordem...” e teria sido motivo de uma ferrada na direção da filial brasileira da gravadora. Eu achei esse disco! Depois que o maluco beleza fez sucesso, esse disco feito em parceria com Miriam Batucada, Sérgio Sampaio e Edy Star foi relançado e aí já foram "outros quinhentos".

Nessa mesma linha, comprei um pouco conhecido Milton Nascimento (antes do Clube da Esquina), me arrependi de não ter comprado um disco alternativo gravado por três integrantes dos Stones e alguns amigos (“Jamming with Edward”), comprei uns dez vinis em uma lojinha fuleira que ficava na rua de acesso ao Cemitério do Bonfim, em plena zona. Esse é um bom caso de contar antes de voltar para a trilha principal.

Quando meu sogro morreu vítima de câncer, minha mulher ficou emocionalmente devastada, inconsolável. Durante mais de um ano, íamos toda semana ao cemitério; levávamos flores, rezávamos e ela chorava muito. Mas o tempo foi passando devagarinho e, mesmo que a dor não diminuísse, foi sendo domada e aceita. Um dia, meses depois dessa rotina ter-se instalado, resolvemos parar na tal lojinha de discos. Apesar de ser domingo, estava aberta (sinal do grande empreendedorismo do proprietário). Meio cabreiros (pois a região ainda abrigava alguns bordéis), começamos a olhar as bancas de saldo. A lógica disso era simples: o disco que vende na zona é lixo na zona... sul. E vice-versa. E fomos separando o que nos interessava: Barry White, The Platters, "A voz do "Morro", grupo que tinha como integrante um Paulinho da Viola novinho pra caramba (disco de 1965) e mais alguns de que não me lembro.

Mas um despertou mais minha curiosidade. A capa trazia a foto de um bosque ou floresta e o título "Old Time Religion". Logo abaixo, a indicação "country gospel". Como tenho sensores para o assunto "religião", já fiquei ligado. Ainda mais com a referência a "country", uma música alegre e acelerada que, misturada com o blues, fez surgir o rock and roll. Perguntei ao "empresário" se podia ouvir, só para ver o estilo. Claro que poderia, pois ele já estava felizão por um casal de manés ajudá-lo a se ver livre do lixo que já tínhamos separado. E seguiu-se esse pequeno diálogo:
- "O senhor vai gostar muito. É uma música muito suave!" Com vontade de rir, respondi:
- "Eu imagino!" E o que se fez ouvir foi um country pauleira cantado por um sujeito com voz de barítono ("Gimme that old time religion, gimme that old time religion..."). A cara de espanto do lojista me fez comprar o disco. Às vezes, cagando de rir, contava esse caso para alguém e punha essa introdução para tocar. Mas só a introdução, pois logo tirava o disco (que nunca ouvi na íntegra). Hoje, no Mercado Livre, está cotado a 37 pratas.

Para finalizar este post de baixíssima rotação, lembro o caso que me fez começar a escrever este texto. Minha mulher amava a dupla Simon and Garfunkel, já separada nessa ocasião. Embora excelentes, esses dois não davam muito ibope nesta terra de samba e música brega "romântica". Seguindo a linha de raciocínio já exposta (o disco que vende na zona...), parti para a periferia do centrão, perto da Praça da Estação. Encontrei uma lojinha minúscula e perguntei se tinham disco da dupla. O único vendedor disse que não, mas tinha um disco solo do Paul Simon. Comprei na hora. E o disco é excelente, mas tem um pequeno detalhe: ao tirar a etiqueta da loja, descobri que tinha adquirido um "exemplar invendável", tal como estava carimbado no selo. O filho da puta do lojista vendia discos promocionais! 

Mas, independente disso, fiz outra descoberta, essa sim, fantástica: uma das bancas de saldo estava cheia de disquinhos de 10 polegadas, tamanho utilizado nos primeiros LPs (o tamanho que se consagrou tem 12 polegadas). Comecei a fuçar aquele lixo com o maior interesse, mas só havia tranqueira: cantores e cantoras com penteado e roupas fora de moda e totalmente desconhecidos, discos com músicas do carnaval de 1963 ou coisa parecida. Lixo puro, enfim. Até que, no finalzinho da banca, descobri dois discos do Dick Farney, só instrumentais e com cara de antigos pra burro. Como tinha um colega que era fanático por esse cantor, comprei logo dois de cada (a preço de hoje deveriam custar uns cinco reais). Fiquei com dois e mandei por malote os outros dois para Curitiba, onde esse sujeito estava trabalhando. Não me lembro se obtive resposta nem se chegaram inteiros ou se os recebeu. Não importa. O que sei é que em um deles existem duas gravações lindíssimas de duas músicas excelentes. Valeu a pena. 


Para quem curte capas de discos (as dos vinis são as melhores), fiz uma compilação das capas dos discos mencionados. É isso.

3 comentários:

  1. A sociedade da grã-ordem kavernista, eu tenho, consegui num sebo quando eu tinha uns 20 e poucos anos; tenho também o Dick Farney Trio - uma preciosidade -, esse eu "surrupiei" da avó de uma ex-namorada minha.
    Belas lembranças, JB, belas lembranças.
    Será que esses meninos de hoje, quando tiverem seus 50, 60 anos, vão se lembrar de Luan Santana, de McGuimé, Anita etc? Duvido.

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    1. Obrigado, Marreta. Concordo com você. A propósito do Dick Farney, a música "Alguém como tu" seria (talvez) uma boa pedida para a seção "Todo castigo...". E Então?

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    2. Sem dúvida que seria, mas ando meio desanimado com o blog ultimamente, não ando tendo mais ideias,e quando as tenho, fico com uma puta preguiça de escrevê-la. Deixe o ânimo voltar.

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