Embora goste muito de poesia, devo confessar
minha imensa ignorância sobre o assunto. Por exemplo, quase nada sei (mas é
nada mesmo) sobre Manoel Bandeira. Apesar disso, a reverência hoje é para ele. E
poema escolhido é “Profundamente”.
Foi só quando comecei a ler “Baú de Ossos”, de Pedro Nava, é que tomei conhecimento dessa poesia, que serve como preâmbulo, como mote para esse incrível livro. Como o assunto “memória” mexe muito comigo, bastou ler para virar fã eterno dos dois escritores. E se o Manoel Bandeira tivesse escrito apenas esse poema, já teria direito de entrar em qualquer antologia que se fizesse. Olha só que beleza:
Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas
luzes de Bengala
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras
acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem
risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras
acesas?
— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.
Quando eu tinha seis
anos
Não pude ver o fim da
festa de São João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.09/07/2014
Jotabê,
ResponderExcluirMas como não conhecia
o fantástico Manuel Bandeira?
Grande homem poeta que permeia
minha historia:
Esse eu levei pro Teatro, como
Diretora Teatral
Os Sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
— “Meu pai foi à guerra!”
— “Não foi!” — “Foi!” — “Não foil!?.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — “Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia
Mas há artes poéticas...”
Urra o sapo-boi:
— “Meu pai foi rei” — “Foi!”
— “Não foi!” — “Foi” —*“Não foi!”.
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
— “A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo.”
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
— “Sei!” — “Não sabe!” — “Sabel”.
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo cururu
Da beira do rio...
1918
E esse eu vivo no meu dia a dia:
Vou-me embora pra Pasárgada [Manuel Bandeira]
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Libertinagem (1930)
Bjins
CatiahôAlc.
Uma coisa é conhecer ou saber da existência do autor, outra é já ter lido sua obra. Este poema foi originalmente publicado em 2014.
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