Minha avó morreu demente, encolhida e
incomunicável como um bebê de 74 anos. Disseram na época que era
“arteriosclerose”. Sua irmã rica e gorda (além de chata) também morreu demente.
Minha mãe, pobre e magra, idem. Ontem, para meu total espanto, fiquei sabendo
que uma de minhas primas, sete anos mais nova que eu, está com sinais de
demência. Uma de minhas tias também está com Alzheimer.
E para finalizar, li há algum tempo que uma
das indicações de que alguém pode estar na fase inicial dessa doença é o fato
de estar escrevendo de forma diferente à que estava acostumado. Que posso
dizer? Estou achando muito esquisitos os textos que tenho escrito ultimamente.
A solução será repetir a piada que inventei: vou começar a estudar alemão. Para
quê? Para falar com o Alzheimer, oras!
Deve ser por isso que tenho tido sonhos e
pesadelos cada vez mais delirantes (sono de má qualidade pode ser outra opção).
Pelo sim, pelo não, vamos à utopia distópica “pesadelada” outro dia (que
noite!). Bora lá.
Para começar, não esperem coerência ou lógica
no texto, porque sonhos e pesadelos podem ter tudo, menos coerência e lógica.
Por isso, não sei como tudo começou. Para ajudar a destrinchar o pesadelo
imaginarei que a Terra atingiu níveis alarmantes de poluição atmosférica,
extinção de espécies animais e vegetais icônicas, aumento insuportável da
temperatura, ocorrência cada vez maior e mais catastrófica de chuvas e
enchentes diluvianas, incêndios de proporções ribeirão-pretanas, desertificação de áreas, destruição de ecossistemas,
aumento do nível do mar e todo tipo de tragédias que os chatos dos cientistas e
ambientalistas se cansaram de prever.
O bicho estava pegando muito. Imagino que
mesmo contrariados em sua vaidade, megalomania, empáfia, arrogância e crença irracional na própria infalibilidade, os diversos líderes do mundo decidiram se
reunir para achar uma solução para o planeta-caos, pois, se assim não o
fizessem, acabariam não tendo a quem, onde nem o que governar. Melhor dar dois
dedos das mãos (um só não resolveria) que perder a mão de comando.
Para começar, convocaram/imploraram para que
cientistas de várias especialidades os ajudassem na criação de um SUSP, um Sistema
Unificado de Saúde Planetária.
E o que os cientistas, historiadores,
economistas, o pessoal de TI, os biólogos e todo tipo de gente que perde seu
tempo estudando, pesquisando e buscando conhecimento (quando poderiam estar
discursando em um palanque ou bebendo cerveja e cantando música sertaneja) propuseram foi uma
solução antiga, surgida na Inglaterra séculos antes do aparecimento dos
Beatles, quando se definiu que o rei reina, mas não governa.
Para que aquela solução aparentemente
anacrônica fosse digerida por todos (inclusive e principalmente os populistas, os ditadores e
reinventores da roda), os publicitários foram acionados. E a tradução que
fizeram da proposta da comunidade científica foi que tudo continuasse como dantes no quartel de Abrantes (quem
ou o que é o Abrantes?), com uma única exceção: as macro-decisões seriam
tomadas por um exército (não militarizado) de algoritmos, softwares de ultimíssima
geração e inteligências artificiais auto-alimentáveis, com enfoque apenas no melhor
custo-benefício de cada decisão tomada. Inteligências artificiais inteligentíssimas,
imunes a racismo, homofobia, intolerância religiosa, ideologia e preconceitos e
superstições diversas.
Cada líder político poderia continuar a fazer
o que gostasse, mas agora monitorado de perto por softwares cada vez mais
inteligentes e independentes, abrigados e protegidos na inexpugnável Fortaleza da Solidão (tá lembrando que
estou narrando um pesadelo, certo? Continuemos).
Ao saber que não perderiam os eleitores, a
boquinha, a pose e as mordomias tão intensamente desejadas, os líderes mundiais
relaxaram e concordaram em dar o start no projeto. E assim foi feito. (Neste
ponto é que começa mesmo a descrição do pesadelo real que eu tive).
Mesmo tendo assistido Matrix, as novas IAs criadas resolveram ser uma espécie de divindades do bem,
divindades protetoras dos dez bilhões de pessoas (já eram dez) esfomeadas,
apavoradas, doentes e desesperançadas que estavam vivendo no planeta-caos em
que a Terra tinha se transformado. Mas isso era inviável, por conflitar com a
cada vez maior escassez dos recursos naturais. A redução da população para
níveis administráveis era uma necessidade imperiosa e inadiável.
A primeira providência adotada foi a criação
de uma interface dos sapiens com a IA, um chip de funções múltiplas a ser
implantado em cada ser humano. GPS, DNA, funções vitais, idade metabólica,
traços comportamentais, hábitos alimentares, todo tipo de informações que
pudessem subsidiar a política de melhor custo/benefício para o planeta. O que nenhum humano sonhava é que depois de um upgrade provocado pelas próprias IA, no chip também estava instalado uma espécie de "dedo de Deus". Por isso, ninguém se deu conta da amplitude e consequências
dessa tecnologia, focada apenas na recuperação de um planeta tão castigado.
Os
primeiros efeitos da política global de custo/benefício começaram a acontecer
com os viciados em drogas considerados de altíssimo custo de recuperação.
Depois de identificados pelos algoritmos e IAs, o chip implantado em cada um
recebeu um comando (o "dedo de Deus") para provocar um acidente vascular cerebral fulminante, uma
eutanásia piedosa e sem dor, sem julgamento de valor, sem condenação, apenas a
busca do melhor custo/benefício para o SUSP.
Em seguida vieram os traficantes, os pedófilos,
os terroristas, os feminicidas, os ditadores de qualquer ideologia, os corruptos, os doentes terminais, os muito idosos, os portadores de
retardo mental incapacitante, os homicidas recorrentes e todo tipo de pessoas
cujos indicadores indicassem ser prioritários para exclusão. E ninguém podia reclamar, pois a morte acontecia sem dor. Acabaram colocando a culpa dessas mortes em uma desconhecida pandemia surgida na China ou na qualidade do ar que se respirava, mas nada podia ser feito.
O próximo passo foi estabelecer a quantidade
máxima de pessoas em cada região do planeta, de acordo com a água potável e
outros recursos disponíveis nesses lugares. Não poderia haver influência de idade,
raça, sexo, credo político ou religioso. Por isso as IA adotaram um critério randomizado para
a eutanásia, estabelecendo também uma população global máxima de dois bilhões de pessoas. E isso
foi sendo feito ao longo de alguns anos para que o sepultamento ou cremação de
tantos corpos não se tornasse outro problema para o planeta.
Ao chegar nesse ponto eu acordei
sobressaltado, com a boca seca, amarga e com uma tristeza imensa por ter
percebido que não há solução para nosso pobre e lindo planeta. Talvez, só mesmo
torcer para que aconteça a queda de um asteroide que provoque nova extinção em
massa das espécies animais e vegetais atuais, com a consequente mudança do clima e o
surgimento de novas espécies ou evolução das que consigam sobreviver a esse cataclisma.
Se você tiver outra solução, me avise, mas
não conte com o dedo de Deus para nos salvar, pois Ele deve estar ocupado planejando
novos Big Bangs em outros universos.
Deus existe, sim. Eu creio. Posso não crer em mais nada na vida, mas certamente hei de continuar crendo em Deus. Isso diz respeito à postagem anterior, cujo comentário que deixei restringiu-se ao clima de caos ambiental aqui em Ribeirão, por isso acabei me esquecendo de colocar meu testemunho.
ResponderExcluirFocando nesta postagem, você descreve mais um sonho ímpar de um homem cheio de vida e da vida como ela vem sendo, mas se precavem para não dar sequer um passo na direção de nenhum abismo, pois ainda é preferível permanecer cheio da vida, a ter que cair no abismo que lhe tire ela.
Um pouco do que li no começo me remeteu de novo ao caos climático de sábado, depois tudo foi se modificando a cada parágrafo.
Seu sonho foi uma distopia maior que aquela que li no livro do Marreta. Gostei da ideia do SUSP, pois indicaria uma espécie de sistema unificado no mundo inteiro. Odiei as dez milhões de pessoas, pois infelizmente é certo que mais da metade são improdutivas.
Você pode estar certo de uma coisa: não só as inteligências artificiais estarão obtendo grande domínio em várias áreas no meio das sociedades ao longo de todo o planeta. As inteligências científicas também mudarão muita coisa. Se o sistema único de saúde planetário foi criado, a religião como conhecemos terá sido extinta e passa como total desconhecida diante desse seu cenário. Tão desconhecida que essa população nem sabe o termo "religião", o que significou um dia, o poder soberano que teve. Crianças não nascerão mais do ventre das mulheres, mas serão feitas em laboratório- toda a gestação, até o parto. Acabou-se o tal vínculo do cordão umbilical, amamentação no seio e com isso a questão sentimental também muda, mas continuam as famílias, sim, com seus papéis tão conhecidos, pois eles terão laços afetuosos e genéticos,l. Apenas não se iniciarão dentro de outro corpo orgânico.
A gente estará vendo tudo isso, mas em um outro tipo de vida. Não seremos nais Jotabê e Fabiano. E nem teremos a Internet que utilizamos hoje. Haverá uma expansão que permitirá uma louca integração fundindo o real ao virtual.
Um abraço, Jotabê
Eu disse e deixei claro que ainda acredito em Deus. Acreditar Nele me faz bem. Agora, quanto ao resto do que você disse, eu fico feliz de saber que talvez até minhas netas já tenham morrido de velhice quando isso acontecer. A distopia que sonhei é bem mais light, concorda? Tudo ficará igual. exceto as decisões burras de dirigentes idiotas. E um planeta menos populoso.
ExcluirAh, gostei desse negócio do "dedo de Deus"
ResponderExcluirJá deveria existir isso para o caso de pessoas fazendo hora extra, desde que apresentasse demência, é claro. Seria muito útil e pouparia muitos que sofrem junto com seus enfermos e por isso acabam ficando doentes também.
Eu sou obcecado pela ausência de sofrimento, ninguém merece sofrer, ter fome, sentir dor, etc. Por isso, alguma coisa que desligue instantaneamentea pessoa e sem que ela saiba é interessante. Mas e só outro delírio.
ExcluirTudo isso veio a você num sonho? Nunca sonhei com tanta riqueza de detalhes. Nunca. Minha esposa também, às vezes, tem sonhos, geralmente agourentos, com roteiros cinematográficos. Eu, quando sonho, mal consigo me lembrar deles por mais que uns 10 ou 15 minutos depois de acordar.
ResponderExcluirPor isso eu me dispus a registrá-lo. Mas há um cenário imaginado antes e que deixei claro, justamente para falar do trecho do pesadelo. Foi uma coisa muto louca porque Deus e a IA surgiam e desapareciam durante um sono mega inquieto. Talvez seja uma boa explicar ou "traduzir" essa tranqueira toda.
ExcluirSeus sonhos são verdadeiros roteiros de série ou filme. Minha nossa! Acho excelente isso rsrs
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