segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022
domingo, 27 de fevereiro de 2022
A NASA CONTRATOU 24 PADRES? SPOILER: NÃO
É verdade que a NASA contratou 24 padres? Spoiler: não
NASA contratou 24 padres para estudar extraterrestres, é a notícia que todo mundo está replicando de forma descerebrada. Como sempre a Internet mostra sua total incapacidade de praticar jornalismo básico, mas nem por isso a história é desinteressante. No fundo, o caso é um belo exemplo de vaidade, meu (e de Al Pacino) pecado favorito.
Tudo começou quando um teólogo e pastor da Universidade de Cambridge resolveu promover seu livro sobre cristianismo e astrobiologia. Ele publicou um post de blog e mandou releases, que chamaram a atenção do Times de Londres. Como jornaleiros não conseguem ler releases científicos, mesmo da área de Humanas, gerou-se um jogo de telefone-sem-fio que resultou em manchetes dizendo que a NASA havia contratado 24 padres para preparar a humanidade para uma descoberta sobre extraterrestres.
Primeiro, a NASA não tem nenhum padre em sua folha de pagamento, nem mesmo os russos têm, os sacerdotes ortodoxos que benzem os foguetes são contratados em regime de freelancer.
O que a NASA fez, sim, foi contratar o Centro de Investigação Teológica, uma ONG em Princeton para realizar pesquisas sobre as conseqüências sociológicas da busca de vida extraterrestre. A verba era de US$1,1 milhões, e cobriria dois anos de pesquisa do Instituto.
A NASA não iria escolher quem faria a pesquisa, nem se eram apenas teólogos ou membros do clero de várias denominações. O mais importante é que essa história é velha, bem velha. O press release anunciando a contratação do tal Centro pelo Programa de Astrobiologia da NASA foi publicado em... 2015.
Isso mesmo, a história que todo mundo está falando aconteceu 7 anos atrás. O que não quer dizer que o tema não seja extremamente interessante. A pergunta “Existe vida fora da Terra?” só tem duas respostas possíveis e ambas são aterrorizantes.
Mesmo sem ganhar dindim da NASA o mundo da Ficção Científica vem discutindo o tema por mais de 100 anos. É assunto que há séculos freqüenta mesas de bar, ainda mais acompanhado de uma excelente cerveja de monges beneditinos.
Os teólogos gostam de discutir como as religiões se adaptariam ao conceito de vida extraterrestre, e curiosamente a maioria delas não é contra o conceito, em alguns casos chega a ser explícita a preferência. No Espiritismo, por exemplo, Alan Kardec escreveu vários textos detalhando as sociedades e os habitantes de planetas como Vênus, Marte e Júpiter.
Claro, depois que a Ciência mostrou que esses planetas não são exatamente amigáveis, habitáveis ou habitados, rolou um retcon e os habitantes passaram a habitar “outro plano de existência”.
Uma grande discussão entre os teólogos que estudam Cristianismo é se o Pecado Original é um dogma restrito à Terra, ou se toda a história do martírio de Jesus é repetida localmente.
Em alguns contos de Ray Bradbury missionários são mandados para Marte, para catequisar os marcianos, apenas para rolar um plot twist onde os marcianos são criaturas de pura energia, sem qualquer tipo de pecado.
Há correntes extremamente arrogantes que defendem que o UNIVERSO vive na escuridão, e que é dever dos humanos levar a Palavra até os aliens. Isso é uma grande falta de imaginação, e repetição dos erros do passado, quando empurramos nossas religiões goela abaixo de povos conquistados e colonizados.
Provavelmente não será tão simples, quando o povo a ser catequizado tiver uma sociedade multiplanetária e naves estelares.
Estudos como o do Centro de Investigação Teológica não se limitam a imaginar como alienígenas reagirão às religiões da Terra, mas mesmo isso é extremamente interessante. Não sabemos se aliens têm os mesmos processos de pensamento que a gente, muito menos se suas emoções são as mesmas.
Mesmo na Terra, a forma com que nossa espécie se reproduz é fundamental para nossa Teologia. Em As Fontes do Paraíso Arthur Clarke descreve uma sonda interestelar inteligente que passa pelo Sistema Solar. Entre as várias conversas entre a Terra e a Sonda, questionam sobre religião, e segue-se o diálogo:
"06 junho 2069, 19:09. Mensagem 5897, seqüência 2.
Sideronauta para Terra:
Correta a dedução de que as 3 culturas classe 5 que mantinham atividades religiosas apresentavam reprodução biparental, e que os jovens permaneciam nos grupos familiares a maior parte de suas vidas. Como chegaram a essa conclusão?"
Insetos sociais e tartarugas, por exemplo, jamais desenvolveriam o conceito de divindades paternas ou maternas.
A parte que mais interessa à NASA é como a população reagiria diante da revelação de que há vida inteligente em outros planetas. Em seu ótimo O Fim da Infância, Clarke descreve o choque da chegada de alienígenas na Terra como algo tão grande que gerou uma onda psíquica que afetou o passado, transferindo em nossa memória ancestral a imagem dos aliens, que inspiraram o que conhecemos como demônios.
Em verdade, provavelmente teríamos bem menos conflitos, a maioria das pessoas comentaria por alguns dias sobre a descoberta de sinais de rádio transmitidos de outra estrela, mas a menos que viessem acompanhados da imagem de Hitler, cairiam na rotina e sumiriam junto ao Ciclo de Notícias de 24 Horas.
Somente quando começássemos a receber conhecimento dos alienígenas, isso afetaria nossa sociedade, a começar pela área acadêmica. Pela primeira vez teríamos toda nossa lógica simbólica, todo o arcabouço de nossa Filosofia analisados por alguém de fora, com uma base filosófica totalmente diferente da nossa. Clarke resumiu isso bem:
“Sideronauta não tinha competidores entre os especialistas em lógica da Terra. Isso se devia, em parte, ao erro do Departamento de Filosofia da Universidade de Chicago. Numa monumental prova de arrogância, havia clandestinamente transmitido, na íntegra, a Summa theologica, com resultados desastrosos...
"02 junho 2069; 19:34. Mensagem 1946, seqüência 2.
Sideronauta para Terra:
Analisei os argumentos de São Tomás de Aquino, como foi solicitado em sua mensagem 145, seqüência 3, de 02 junho 2069, 18:42. A maior parte do conteúdo parece ser um ruído aleatório desprovido de sentido, e, portanto, vazio de informação, mas a lista que se segue relaciona 192 falácias expressas na lógica simbólica de sua matemática de referência 43, de 29 maio 2069, 02:51.
Falácia 1..." (Seguia-se uma lista de computador de setenta e cinco páginas.)”
Caso aliens tenham uma teologia própria será nossa vez de sermos uma cultura tecnologicamente inferior, culturalmente influenciada e tendo nossas crenças modificadas e eventualmente substituídas pelas crenças da espécie dominante.
Socialmente pode haver efeitos ruins. Quando as crenças alienígenas começarem a conflitar com as teologias vigentes, o povo irá protestar, aliens serão chamados de hereges e infiéis, e haverá grupos promovendo abertamente que cessemos contato com eles.
Caso as religiões se adaptem, irão sobreviver. Elas estão acostumadas, toda religião parte do princípio que ELA é a detentora da verdade e todas as outras estão erradas. Uma religião alienígena a mais não fará diferença, exceto se a argumentação alienígena convencer os teólogos terrestres.
Muito provavelmente os eventuais avanços científicos advindos de um contato com uma espécie alienígena serão muito mais importantes do que seus efeitos na nossa teologia.
Bondade da NASA se preocupar com as consequências sociais da descoberta de vida inteligente fora da Terra, mas qualquer pesquisa nesse ramo é pura especulação, só serve para vender livro e ocupar autores desocupados numa modorrenta tarde de Terça-Feira, com o agravante de recebermos bem menos de US$1,1 milhões para isso.
sábado, 26 de fevereiro de 2022
CUSTOS TÊM QUE SER COBRIDOS
Mas alguns parecem não perceber a pequenez de sua relevância ou a dimensão cósmica de seu despreparo e boçalidade. Por isso, resolvi fazer neste post um texto muito ridículo, com humor de quinta (série). Foi essa a minha intenção (para dizer a verdade, não ficou muito diferente de todos os já publicados). Apenas forcei um pouco a barra para deixá-lo à altura de um boçal que "cuida" da cultura do país. Olhaí:
Nossa língua é dinâmica (não estou me referindo ao órgão que às vezes sai da boca para algumas atividades pouco convencionais, OK?). Diria mesmo que não só dinâmica, mas sempre em evolução, tal a quantidade de novos vocábulos que não param de surgir. E uma das formas para isso acontecer é a alteração da grafia ou da sonoridade de palavras existentes.
- “Devolver o quê, garoto? Eu tô trabalhando. Eu fui numa comitiva oficial. Custos têm que ser cobridos”.
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022
THE IG NOBEL PRIZE RIDES AGAIN!
A seguir, a transcrição de alguns trechos da reportagem da revista Galileu com as premiações mais divertidas de 2020. Acredite se quiser, nosso presidente foi um dos laureados.
O Ig Nobel Prize é uma premiação criada pela revista Annals of Improbable Research (em português, Anais de Pesquisa Improvável) que visa destacar as pesquisas ou experimentos mais inusitados em todo o mundo.
Acústica
O prêmio foi para uma equipe da Áustria, Suécia, Japão, Estados Unidos e Suíça que induziu o grito de um crocodilo fêmea chinês após entrar em uma câmara hermética cheia gás hélio.
Psicologia
Os vencedores foram os pesquisadores Miranda Giacomin e Nicholas Rule, que desenvolveram um método para identificar pessoas narcisistas por meio do exame de suas sobrancelhas.
Física
Pesquisadores da Austrália, Ucrânia, França, Itália, Alemanha, Reino Unido e África do Sul venceram ao mostrarem em um estudo publicado na Scientific Reports o que acontece com o corpo de uma minhoca ao vibrá-lo em alta frequência.
Gestão
Os vencedores desta categoria são um pouco incomuns: cinco assassinos chineses que delegaram a tarefa de matar uma pessoa um para o outro, cada um recebendo uma pequena porcentagem do pagamento, mas nenhum deles conseguiu praticar o crime. O caso ocorreu em 2015
Medicina
Os cientistas Nienke Vulink, Damiaan Denys e Arnoud van Loon, da Bélgica e da Holanda, diagnosticaram uma nova condição psiquiátrica: a misofonia - angústia de ouvir outra pessoa mastigando.
Educação Médica
Ao todo, nove líderes políticos ganharam este prêmio por "usar a pandemia de Covid-19 para ensinar ao mundo que os políticos podem ter um efeito mais imediato sobre a vida e a morte do que os cientistas e médicos", justifica o comunicado do prêmio. As personalidades citadas foram Jair Bolsonaro (Brasil), Boris Johnson (Reino Unido), Donald Trump (Estados Unidos), Vladimir Putin (Rússia), Narendra Modi (Índia), Andrés Manuel López Obrador (México), Alexander Lukashenko (Bielorrússia), Recep Tayyip Erdogan (Turquia ) e Gurbanguly Berdimuhamedow (Turcomenistão).
"São todos indivíduos que perceberam que seu julgamento é melhor do que o julgamento de pessoas que estudaram isso durante toda a vida e foram mais insistentes a respeito", disse, em nota, Marc Abrahams, editor da Annals of Improbable Research.
Materiais
Pesquisadores dos Estados Unidos e Reino Unido criaram uma faca feita de fezes humanas congeladas e mostraram que elas, na verdade, não funcionam. A ideia foi do antropólogo Metin Eren, que desde criança era fascinado por uma história de um homem inuíte, nação esquimó que habita o Canadá, o Alasca e a Groenlândia, que fez uma faca com seu próprio cocô. "As facas falharam terrivelmente", disse ele, em nota. "O objetivo era mostrar que as evidências e a verificação dos fatos são vitais."
CANDIDATO A NOVA PREMIAÇÃO:
Aparentemente, nosso querido Bozo tem vocação para receber prêmios dessa magnitude, pois esteve envolvido em três eventos que, associados, dão direito a nova premiação ( e até a ganhar música no Fantástico). Bora lá,
Primeiro evento: Mesmo desaconselhado por seus assessores, recentemente nosso presidente visitou a Rússia, encontrando-se com Putin em 16 de fevereiro. Essa visita gerou críticas, memes e piadas, uma delas feita pelo ex-ministro Ricardo Salles, ao insinuar que a visita de Bolsonaro teria impedido a 3ª guerra mundial (“Putin sinaliza recuo na Ucrânia, presidente Bolsonaro evita a 3ª guerra mundial”). Era uma piada – e ele mesmo reconheceu - cujo objetivo real era manter o nome do presidente em evidência (isso ele não reconheceu).
Segundo evento: E agora, a coisa se complica um pouco mais: ainda no dia 16, nosso presidente disse o seguinte: “Mantivemos a nossa agenda, por coincidência ou não parte das tropas deixaram a fronteira”. Será que ele também acreditou na lorota do Ricardo Salles?
Terceiro evento: O que sei é que oito dias depois da viagem de Bolsonaro â Rússia, a Ucrânia foi invadida.
Conclusão: em minha opinião o mito preencheu todos os requisitos para receber o Prêmio Ig Nobel da Paz de 2022.
Se quiser rir mais um pouco com premiações passadas, acesse este link:
https://blogsoncrusoe.blogspot.com/2015/01/premio-ignobel.html
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022
HISTÓRIA DE UM MACHADO
- “Tupela, pai!” O que significa “Atropela, pai!”. Hoje, é um pacifista em tempo integral e totalmente do bem (mesmo que o pai sem noção continue idiota como sempre). Fechado o parêntese, continuemos.
terça-feira, 22 de fevereiro de 2022
A IMPROVÁVEL HISTÓRIA DE DONA BELARMINDA E SEU AGENOR - PARTE 2
Bela arrumou-se toda e sentou-se no sofá perto do elefante de louça, à espera do amigo. Agenor era sempre pontual, mas naquele dia ela acreditou que estava ligeiramente atrasado. Enquanto esperava, alternava o pensamento entre o amigo e o elefante, pois sua tromba parecia estar perdendo o brilho próprio da louça.
Agenor chegou, desculpou-se pelo pneu furado e foram se divertir. Um bom vinho foi pedido, a conversa ficou mais leve, pediram alguns petiscos antes de escolher a refeição e mais uma garrafa de vinho chegou.
- Geno, assim eu vou ficar bêbada!
- Bobagem! Quer dançar comigo agora?
A música que estava tocando era um bolero, o ritmo ideal da sedução. Agenor enlaçou a cintura um tanto avantajada de Bela e começou a exibir a habilidade adquirida.
- Geno! Nunca imaginei que você soubesse dançar! O Tales era horrível, sempre dava um jeito de se atrapalhar. E você dança muito bem!
- A Vida me ensinou. Mas deixe o Tales para lá, vamos apenas curtir a noite.
- Humm, seu perfume é delicioso. Não sabia que meu irmãozinho era tão cheiroso!
Agenor encostou suavemente seu rosto no de Bela e pediu sussurrando:
- Por favor, não me chame mais de irmãozinho.
- Mas você sempre foi!
- Não sou mais. Chame-me de amigo, de companheiro, de sócio de pizza, mas não de irmão.
- E por que não?
- Um dia eu te conto.
Belarminda achou aquele pedido muito esquisito, mas como a dança estava boa e o vinho fazia efeito, deixou-se levar pelo amigo, mantendo os olhos fechados e o rosto colado ao de Agenor. Como ele estava cheiroso! Dançaram mais um pouco, voltaram para a mesa, pediram um filé surprise, comeram, conversaram mais um pouco e foram embora. Ao deixá-la na porta de casa, Agenor deu-lhe um beijo no rosto milésimos de segundo mais demorado que o normal, mas suficiente para Bela perceber e ficar pensativa. Aquela tinha sido uma noite muito estranha...
Durante a semana Belarminda repassou algumas vezes a noite de sábado. Nunca imaginou que Geno tivesse uma pegada tão boa para dançar. E seu corpo estava elegante, quase sem barriga. Também examinou mais atentamente sua própria imagem no espelho. Talvez uma aplicação de botox fosse uma boa ideia. O problema eram os seios, muito grandes, murchos e caídos. Também, quem mandou ter dez filhos? Culpa do idiota do Tales! Na próxima vez em que se encontrassem, perguntaria pro Geno se um implante de silicone ficaria bom. E aquele beijo no rosto, bem perto da boca? Estranho estar pensando essas coisas!
Agenor também repassou o que tinha acontecido naquela noite. Sim, correra tudo muito bem, ele não tinha pressa. Afinal, passara toda uma vida sonhando com isso. Mas estava na hora de tentar avançar mais um pouco, tentar um xeque-mate.
No sábado seguinte, novo convite para dançar. Mesmo ritual da semana anterior, um vinho para desinibir e a dança de rosto colado.
- Bela, tenho uma confissão para te fazer.
- Não me venha dizer que é gay!
- Não, longe disso! O que eu sou é louco por você.
Bela ficou atordoada com o que acabara de ouvir.
- Quê? Brincadeira boba!!
- Sempre fui!
- Ai, meu Deus! Depois dessa eu acho que preciso de mais um vinho! Por que está me falando isso agora?
- Na juventude você só tinha olhos para outros caras, mais velhos, mais sarados, mais espertos. Depois, casou-se com o Tales, teve dez filhos. Como eu poderia dizer que você sempre foi minha paixão, minha fantasia sexual mais duradoura?
- Estou passada! Aliás, estou chocada!
- Por isso eu te pedi para parar de me chamar de irmão.
- Acho que vinho só não basta para absorver esta notícia, preciso beber um uísque. Ou dois. E não quero mais dançar.
- OK.
Sentaram-se à mesa novamente e um silêncio total instalou-se entre eles. Belarminda estava com o olhar meio perdido, olhando para todos os lados, menos para Agenor. Ele, ao contrário, não tirava o olhar dela. Colocou suavemente sua mão sobre a dela e disse:
- Deixe-me explicar. Eu realmente sempre fui louco por você, mas só tinha direito de sentir um amor platônico, pois você, além de ter uma vida afetiva muito intensa, ainda me transformou em seu confidente. Cada situação mais picante que despreocupadamente me contava fazia com que eu me incendiasse por dentro. Perdi a conta de quantas vezes tive sonhos eróticos com você, desde simples beijinhos na boca até a mais completa intimidade.
- Mas essa menina não existe mais; o tempo passou e hoje eu sou outra pessoa, velha, gorda, caída e sem atrativos...
- Engano seu, eu continuo a te achar linda e desejável, muito desejável.
- Eu te tratando de irmãozinho e você na maior saliência comigo enquanto dormia. Só falta dizer que também sonhava acordado!
- Claro! Quase todo dia, para ser sincero...
- Cruzes!
- Lembre-se de que você era a menina mais linda e gostosa da região!
A mão de Agenor acariciou delicadamente o rosto de Bela sem que ela se esquivasse ao toque do amigo, que continuou.
- Por isso eu acabei te chamando de senhora, de Dona Belarminda, o que foi um exagero bobo. Talvez, depois do seu casamento, eu devesse apenas abandonar seu apelido insinuante e passasse a te chamar pelo nome de batismo.
- Eu odeio meu nome!
- Pois é, mas só depois que começou a ter filhos um atrás do outro é que eu acrescentei o "senhora" e o "dona". Acho que foi uma forma de protesto pela transformação de uma moça linda em fábrica de filhos.
- O Tales morria de rir dessa bobagem e te achava um idiota.
- Eu pensava o mesmo dele, mas eu queria disfarçar ao máximo minha forma de olhar e até de falar com você. Aliás, você morreria de rir se soubesse de todas as fantasias que fui criando ao longo dos anos. Uma delas, por exemplo, seria te convidar para passar uns dias em Caldas Novas com tudo por minha conta. Com a desculpa de baratear a viagem, reservaria um quarto de casal, mas deixando bem claro que eu dormiria no sofá. É óbvio que eu acabaria não dormindo ali. Diria estar carente afetivamente, me sentindo muito só e que gostaria que me abraçasse de conchinha.
- Você é doente!
- Era só mais uma fantasia, pois você ainda estava casada!
- Acho que já está tarde. Podemos ir embora?
- Claro!
Era muita informação a ser processada. Não estava zangada, não estava magoada ou decepcionada, apenas surpresa, apenas perplexa por tudo que tinha ouvido. O trajeto do clube até a casa de Belarminda foi feito em silêncio, só quebrado por ela depois de Agenor estacionar e descer do carro para acompanhá-la até a porta.
- Estou pensando em ir à Feira de Artesanato amanhã. Quer ir comigo?
- Claro! E como eu faço para marcar com você? Te ligo antes ou te cutuco?
A brincadeira inesperada e maliciosa desarmou Belarminda. Com o maior sorriso no rosto, puxou Agenor pela mão, dizendo:
- Vem, menino vadio, vem realizar sua fantasia!
Na segunda-feira, o lixo normal da casa ganhou a companhia dos cacos de um elefante de louça. Mas, tudo bem. Afinal, ele nunca combinara mesmo com a decoração da sala...
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022
domingo, 20 de fevereiro de 2022
A IMPROVÁVEL HISTÓRIA DE DONA BELARMINDA E SEU AGENOR - PARTE 1
Brincaram as brincadeiras normais da infância e que se brincava quando ainda não havia nem mesmo televisão em suas casas. Como estavam sempre juntos, as mexeriqueiras da vizinhança os provocavam dizendo que eram namoradinhos, só para ver a reação irada de Belarminda:
- Nós não somos namoradinhos, o Geno é meu irmão! E ele concordava, sorrindo um pouco constrangido.
A puberdade aconteceu para os dois de forma não sincronizada, como é normal acontecer. Para surpresa de Agenor, Belarminda começou a ficar mais alta que ele, o corpo começou a arredondar nos quadris, relevos e vales nunca observados antes começaram a surgir e – o que mais o intrigou – ela não se interessava mais em jogar bola na rua nem brincar de pegador. A amiga de infância era agora uma quase desconhecida, um enigma, um mistério, enquanto ele continuava a ser o mesmo menino bobo que sempre fora.
Mas esse foi um tempo "que afinal passou como tudo tem de passar", pois os hormônios logo começaram também a agir em Agenor. O corpo deu um estirão, alguns pelos começaram a surgir em seu rosto (disputando espaço com a tempestade de acne que o atingiu), o pomo de Adão ficou visível no pescoço e a voz começou a alternar tons graves e agudos, provocando risos em Bela.
Para encurtar a conversa, entraram os dois na adolescência, mas cada um a seu modo. Belarminda tornou-se uma moça que fazia jus ao apelido de infância, alegre, desinibida, de riso fácil e que deixava todos os marmanjos babando por ela. Agenor tornou-se um jovem introspectivo, apagado, que não atraia a atenção de nenhuma garota. Ainda conversava com Bela de vez em quando, mas não tinha como acompanhar sua vida social e afetiva. Mesmo assim, às vezes ouvia da amiga as confissões mais desconcertantes, como da vez em que ela confessou ter desencaminhado e desencorajado um seminarista do desejo de ser padre.
Bela começou a namorar e trocava de namorado com muita rapidez - até conhecer o Tales, por quem se apaixonou. Agenor, que acompanhava de longe o frenesi amoroso da amiga, ainda tentou sugerir que fizesse uma mudança de rota:
- Bela, você precisa escolher melhor seus namorados, você parece só gostar de gente errada, de quem só está interessado no seu corpo!
- Ah, Geno, não acho graça em rapaz muito certinho, eu sou do signo de escorpião, talvez seja essa a minha sina. Lembra da história do escorpião e da rã atravessando o rio?
Mas era tarde para conselhos. Naquela época, quem engravidava casava. E assim, Belarminda entrou na idade adulta. Parou de estudar, casou-se com Tales e encadeou dez gravidezes no espaço de quinze anos.
Agenor, ao contrário, permaneceu sozinho, transformando-se em um solteirão solitário e quase sem amigos. Conseguiu um bem remunerado emprego no governo federal e até mudou-se para a capital. Às vezes voltava à cidade onde nasceu e tentava rever sua amiga, agora já meio velhusca, com aparência bem diferente da beleza que fez virar a cabeça de muitos jovens.
Para surpresa de Bela, ele passou a chamá-la de Dona Belarminda.
- Geno, você está ficando louco? Eu sou sua amiga Bela, está lembrado?
- Sim, mas toda mulher casada precisa ser tratada com respeito.
- Você está cada dia mais sistemático e antiquado, só falta usar fraque e cartola! Mas como eu gosto de você, o "senhor" pode me chamar do jeito que quiser. E contra atacou, passando a chamá-lo entre risos de "Seu Agenor".
E o tempo continuou a passar, cada vez mais rápido, "como tudo tem de passar". Agenor aposentou-se com salário integral e resolveu morar de novo no bairro onde tinha nascido. E o motivo foi ter ficado sabendo da recente viuvez de Belarminda, finalmente livre daquele escroto do Tales.
- Por que você chama o Tales de escroto?
- Porque ele é. Um sujeito que fez a senhora embarrigar dez vezes é um escroto de carteirinha.
- Seu Agenor, Seu Agenor! Acho que o "senhor" começou a caducar com vinte anos!
Resolvido o problema da moradia voltou a chamar a amiga pelo apelido antigo.
- Ué, Seu Agenor, o senhor está muito moderno!
- Ah, Bela, para com isso! É que agora você é novamente uma mulher livre para se relacionar com outros homens.
- Geno! Você está se insinuando para mim?
- Claro que não!
Mas, mesmo sem admitir nem para si mesmo, estava. O problema era o período de luto a ser respeitado. E foi durante esse tempo que ele começou a mudar. A primeira providência foi se matricular em uma academia, "para perder esta barriga". De forma planejada e programada, começou também a ter aulas de dança de salão - uma das melhores formas de iniciar um processo de conquista e sedução, no seu entendimento.
Belarminda, por sua vez, começou a sentir saudade do toque de pele, do calor do corpo balofo do falecido. Ainda sem saber o que fazer, começou a brincar com um elefante de louça que ficava sobre a mesinha da sala, presente de Tales em algum aniversário de casamento, pois enxergava uma sensualidade oculta naquelas curvas esmaltadas.
E Agenor continuou pacientemente a executar sua programação. Um dia, a pretexto de estar cansado de encomendar e receber pizza fria, convidou Belarminda para jantar fora.
- Você precisa sair mais, se divertir.
- Tem razão, às vezes eu me sinto muito só. Ainda bem que tenho sua companhia.
Ir a uma pizzaria aos sábados à noite tornou-se rotina para os dois. Até o dia em que Belarminda comentou:
- Eu sei.
- Sabe? Acho que vou te designar para o cargo de minha agenda oficial!
- Você está me saindo melhor que a encomenda! E ficaram rindo da bobagem.
Na semana seguinte, Agenor avançou mais uma casa em seu jogo de sedução. As muitas aulas de dança e a malhação na academia já tinham apresentado significativo progresso.
- Bela, é o Geno. Estava pensando em fazer hoje um programa totalmente diferente.
- Não, estou te convidando para um jantar dançante.
- Uau! Você sabe dançar? Eu nunca imaginaria isso! Você sempre foi tão tímido e introspectivo...
- Eu sou cheio de mistérios.
- E aonde iremos?
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022
PASSEI MINHA VIDA A TREBELHAR
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022
SALVATOR MUNDI
O ex-ministro Ricardo Salles é um sujeito de muitos talentos (talentos, no caso, como sinônimo de atributos). Já foi o ministro do passa boi, passa boiada e deixou quebrar o pau na Amazônia (quebrar, neste caso, é sinônimo de cortar, arrasar, desmatar).
Montagem com o logo da CNN foi publicada pelo ex-ministro Ricardo Salles”
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022
AS FRASES DE OTTO LARA RESENDE
Por isso, encarei a internet para tentar esclarecer minha dúvida. Além de não descobrir a frase tal como a conhecia, ainda descobri que o provável autor de uma frase semelhante foi Otto Lara Resende, outro mineiro, um dos “quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse” (como ele mesmo definiu) vindos de Minas Gerais. Os outros eram Helio Pellegrino, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos.
Lembro-me de que meu amigo Pintão não gostava muito deles, por achar que havia muito corporativismo na amizade dos quatro escritores, sempre um elogiando a obra do outro. Penso que havia nessa depreciação uma ponta de despeito ou inveja, pois creio que meu amigo conhecia o quarteto. Pouco importa.
Minha pesquisa indicou também que o provável autor da tal frase era um especialista na arte da conversa e excelente frasista. Tanto que Nelson Rodrigues teria dito que "A grande obra de Otto Lara Resende é a conversa; deviam pôr um taquígrafo andando atrás dele e vender suas anotações em uma loja".
Minas está onde sempre
esteve, com seu passado, seu presente e seu futuro.
Minas está onde sempre
esteve. (Ao definir a posição do governador Magalhães Pinto, em 1961, na crise
da renúncia de Jânio).
A
grande contribuição de Minas Gerais para a cultura universal é a tocaia. A
tocaia é uma homenagem à vítima. Morre sem aviso prévio, delicadamente, se
possível desconhecendo o autor da cilada.
A
tocaia é a grande contribuição de Minas à cultura universal.
Devo
ter sido o único mineiro que deixou de ser banqueiro.
Tenho
para mim que sei, como todos os brasileiros, os três primeiros minutos de
qualquer assunto.
Sou
versátil, o que é a melhor maneira de nada saber. Sou jornalista, especialista
em assuntos gerais. Sei alguns minutos de muitos assuntos. E não sei nada.
O
sujeito humilde cuja sogra tem reumatismo deformante vê logo que eu sou o
confidente ideal, me envolve, me mobiliza.
Há
um lado pobre-diabo em mim. Os pobres-diabos logo farejam e se irmanizam, me
perseguem, não me largam.
Positivamente,
não posso ser apresentado a Satanás: como André Gide, sofro a tentação de
entender as razões do adversário.
O
mineiro só é solidário no câncer
A psicanálise é a maneira mais rápida e objetiva de ensinar as pessoas a odiar o pai, a mãe e os amigos.
O
homem é um animal gratuito.
O
analista é uma comadre bem paga.
De
que nos serve a posteridade, se não seremos contemporâneos dela?
Não
sou homem de ter uma opinião no bolso e outra na lapela.
Política
é emboscada. Esperar o cavalo passar arreado na ponta, como dizia o Getúlio,
grande político.
Sou
autor de muitos originais e nenhuma originalidade.
Sou
feito à imagem e semelhança da mulher de trottoir: eu paro com um assobio!
O
homem é dramático porque morre.
A
morte é o clube mais aberto do mundo.
Para
mim é absolutamente fundamental que o espetáculo não termine aqui embaixo, na
Terra.
Há
em mim um velho que não sou eu.
A
Europa é uma burrice aparelhada de museus.
Abraço
e punhalada a gente só dá em quem está perto.
Como
pai, me considero, modéstia à parte, uma mãe exemplar.
Sou
um falante que ama o silêncio.
Todo
mundo que cruzou comigo, sem precisar parar, está incorporado ao meu destino.
Deus
é humorista.
Ultimamente,
passaram-se muitos anos.
Sou
um sobrevivente sob os escombros de valores mortos.
Texto
de jornal é estação de trem depois que o trem passou. Deixou de ter interesse.
A
morte é noturna. À noite, todos os doentes agonizam.
Leio
muito à noite. Só não sou inteiramente uma besta porque sofro de insônia.
O
mineiro seria um cara que não dá passo em falso, é cauteloso. Em Minas Gerais
não se diz cautela, se diz pré-cautela...
A
morte é, de tudo na vida, a única coisa absolutamente insubornável.
Escrever
é de amargar.
O
poeta é capaz de ver pela primeira vez o que de tão visto ninguém vê.
Nossos
olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no coração o
monstro da indiferença.
Da
discussão, nascem os perdigotos.
O
único erro humano que merece pena capital é o de revisão.
Sou
exatamente o menino que aos nove anos foi declamar um verso de Antero de
Quental e se perdeu.
Para
mim, domingo sem missa não é domingo.
Não
quero tripudiar sobre ninguém. Junto a isto um insanável sentimento de
simpatia, que me domina, por todos os decaídos.
Quem
me garante que Jesus Cristo não estaria hoje na estatística da mortalidade
infantil?
Escrevemos,
escrevemos, escrevemos. Clamamos no deserto. O clube do poder tem as portas
lacradas e calafetadas.
Política
é a arte de enfiar a mão na merda. Os delicados (vide Milton Campos) pedem
desculpas, têm dor de cabeça e se retiram.
Intelectual
na política é quase sempre errado. É sempre errado. A práxis não deixa espaço
para pensar; pensar é muito sutil, enrascado, complexo, multiplica as
alternativas.
Aproximei-me
do espetáculo político pelo que há nele de fascínio humano. A política talvez
seja uma forma de tentar driblar a morte.
A
ação política é cruel, baseia-se numa competição animal, é preciso derrotar,
esmagar, matar, aniquilar o inimigo.
Não tenho direito de enjoar a bordo do Brasil.
Devemos
a Graham Bell o fato de estarmos em qualquer lugar do mundo e alguém poder nos
chatear pelo telefone.
É
a morte que nos leva a desejar a imortalidade impossível. (Ao aceitar concorrer
a uma vaga na ABL).
Patrão de esquerda só é bom até o dia do pagamento.
Não
sou alegre. Sou triste e sofro muito. Dentro de mim há um porão cheio de ratos,
baratas, aranhas, morcegos, escuro, melancolia, solidão.
O
humour é a grande expressão, o melhor canal para dar notícia da vida, da nossa
tragédia interior e exterior.
Sou leitor atento da página fúnebre. Tem mais gente conhecida nossa do que a coluna social.
Depois dos cinquenta, a vida precisa de um anestésico.
Hoje eu reúno duas condições que em princípio se excluem: sou careca e grisalho. (Ao fazer 60 anos).
Eu
escrevo todo dia, por compulsão. Mas agora, aos 70 anos, uma das perguntas que
mais me intrigam é o que eu vou ser quando crescer. (Essa pergunta ele não conseguiu responder, pois morreu aos 70 anos em consequência de uma embolia pulmunar)
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