Achei
tão interessante um texto que meu filho me enviou que resolvi publicá-lo no
Blogson com todos os créditos e vênias possíveis. Seu autor é Carlos
Cardoso e foi publicado em 30/12/2021 pelo site Meio Bit, com o seguinte
título:
É verdade que a NASA contratou 24 padres? Spoiler: não
NASA contratou 24 padres para estudar extraterrestres, é a notícia que todo mundo está replicando de forma descerebrada. Como sempre a Internet mostra sua total incapacidade de praticar jornalismo básico, mas nem por isso a história é desinteressante. No fundo, o caso é um belo exemplo de vaidade, meu (e de Al Pacino) pecado favorito.
Tudo começou quando um teólogo e pastor da Universidade de Cambridge resolveu promover seu livro sobre cristianismo e astrobiologia. Ele publicou um post de blog e mandou releases, que chamaram a atenção do Times de Londres. Como jornaleiros não conseguem ler releases científicos, mesmo da área de Humanas, gerou-se um jogo de telefone-sem-fio que resultou em manchetes dizendo que a NASA havia contratado 24 padres para preparar a humanidade para uma descoberta sobre extraterrestres.
Primeiro, a NASA não tem nenhum padre em sua folha de pagamento, nem mesmo os russos têm, os sacerdotes ortodoxos que benzem os foguetes são contratados em regime de freelancer.
O que a NASA fez, sim, foi contratar o Centro de Investigação Teológica, uma ONG em Princeton para realizar pesquisas sobre as conseqüências sociológicas da busca de vida extraterrestre. A verba era de US$1,1 milhões, e cobriria dois anos de pesquisa do Instituto.
A NASA não iria escolher quem faria a pesquisa, nem se eram apenas teólogos ou membros do clero de várias denominações. O mais importante é que essa história é velha, bem velha. O press release anunciando a contratação do tal Centro pelo Programa de Astrobiologia da NASA foi publicado em... 2015.
Isso mesmo, a história que todo mundo está falando aconteceu 7 anos atrás. O que não quer dizer que o tema não seja extremamente interessante. A pergunta “Existe vida fora da Terra?” só tem duas respostas possíveis e ambas são aterrorizantes.
Mesmo sem ganhar dindim da NASA o mundo da Ficção Científica vem discutindo o tema por mais de 100 anos. É assunto que há séculos freqüenta mesas de bar, ainda mais acompanhado de uma excelente cerveja de monges beneditinos.
Os teólogos gostam de discutir como as religiões se adaptariam ao conceito de vida extraterrestre, e curiosamente a maioria delas não é contra o conceito, em alguns casos chega a ser explícita a preferência. No Espiritismo, por exemplo, Alan Kardec escreveu vários textos detalhando as sociedades e os habitantes de planetas como Vênus, Marte e Júpiter.
Claro, depois que a Ciência mostrou que esses planetas não são exatamente amigáveis, habitáveis ou habitados, rolou um retcon e os habitantes passaram a habitar “outro plano de existência”.
Uma grande discussão entre os teólogos que estudam Cristianismo é se o Pecado Original é um dogma restrito à Terra, ou se toda a história do martírio de Jesus é repetida localmente.
Em alguns contos de Ray Bradbury missionários são mandados para Marte, para catequisar os marcianos, apenas para rolar um plot twist onde os marcianos são criaturas de pura energia, sem qualquer tipo de pecado.
Há correntes extremamente arrogantes que defendem que o UNIVERSO vive na escuridão, e que é dever dos humanos levar a Palavra até os aliens. Isso é uma grande falta de imaginação, e repetição dos erros do passado, quando empurramos nossas religiões goela abaixo de povos conquistados e colonizados.
Provavelmente não será tão simples, quando o povo a ser catequizado tiver uma sociedade multiplanetária e naves estelares.
Estudos como o do Centro de Investigação Teológica não se limitam a imaginar como alienígenas reagirão às religiões da Terra, mas mesmo isso é extremamente interessante. Não sabemos se aliens têm os mesmos processos de pensamento que a gente, muito menos se suas emoções são as mesmas.
Mesmo na Terra, a forma com que nossa espécie se reproduz é fundamental para nossa Teologia. Em As Fontes do Paraíso Arthur Clarke descreve uma sonda interestelar inteligente que passa pelo Sistema Solar. Entre as várias conversas entre a Terra e a Sonda, questionam sobre religião, e segue-se o diálogo:
"06 junho 2069, 19:09. Mensagem 5897, seqüência 2.
Sideronauta para Terra:
Correta a dedução de que as 3 culturas classe 5 que mantinham atividades religiosas apresentavam reprodução biparental, e que os jovens permaneciam nos grupos familiares a maior parte de suas vidas. Como chegaram a essa conclusão?"
Insetos sociais e tartarugas, por exemplo, jamais desenvolveriam o conceito de divindades paternas ou maternas.
A parte que mais interessa à NASA é como a população reagiria diante da revelação de que há vida inteligente em outros planetas. Em seu ótimo O Fim da Infância, Clarke descreve o choque da chegada de alienígenas na Terra como algo tão grande que gerou uma onda psíquica que afetou o passado, transferindo em nossa memória ancestral a imagem dos aliens, que inspiraram o que conhecemos como demônios.
Em verdade, provavelmente teríamos bem menos conflitos, a maioria das pessoas comentaria por alguns dias sobre a descoberta de sinais de rádio transmitidos de outra estrela, mas a menos que viessem acompanhados da imagem de Hitler, cairiam na rotina e sumiriam junto ao Ciclo de Notícias de 24 Horas.
Somente quando começássemos a receber conhecimento dos alienígenas, isso afetaria nossa sociedade, a começar pela área acadêmica. Pela primeira vez teríamos toda nossa lógica simbólica, todo o arcabouço de nossa Filosofia analisados por alguém de fora, com uma base filosófica totalmente diferente da nossa. Clarke resumiu isso bem:
“Sideronauta não tinha competidores entre os especialistas em lógica da Terra. Isso se devia, em parte, ao erro do Departamento de Filosofia da Universidade de Chicago. Numa monumental prova de arrogância, havia clandestinamente transmitido, na íntegra, a Summa theologica, com resultados desastrosos...
"02 junho 2069; 19:34. Mensagem 1946, seqüência 2.
Sideronauta para Terra:
Analisei os argumentos de São Tomás de Aquino, como foi solicitado em sua mensagem 145, seqüência 3, de 02 junho 2069, 18:42. A maior parte do conteúdo parece ser um ruído aleatório desprovido de sentido, e, portanto, vazio de informação, mas a lista que se segue relaciona 192 falácias expressas na lógica simbólica de sua matemática de referência 43, de 29 maio 2069, 02:51.
Falácia 1..." (Seguia-se uma lista de computador de setenta e cinco páginas.)”
Caso aliens tenham uma teologia própria será nossa vez de sermos uma cultura tecnologicamente inferior, culturalmente influenciada e tendo nossas crenças modificadas e eventualmente substituídas pelas crenças da espécie dominante.
Socialmente pode haver efeitos ruins. Quando as crenças alienígenas começarem a conflitar com as teologias vigentes, o povo irá protestar, aliens serão chamados de hereges e infiéis, e haverá grupos promovendo abertamente que cessemos contato com eles.
Caso as religiões se adaptem, irão sobreviver. Elas estão acostumadas, toda religião parte do princípio que ELA é a detentora da verdade e todas as outras estão erradas. Uma religião alienígena a mais não fará diferença, exceto se a argumentação alienígena convencer os teólogos terrestres.
Muito provavelmente os eventuais avanços científicos advindos de um contato com uma espécie alienígena serão muito mais importantes do que seus efeitos na nossa teologia.
Bondade da NASA se preocupar com as consequências sociais da descoberta de vida inteligente fora da Terra, mas qualquer pesquisa nesse ramo é pura especulação, só serve para vender livro e ocupar autores desocupados numa modorrenta tarde de Terça-Feira, com o agravante de recebermos bem menos de US$1,1 milhões para isso.
É verdade que a NASA contratou 24 padres? Spoiler: não
NASA contratou 24 padres para estudar extraterrestres, é a notícia que todo mundo está replicando de forma descerebrada. Como sempre a Internet mostra sua total incapacidade de praticar jornalismo básico, mas nem por isso a história é desinteressante. No fundo, o caso é um belo exemplo de vaidade, meu (e de Al Pacino) pecado favorito.
Tudo começou quando um teólogo e pastor da Universidade de Cambridge resolveu promover seu livro sobre cristianismo e astrobiologia. Ele publicou um post de blog e mandou releases, que chamaram a atenção do Times de Londres. Como jornaleiros não conseguem ler releases científicos, mesmo da área de Humanas, gerou-se um jogo de telefone-sem-fio que resultou em manchetes dizendo que a NASA havia contratado 24 padres para preparar a humanidade para uma descoberta sobre extraterrestres.
Primeiro, a NASA não tem nenhum padre em sua folha de pagamento, nem mesmo os russos têm, os sacerdotes ortodoxos que benzem os foguetes são contratados em regime de freelancer.
O que a NASA fez, sim, foi contratar o Centro de Investigação Teológica, uma ONG em Princeton para realizar pesquisas sobre as conseqüências sociológicas da busca de vida extraterrestre. A verba era de US$1,1 milhões, e cobriria dois anos de pesquisa do Instituto.
A NASA não iria escolher quem faria a pesquisa, nem se eram apenas teólogos ou membros do clero de várias denominações. O mais importante é que essa história é velha, bem velha. O press release anunciando a contratação do tal Centro pelo Programa de Astrobiologia da NASA foi publicado em... 2015.
Isso mesmo, a história que todo mundo está falando aconteceu 7 anos atrás. O que não quer dizer que o tema não seja extremamente interessante. A pergunta “Existe vida fora da Terra?” só tem duas respostas possíveis e ambas são aterrorizantes.
Mesmo sem ganhar dindim da NASA o mundo da Ficção Científica vem discutindo o tema por mais de 100 anos. É assunto que há séculos freqüenta mesas de bar, ainda mais acompanhado de uma excelente cerveja de monges beneditinos.
Os teólogos gostam de discutir como as religiões se adaptariam ao conceito de vida extraterrestre, e curiosamente a maioria delas não é contra o conceito, em alguns casos chega a ser explícita a preferência. No Espiritismo, por exemplo, Alan Kardec escreveu vários textos detalhando as sociedades e os habitantes de planetas como Vênus, Marte e Júpiter.
Claro, depois que a Ciência mostrou que esses planetas não são exatamente amigáveis, habitáveis ou habitados, rolou um retcon e os habitantes passaram a habitar “outro plano de existência”.
Uma grande discussão entre os teólogos que estudam Cristianismo é se o Pecado Original é um dogma restrito à Terra, ou se toda a história do martírio de Jesus é repetida localmente.
Em alguns contos de Ray Bradbury missionários são mandados para Marte, para catequisar os marcianos, apenas para rolar um plot twist onde os marcianos são criaturas de pura energia, sem qualquer tipo de pecado.
Há correntes extremamente arrogantes que defendem que o UNIVERSO vive na escuridão, e que é dever dos humanos levar a Palavra até os aliens. Isso é uma grande falta de imaginação, e repetição dos erros do passado, quando empurramos nossas religiões goela abaixo de povos conquistados e colonizados.
Provavelmente não será tão simples, quando o povo a ser catequizado tiver uma sociedade multiplanetária e naves estelares.
Estudos como o do Centro de Investigação Teológica não se limitam a imaginar como alienígenas reagirão às religiões da Terra, mas mesmo isso é extremamente interessante. Não sabemos se aliens têm os mesmos processos de pensamento que a gente, muito menos se suas emoções são as mesmas.
Mesmo na Terra, a forma com que nossa espécie se reproduz é fundamental para nossa Teologia. Em As Fontes do Paraíso Arthur Clarke descreve uma sonda interestelar inteligente que passa pelo Sistema Solar. Entre as várias conversas entre a Terra e a Sonda, questionam sobre religião, e segue-se o diálogo:
"06 junho 2069, 19:09. Mensagem 5897, seqüência 2.
Sideronauta para Terra:
Correta a dedução de que as 3 culturas classe 5 que mantinham atividades religiosas apresentavam reprodução biparental, e que os jovens permaneciam nos grupos familiares a maior parte de suas vidas. Como chegaram a essa conclusão?"
Insetos sociais e tartarugas, por exemplo, jamais desenvolveriam o conceito de divindades paternas ou maternas.
A parte que mais interessa à NASA é como a população reagiria diante da revelação de que há vida inteligente em outros planetas. Em seu ótimo O Fim da Infância, Clarke descreve o choque da chegada de alienígenas na Terra como algo tão grande que gerou uma onda psíquica que afetou o passado, transferindo em nossa memória ancestral a imagem dos aliens, que inspiraram o que conhecemos como demônios.
Em verdade, provavelmente teríamos bem menos conflitos, a maioria das pessoas comentaria por alguns dias sobre a descoberta de sinais de rádio transmitidos de outra estrela, mas a menos que viessem acompanhados da imagem de Hitler, cairiam na rotina e sumiriam junto ao Ciclo de Notícias de 24 Horas.
Somente quando começássemos a receber conhecimento dos alienígenas, isso afetaria nossa sociedade, a começar pela área acadêmica. Pela primeira vez teríamos toda nossa lógica simbólica, todo o arcabouço de nossa Filosofia analisados por alguém de fora, com uma base filosófica totalmente diferente da nossa. Clarke resumiu isso bem:
“Sideronauta não tinha competidores entre os especialistas em lógica da Terra. Isso se devia, em parte, ao erro do Departamento de Filosofia da Universidade de Chicago. Numa monumental prova de arrogância, havia clandestinamente transmitido, na íntegra, a Summa theologica, com resultados desastrosos...
"02 junho 2069; 19:34. Mensagem 1946, seqüência 2.
Sideronauta para Terra:
Analisei os argumentos de São Tomás de Aquino, como foi solicitado em sua mensagem 145, seqüência 3, de 02 junho 2069, 18:42. A maior parte do conteúdo parece ser um ruído aleatório desprovido de sentido, e, portanto, vazio de informação, mas a lista que se segue relaciona 192 falácias expressas na lógica simbólica de sua matemática de referência 43, de 29 maio 2069, 02:51.
Falácia 1..." (Seguia-se uma lista de computador de setenta e cinco páginas.)”
Caso aliens tenham uma teologia própria será nossa vez de sermos uma cultura tecnologicamente inferior, culturalmente influenciada e tendo nossas crenças modificadas e eventualmente substituídas pelas crenças da espécie dominante.
Socialmente pode haver efeitos ruins. Quando as crenças alienígenas começarem a conflitar com as teologias vigentes, o povo irá protestar, aliens serão chamados de hereges e infiéis, e haverá grupos promovendo abertamente que cessemos contato com eles.
Caso as religiões se adaptem, irão sobreviver. Elas estão acostumadas, toda religião parte do princípio que ELA é a detentora da verdade e todas as outras estão erradas. Uma religião alienígena a mais não fará diferença, exceto se a argumentação alienígena convencer os teólogos terrestres.
Muito provavelmente os eventuais avanços científicos advindos de um contato com uma espécie alienígena serão muito mais importantes do que seus efeitos na nossa teologia.
Bondade da NASA se preocupar com as consequências sociais da descoberta de vida inteligente fora da Terra, mas qualquer pesquisa nesse ramo é pura especulação, só serve para vender livro e ocupar autores desocupados numa modorrenta tarde de Terça-Feira, com o agravante de recebermos bem menos de US$1,1 milhões para isso.
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