terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

A IMPROVÁVEL HISTÓRIA DE DONA BELARMINDA E SEU AGENOR - PARTE 2

Depois de aposentado, Agenor comprou uma quota de sócio-proprietário do melhor clube da cidade, onde, aos sábados, acontecia um "jantar dançante para a melhor idade". E era para lá que iria com Belarminda.
 
Bela arrumou-se toda e sentou-se no sofá perto do elefante de louça, à espera do amigo. Agenor era sempre pontual, mas naquele dia ela acreditou que estava ligeiramente atrasado. Enquanto esperava, alternava o pensamento entre o amigo e o elefante, pois sua tromba parecia estar perdendo o brilho próprio da louça.
 
Agenor chegou, desculpou-se pelo pneu furado e foram se divertir. Um bom vinho foi pedido, a conversa ficou mais leve, pediram alguns petiscos antes de escolher a refeição e mais uma garrafa de vinho chegou.
- Geno, assim eu vou ficar bêbada!
- Bobagem! Quer dançar comigo agora?
 
A música que estava tocando era um bolero, o ritmo ideal da sedução. Agenor enlaçou a cintura um tanto avantajada de Bela e começou a exibir a habilidade adquirida.
- Geno! Nunca imaginei que você soubesse dançar! O Tales era horrível, sempre dava um jeito de se atrapalhar. E você dança muito bem!
- A Vida me ensinou. Mas deixe o Tales para lá, vamos apenas curtir a noite.
- Humm, seu perfume é delicioso. Não sabia que meu irmãozinho era tão cheiroso!
 
Agenor encostou suavemente seu rosto no de Bela e pediu sussurrando:
- Por favor, não me chame mais de irmãozinho.
- Mas você sempre foi!
- Não sou mais. Chame-me de amigo, de companheiro, de sócio de pizza, mas não de irmão.
- E por que não?
- Um dia eu te conto.
 
Belarminda achou aquele pedido muito esquisito, mas como a dança estava boa e o vinho fazia efeito, deixou-se levar pelo amigo, mantendo os olhos fechados e o rosto colado ao de Agenor. Como ele estava cheiroso! Dançaram mais um pouco, voltaram para a mesa, pediram um filé surprise, comeram, conversaram mais um pouco e foram embora. Ao deixá-la na porta de casa, Agenor deu-lhe um beijo no rosto milésimos de segundo mais demorado que o normal, mas suficiente para Bela perceber e ficar pensativa. Aquela tinha sido uma noite muito estranha...
 
Durante a semana Belarminda repassou algumas vezes a noite de sábado. Nunca imaginou que Geno tivesse uma pegada tão boa para dançar. E seu corpo estava elegante, quase sem barriga. Também examinou mais atentamente sua própria imagem no espelho. Talvez uma aplicação de botox fosse uma boa ideia. O problema eram os seios, muito grandes, murchos e caídos. Também, quem mandou ter dez filhos? Culpa do idiota do Tales! Na próxima vez em que se encontrassem, perguntaria pro Geno se um implante de silicone ficaria bom. E aquele beijo no rosto, bem perto da boca? Estranho estar pensando essas coisas!
 
Agenor também repassou o que tinha acontecido naquela noite. Sim, correra tudo muito bem, ele não tinha pressa. Afinal, passara toda uma vida sonhando com isso. Mas estava na hora de tentar avançar mais um pouco, tentar um xeque-mate.
 
No sábado seguinte, novo convite para dançar. Mesmo ritual da semana anterior, um vinho para desinibir e a dança de rosto colado.
- Bela, tenho uma confissão para te fazer.
- Não me venha dizer que é gay!
- Não, longe disso! O que eu sou é louco por você.
 
Bela ficou atordoada com o que acabara de ouvir.
- Quê? Brincadeira boba!!
- Sempre fui!
- Ai, meu Deus! Depois dessa eu acho que preciso de mais um vinho! Por que está me falando isso agora?
- Na juventude você só tinha olhos para outros caras, mais velhos, mais sarados, mais espertos. Depois, casou-se com o Tales, teve dez filhos. Como eu poderia dizer que você sempre foi minha paixão, minha fantasia sexual mais duradoura?
- Estou passada! Aliás, estou chocada!
- Por isso eu te pedi para parar de me chamar de irmão.
- Acho que vinho só não basta para absorver esta notícia, preciso beber um uísque. Ou dois. E não quero mais dançar.
- OK.
 
Sentaram-se à mesa novamente e um silêncio total instalou-se entre eles. Belarminda estava com o olhar meio perdido, olhando para todos os lados, menos para Agenor. Ele, ao contrário, não tirava o olhar dela. Colocou suavemente sua mão sobre a dela e disse:
- Deixe-me explicar. Eu realmente sempre fui louco por você, mas só tinha direito de sentir um amor platônico, pois você, além de ter uma vida afetiva muito intensa, ainda me transformou em seu confidente. Cada situação mais picante que despreocupadamente me contava fazia com que eu me incendiasse por dentro. Perdi a conta de quantas vezes tive sonhos eróticos com você, desde simples beijinhos na boca até a mais completa intimidade.
- Mas essa menina não existe mais; o tempo passou e hoje eu sou outra pessoa, velha, gorda, caída e sem atrativos...
- Engano seu, eu continuo a te achar linda e desejável, muito desejável.
- Eu te tratando de irmãozinho e você na maior saliência comigo enquanto dormia. Só falta dizer que também sonhava acordado!
- Claro! Quase todo dia, para ser sincero...
- Cruzes!
- Lembre-se de que você era a menina mais linda e gostosa da região!
 
A mão de Agenor acariciou delicadamente o rosto de Bela sem que ela se esquivasse ao toque do amigo, que continuou.
- Por isso eu acabei te chamando de senhora, de Dona Belarminda, o que foi um exagero bobo. Talvez, depois do seu casamento, eu devesse apenas abandonar seu apelido insinuante e passasse a te chamar pelo nome de batismo.
- Eu odeio meu nome!
- Pois é, mas só depois que começou a ter filhos um atrás do outro é que eu acrescentei o "senhora" e o "dona". Acho que foi uma forma de protesto pela transformação de uma moça linda em fábrica de filhos.
- O Tales morria de rir dessa bobagem e te achava um idiota.
- Eu pensava o mesmo dele, mas eu queria disfarçar ao máximo minha forma de olhar e até de falar com você. Aliás, você morreria de rir se soubesse de todas as fantasias que fui criando ao longo dos anos. Uma delas, por exemplo, seria te convidar para passar uns dias em Caldas Novas com tudo por minha conta. Com a desculpa de baratear a viagem, reservaria um quarto de casal, mas deixando bem claro que eu dormiria no sofá. É óbvio que eu acabaria não dormindo ali. Diria estar carente afetivamente, me sentindo muito só e que gostaria que me abraçasse de conchinha.
- Você é doente!
- Era só mais uma fantasia, pois você ainda estava casada!
- Acho que já está tarde. Podemos ir embora?
- Claro!
 
Era muita informação a ser processada. Não estava zangada, não estava magoada ou decepcionada, apenas surpresa, apenas perplexa por tudo que tinha ouvido. O trajeto do clube até a casa de Belarminda foi feito em silêncio, só quebrado por ela depois de Agenor estacionar e descer do carro para acompanhá-la até a porta.
- Estou pensando em ir à Feira de Artesanato amanhã. Quer ir comigo?
- Claro! E como eu faço para marcar com você? Te ligo antes ou te cutuco?
 
A brincadeira inesperada e maliciosa desarmou Belarminda. Com o maior sorriso no rosto, puxou Agenor pela mão, dizendo:
- Vem, menino vadio, vem realizar sua fantasia!
 
Na segunda-feira, o lixo normal da casa ganhou a companhia dos cacos de um elefante de louça. Mas, tudo bem. Afinal, ele nunca combinara mesmo com a decoração da sala...

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