terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

CAPIM PEGANDO FOGO

Para se chegar ao terreno comprado por minha avó aproveitava-se o ônibus intermunicipal que ligava BH com Lagoa Santa. Sinceramente falando, creio que era assim que funcionava: o ônibus vindo de BH parava na rodoviária, a maioria das pessoas descia e ele então continuava até a "Varge" (Várzea). A partir daí, só mesmo a pé para chegar naquele cu de mundo no meio do nada.
 
Pelos testes que fiz com o Google Maps, a distância do ponto onde se descia do ônibus e o início do terreno seria da ordem de 1.600 metros, percorridos em uma estrada de fazenda, de terra encascalhada e cheia de buracos, o que tornava o caminhar uma coisa não muito divertida para uma criança que tinha uns nove ou dez anos, já que além da distância a percorrer, o cascalho ali espalhado aparentemente tinha apenas a função de impedir uma maior erosão da pista de rolamento, pois a poeira provocada por alguma caminhonete ou caminhão de leite que passasse na hora era a mesma. E muita.
 
Há um ditado popular que estabelece que "água de morro abaixo e fogo de morro acima ninguém segura" (há uma versão mais apimentada dita pelo Juca Chaves lá pelos idos de 1970, mas vou abster-me de repeti-la). A topografia do lugar caberia bem nessa descrição, pois um dos limites do terreno era materializado por uma enorme vala escavada pelas enxurradas de muitas estações chuvosas, uma voçoroca (a que chamávamos de boqueirão) com uns quatro metros de largura e uns três de profundidade, um verdadeiro canal criado pela erosão do solo e que despencava da estrada rural até o terreno dos Calaboca (imagino que a origem dessa alcunha ou apelido coletivo talvez tenha se originado de “Cala a boca!”, embora desconheça o motivo).
 
Pela localização em região de cerrado, a vegetação não era muito fechada e as árvores, quando existiam, além de poucas, eram baixas, o tronco meio retorcido, com casca grossa e folhas largas e secas. Quando minha avó comprou esse terreno alguns pequizeiros ainda podiam ser vistos aqui e ali. No final da história não havia mais nenhum, provavelmente cortados pelos passantes para fazer lenha. Hoje se fala muito da importância do pequi na alimentação regional, etc., etc., mas o cheiro de seu fruto amarelo (que lembra muito uma gema de ovo cozido) é simplesmente repulsivo.
 
É importante ressaltar que o terreno adquirido localizava-se integralmente em uma encosta de morro. Assim, as únicas partes planas (horizontais) eram o leito de uma antiga estrada que corria paralela à que acabei de descrever e o lugar onde minha avó escolheu para construir sua edícula. Em homenagem à indigência da construção, talvez fosse melhor chamá-la de "redícula". Creio que um desenho esquemático ajudará a visualizar as condições do lugar.
 
Mesmo que eu não entenda nada desse assunto, imagino que para se apreciar plenamente todas as delícias do Paraíso talvez seja razoável passar um tempinho antes no Purgatório. E minha ideia de usar esses termos foi justamente essa: realçar a absurda disparidade de conforto existente entre os dois lugares assim identificados. Por isso, vamos primeiro dar uma passadinha no velho e bom Purgatório. Olha o “croquete” dele aí:





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MARCADORES DE UMA ÉPOCA - 4