Gosto em especial da palavra ronha - e de
praticá-la. A palavra parece outra coisa, e de fato já foi: uma espécie de
sarna, e também uma doença de plantas. Ninguém mais usa nesse sentido. A
expressão "ficar na ronha" se refere à pratica de abrir os olhos mas
permanecer na cama. Não imaginam minha excitação ao descobrir que existe uma
palavra pro meu esporte preferido.
A arte da ronha consiste em acordar sem no
entanto se levantar. Trata-se do primeiro trambique do dia: a procrastinada
inaugural de todas as manhãs. "Dormi pouco", dizem, "mas fiquei
duas horas na ronha" - e pode parecer que ronha equivale à função soneca.
Não, durante a soneca voltamos a dormir. E na ronha permanecemos naquele meio
termo que Proust demorou dez páginas
pra descrever, mas aos portugueses bastaram cinco letras.
Um só português em diferentes versões
Tenho muita pena de não usarmos a palavra
javardo. Trata-se de um sinônimo pra javali, mas que nunca será usado pra
designar o animal propriamente dito. Chamam de javardo alguém que se comporta
como um javali, ou melhor, que se comporta como imaginamos que um javali se
comportaria: de forma grosseira, estúpida, abjeta. Gosto porque a palavra soa
precisamente o que ela significa. Assim que desembarquei em Portugal, ouvi de
um taxista a frase: "Vosso presidente é um javardão".
Nunca tinha ouvido a palavra. Ainda assim não tinha como discordar.
Da mesma forma, não temos um xingamento bom
como "aldrabão", termo que designa com especial precisão um farsante
muito específico, algo entre o trapaceiro e o impostor, que comete aldrabices,
pequenas fraudes - não confundir com batotas, outra palavra que não viajou, que
se refere às trapaças quando cometidas dentro de um jogo sem grande
importância.
De todas as palavras esquecidas, tenho uma
predileta, aquela que designa a solução que resolve um problema de maneira
temporária, mas não em definitivo: desenrascanço. Trata-se de uma gambiarra,
mas não necessariamente mecânica - pode ser qualquer coisa que nos safe, como
um papelão que faz às vezes de guarda-chuva.
Nunca ouvi essa palavra em nossas bandas, e
ao mesmo tempo nunca uma palavra definiu tão bem a atividade diária do
brasileiro, esse desenrascado. Queria essa palavra em nossa bandeira: ordem, progresso e
desenrascanço.
Nenhum comentário:
Postar um comentário