Mesmo que seu formato possa
ser considerado antiquado e fora de moda, se tem uma coisa que admiro é um
soneto daqueles bem tradicionais. Sua estrutura engessada que lembraria esquema
tático de futebol (“vamos jogar no
esquema 4-4-3-3”), além dos cuidados com métrica e rima me fascinam. Por
isso, respeito e invejo os poetas que conseguem trafegar com competência nesse
espaço exíguo. Para mim eles são como os neurocirurgiões.
Como disse uma
vez, soneto é uma coisa mais ou menos como uma cirurgia feita no cérebro: o que falta em
espaço sobra em restrições e cuidados a tomar. O poeta e o médico conseguem o
suprassumo da precisão e eficiência, tudo realizado em espaço muito reduzido.
Mas penso que alguns textos em prosa
têm um estilo que lembra longe (bem longe!) o gesso do poema. São as frases curtas, precisas
e surpreendentes identificadas por aforismos, máximas, provérbios, adágios e
até apotegmas - que me recusei a procurar no dicionário. "Apotegma”... Onde já
se viu uma coisa dessas? Parece ofensa dirigida a juiz de futebol: "Sua mãe é uma apotegma, seu puto!"
Essas frases
também precisam cumprir algumas exigências para atingir o status de supimpa:
não devem ser extremamente longas, precisam conter uma ideia completa, devem
ser como que flashes ou insights que surpreendem, encantam ou divertem quem as
lê. Há pessoas craquérrimas nesse tipo de expressão literária. Como gosto demais dessa
visão twitter, já fiz posts com coletâneas de frases do escritor Mark Twain, do
comediante Groucho Marx, do jornalista H.L. Mencken, do senador romano Cícero,
do economista Roberto Campos e do genial "multitarefa" Millôr Fernandes.
Para passar o
tempo, resolvi revisitar esses posts e extrair cinco frases de cada um (TOC,
sabe como é, né?). Mas aí me empolguei e fiz algumas visitas a outros autores, reconhecidos por sua inteligência e ironia: Voltaire, Barão de Itararé e Mário
Quintana. E a coisa não parou por aí, pois resolvi buscar frases de
desconhecidos funcionais que mexeram comigo. Um deles é o filósofo Lao Tizé. O
outro, só lendo para descobrir.
Nessa altura do campeonato já não dava mais
para atender o TOC das cinco frases (que ficou sendo o limite máximo para cada autor).
Por isso, desencanei dessa ideia e fiz uma lista das que mexeram mais comigo no momento de sua leitura.
Mas, de sacanagem, não identifiquei seus autores (neste ponto preciso fazer um comentário: originalmente, todas as frases tinham sua autoria identificada. Depois, mesmo tendo ocultado os autores, resolvi manter a referência ao Lao Tizé - que é uma piada). Olhaí.
- A alma humana,
como os bolsos da batina de padre, tem mistérios insondáveis.
- A Bíblia nos
ensina a amar o próximo e também a amar nossos inimigos provavelmente porque
eles em geral são a mesma pessoa.
- A consciência é
uma voz interior que nos adverte de que alguém pode estar olhando.
- A filosofia é a
ciência que nos ensina a ser infelizes da maneira mais inteligente.
- A forca é o mais
desagradável dos instrumentos de corda.
- A humildade é
apenas o lado avesso do orgulho.
- A minha
consciência tem mais peso pra mim do que a opinião do mundo inteiro.
- A política tem a
sua fonte na perversidade e não na grandeza do espírito humano.
- A resposta
certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.
- A vida ideal
consiste em ter bons amigos, bons livros e uma consciência sonolenta.
- Aproximo-me
suavemente do momento em que os filósofos e os imbecis têm o mesmo destino.
- Continuamos a
ser colônia, um país não de cidadãos, mas de súditos, passivamente submetidos
às “autoridades” – a grande diferença, no fundo, é que antigamente a
“autoridade” era Lisboa. Hoje, é Brasília.
- Deus é contra as
guerras, mas fica do lado de quem atira melhor.
- Devemos julgar
um homem mais pelas suas perguntas que pelas respostas.
- Em um mundo de
tantas verdades eternas e convicções absolutas, eu me sinto feliz por não ter
certeza de nada.
- Eu bebo para
tornar as outras pessoas interessantes.
- Eu fui casado
por um juiz. Eu deveria ter pedido por um júri.
- Eu não acredito
em nada do que escrevo. Mas não escrevo nada que eu não acredite.
- Eu não sou louco
pela realidade, mas ainda é o único lugar para conseguir uma refeição decente.
- Eu temo o Poder
e admiro o Conhecimento, mas a única coisa que respeito é a Inteligência.
- Fantasia – O que
chamamos de memória.
- Há noites que eu
não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer.
- Imoralidade é a
moralidade daqueles que se divertem mais do que nós.
- Muita gente que
fala o tempo todo contra a corrupção está apenas cuspindo no prato em que não
comeu.
- Não é triste
mudar de ideias, triste é não ter ideias para mudar.
- Negociata é um
bom negócio para o qual não fomos convidados.
- No fundo de mim,
estou eu.
- Nossa
Constituição é uma mistura de dicionário de utopias e regulamentação minuciosa
do efêmero.
- O bem que o
Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito. O que ele pode nos dar é sempre
menos do que nos pode tirar.
- O desejo de
salvar a humanidade é quase sempre um disfarce para o desejo de controlá-la.
- O humor é a
razão a enlouquecer.
- O passado não
reconhece o seu lugar: está sempre presente...
- O pior governo é
o mais moral. Um governo composto de cínicos é frequentemente mais tolerante e
humano. Mas, quando os fanáticos tomam o poder, não há limite para a opressão.
- O que se pode
dizer daqueles para quem "os fins justificam os meios"? Que não têm
princípios.
- Os sonhos são
como os deuses. Se não se acredita neles, eles deixam de existir.
- Pensar – eis um
verbo reflexivo.
- Perdemos o
apetite de viver quando nossas paixões são saciadas.
- Pode não
preocupar os cientistas mas a mim preocupa muito: será que também há vida
imbecil nos outros planetas?
- Pode ser um
pecado pensar mal dos outros, mas raramente será um engano.
- Prefiro o
paraíso pelo clima, o inferno pela companhia.
- Se você acha seu
chefe um pé no saco, se você considera seu trabalho um porre, enfim, se você só
sente alegria quando chega Sexta-Feira, você pode estar sofrendo da Síndrome de
Robinson Crusoé.
- Segundo Marx,
para acabar com os males do mundo, bastava distribuir. Foi fatal. Os
socialistas nunca mais entenderam a escassez.
- Tudo é relativo:
o tempo que dura um minuto depende de que lado da porta do banheiro você está
- Um clássico é
algo que toda a gente queria ter lido, mas que ninguém quer ler.
- Uma consciência
limpa é o sinal certo de má memória.
- Uma vez criada a
entidade burocrática, ela, como a matéria de Lavoisier, jamais se destrói,
apenas se transforma.
E agora, a informação que faltava. Como cantou o
Roger, do Ultraje a Rigor, “Eu me amo, não posso mais viver sem mim”. Por isso
mesmo resolvi me infiltrar nessa festa de bacanas usando o nome Lao Tizé - que é uma contração da frase “Olha lá o Tio Zé!” (vixe!!!). E o GRF também
compareceu (sem saber) nessa festa.