domingo, 6 de setembro de 2020

EU ME ODEEIO!


Alguém conseguiria imaginar o que representam as linhas acima? Vão saber daqui a pouco.

Antes de virar um ótimo apresentador de talk-show no SBT, o Jô Soares brilhava na Globo com seus personagens engraçadíssimos, cada um com o bordão mais hilário que o outro. “Alvarenga” era um dos que mais gostava, pois seus sketchs eram sempre críticas e sátiras a fatos e personalidades em destaque naquele momento. Sempre puto consigo mesmo, o primeiro bordão  que dizia era "Eu me odeeio!", enquanto tentava se castigar fisicamente. 

Os castigos eram sempre hilariantes - choque elétrico de 220 v, apertar a mão na dobradiça da porta, tomar porrada na porta do cinema ao contar o final do filme para quem tinha acabado de comprar ingresso, etc. Um amigo próximo se escandalizava com as punições e perguntava por que fazia aquilo e ouvia como resposta:
- "Eu me julguei no tribunal da minha consciência e me considerei culpado. Por isso eu tenho que me punir, porque eu me odeio!"
O amigo perguntava o que ele tinha feito de tão grave e ele respondia coisas assim (e terminava com o segundo bordão):
- "Sabe quando eles disseram que a inflação deste ano seria menor que a do ano passado? Eu acrediteiii!!!"

Se quiser rir um pouco da magnífica performance do Jô interpretando o Alvarenga, siga este link: https://globoplay.globo.com/v/1563550/

Bom, agora a resposta a uma pergunta inexistente: Eu mencionei o Alvarenga justamente por gostar de empregar o segundo bordão ("eu acreditei!"). Aqui mesmo no Blogson eu o utilizei ao contar uma lembrança de infância. E o pior é que vou recontá-la agora (eu me odeio!).

O caso é o seguinte: meu pai teve quase todos os defeitos que poderia ter tido no mundo, mas em uma coisa ele foi irretocável, insubstituível, fundamental: sempre nos tratou com o máximo carinho, nunca nos bateu e nunca fez segredo do imenso amor que sentia por seus filhos. Isso pode hoje parecer banal, mas há sessenta e tantos anos abençoar e beijar a testa dos filhos (ele não abraçava) não era um comportamento muito comum. E esse comportamento amoroso fez com eu agisse quase da mesma forma com meus filhos (eu os abraço e beijo sempre que posso, mas bati neles - o que me deixa roxo de remorso). O problema é que meu pai às vezes extrapolava um pouco nos elogios (o texto agora vai descambar para a esculhambação).

Meu irmão é quase três anos mais velho que eu e sempre foi boa pinta, olhos azuis, bonitão. E vaidoso. Tão vaidoso que um dia uma amiga mais velha e sarcástica o apelidou de "Belo Edu" - ou "Beledu", numa clara e irônica referência ao personagem "Belo Antonio" interpretado por Marcelo Mastroianni no filme de mesmo nome. Mas vamos voltar ao "no returning point". Quando éramos crianças, meu pai às vezes extrapolava um pouco e perguntava "cadê os meninos mais bonitos do mundo?" E de tanto ouvir isso, fiz exatamente como o personagem Alvarenga: eu acreditei!

Eu acreditei que era um dos meninos mais bonitos do mundo! (é por isso que eu me odeeio!). E só fui descobrir a triste verdade quando entrei na adolescência e comecei a me apaixonar por qualquer menina (linda, por favor) que olhasse na direção de onde eu estava. Mas eu era tímido, feio, desengonçado, narigudo, magricela, com uma pinta (nevo) enorme e cabeluda no lado esquerdo do rosto. E sem queixo! O resultado é que eu não pegava ninguém e nem era notado. Se fosse hoje, talvez nem Covid eu conseguisse pegar.

Apesar disso, casei-me com a menina mais linda que conheci, uma beleza de modelo internacional. "Como assim?", perguntarão os incrédulos de plantão. Mas a explicação é simples: ela sempre disse que nunca gostou de caras bonitos. Quando fazia esse comentário em uma roda de amigos eu ficava em dúvida se deveria me alegrar - mesmo exibindo um sorriso amarelo hepatite - ou fechar alguma porta na minha mão dizendo "Eu me odeeio!”

O problema é que mesmo não tendo nenhum motivo para ser vaidoso, mas nenhum mesmo, o fato é que eu sou – e muito! E fico muito puto de não ter nascido bonito como os galãs do cinema, aqueles que ao surgir na tela provocam ovulações instantâneas e contrações uterinas nas mulheres. Por isso mesmo, resolvi pesquisar em que eu me diferencio desses cretinos.

Primeiro selecionei mentalmente três mega-unanimidades no quesito beleza masculina e busquei na internet fotos onde aparecem de perfil (essa é a chave do problema!). Peguei uma foto antiga em que também apareço de perfil, tentei adotar a mesma escala nas quatro imagens e tracei linhas no rosto de cada um, buscando descobrir se haveria um padrão entre os bonitões e em que se diferenciavam tanto de mim.

Para fazer essa comparação comecei traçando duas linhas horizontais para identificar o lugar dos olhos e da boca. Mais dois pequenos segmentos de reta para definir o nariz e, em seguida, as três retas principais - inclinação da testa e posição do queixo. Depois de traçadas as linhas dos perfis eu apagava as imagens, pois é muito humilhante e até ofensivo ficar vendo o retrato de quem pegou ou poderia pegar todas as deusas que se aproximassem. E o traçado dessas linhas mostra que eu tenho uma qualidade que eles não têm (grande qualidade!): meu perfil é totalmente aerodinâmico! É como se tivesse sido testado em tunel de vento.

Imagino que agora todo mundo deve estar morrendo de pena ou cagando de rir da minha loucura, mas o fato é que as linhas dos galãs traçam perfis cubistas extremamente semelhantes entre si - e totalmente diferentes do meu próprio perfil. Basta comparar, por exemplo, a inclinação da testa de cada um. Conclusão: a vida sentimental desses caras deve ter sido sempre um filé, nem precisariam ser famosos, pois deve ter chovido mulher em cima deles. Chovido só não, deve ter caido um dilúvio bíblico!

Vocês podem imaginar que eu sou ou estou ficando louco, mas o fato é que desde a infância eu acreditei! (em uma mentira piedosa) - e nunca consegui me libertar completamente da decepção da descoberta de que eu era feio pra caramba. Querem saber o resultado? Olhaí.






E a imagem apresentada no início mostra o encontro das duas linhas básicas da testa e do queixo de cada um dos personagens citados. A cor vermelha indica o perfil jotabélico. Por isso é que eu disse que meu rosto parece ter sido testado em tunel de vento, pois seu "coeficiente aerodinâmico" é bem pequeno. E é também por isso que eu concluo este post repetindo o bordão do Jô: Eu me odeeio!!! 


16 comentários:

  1. Jotabê, eu fui a leitora que cagou de rir e não senti um pingo de pena de ti. Kkkkkk. Uma discussão interessantíssima.

    Eu também fico olhando essa galera que possui beleza exponencial e viajo pensando no porquê algumas são tão lindas e outras não. Deve ser merecimento por ter sido uma boa pessoa na vida anterior, rs.

    Como uma boa integrante da Geração Z, não acompanho Jô Soares, mas os bordões são de ótimo bom gosto.

    Amo gente louca, e mais ainda quando escrevem sobre coisas que normalmente ninguém escreveria. Também sou assim! E me sinto aliviada em saber que, se chegar aos 70, minhas loucuras ficarão ainda mais aprimoradas e chiques.

    Amei, amei, amei! Kkkkkkk

    (sua escrita é extremamente envolvente, ótimo texto, invejável português)

    E aliás, com o que você trabalha/trabalhou? (não vale mentir)

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    1. 1- Vou te responder com uma sugestão de leitura: https://blogsoncrusoe.blogspot.com/2015/01/eu-nao-quis-ser-ministro-da-fazenda.html
      2- Eu me joguei de corpo e alma no blog. Se você começar lá do início, conseguirá quase fazer um retrato falado (aliás, até fotografia editada tem).
      3- Quem escreve os textos sérios, raivosos ou depressivos e responde os comentários é um senhor tímido, arredio e um pouco anti-social. As piadinhas sem graça, os dezénhos e todo tipo de palhaçada são de responsabilidade do personagem Jotabê Alguma coisa parecida com Dr. Jekyll and Mr. Hyde.

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    2. Ora ora, estou falando com um engenheiro. Aos poucos vou descobrindo algo a mais sobre sua pessoa.

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    3. Li alguns escritos de 2015. Estou reflexiva quanto ao post cujo o titulo é "Aquele abraço !". Curiosamente estava pensando exatamente sobre isso esses dias, principalmente sobre se doar e muitas vezes não receber em troca e em como, particularmente, eu elogio sempre mais que os outros.
      Algo nessa característica em mim estava me incomodando, pois sinto que (pelo menos entre colegas e pessoas próximas - com excessão da família) isso é considerado nada descolado e quanto mais indiferente você é, mais admiração você merece.
      Mais uma resposta que recebo da vida.

      Velho sabe coisa demais pra cacete, sim!!!

      Peço que, por gentileza, me indique mais posts com pessoalidades assim.

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    4. Prefiro que você descubra por si mesma. A dica que posso dar é que você entre no marcador "Papo Cabeça". Mas fica esta sugestão, uma abordagem ligeiramente diferente do "Aquele abraço". https://blogsoncrusoe.blogspot.com/2015/01/que-abraco-aquele.html

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    5. Droga, queria o peixe pronto ao invés de precisar pescar, rs.
      Vou seguir desbravando, então.

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    1. A piada é antiga, mas só se fosse "De longe". Eu sou um ogro de feio e, pior, em processo acelerado de erosão. Vou transcrever um trecho do Pedro Nava que é a minha cara (com duplo sentido): "Dolorosamente encaro o velho que tomou conta de mim e vejo que ele foi configurado à custa de uma espécie de desbarrancamento, avalanche, desmonte – queda dos traços das partes moles deslizando sobre o esqueleto permanente. Erosão.”

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    2. É a podridão, meu velho.
      Sabe que eu nunca li nada do Pedro Nava? Pelo visto, peciso corrigir (mais) esta lacuna.

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    3. Infelizmente, só li os dois primeiros. São livros para quem gosta de "causos", como eu. Linguagem muito culta, erudição fácil de perceber, memória fodida e observações divertidas. Estranhei um pouco o início do primeiro volume, mas depois embalei.

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  3. É difícil Jotabê, tive a mesma sorte de encontrar alguém que não preza pela beleza, espero que dure, se não durar, "eu acrediteiii!".

    Também sofro com o mal dos narigudos, quando tiram uma foto minha de lado eu já fico puto, pareço um pombo. Mas vou te falar que se eu tivesse lido esse post antes de ver aquelas suas fotos teria uma imagem completamente diferente da sua aparência. Ia te imaginar feio como você jamais se imaginou. Talvez você só se enxergue dessa forma por causa da vaidade, mas você é bonitão meu amigo, ou então os meus problemas de vista estão se agravando.

    O complicado é que você fez todas essas comparações para sustentar seu ponto de vista, e o meu se baseia apenas na minha opinião. Mesmo se eu estiver errado, pelo menos ri à beça lendo seu texto e descobri que você também é um engenheiro!

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    1. Estou propondo a adoção de um novo ditado popular: "quem vê cara nem sonha como é o perfil". Porque meus retratos "de frente" são passáveis (depois de escolher os elhores), mas de perfil eu sou verdadeiramente uma lástima. Ainda mais agora. Quanto à engenharia, um dos meus dois maiores arrependimentos é ter apenas passado pela escola. Entrei em 27º lugar entre 500 e saí entre os 40 piores dos mesmos 500. Eu não usava drogas mas estava completamente louco naquela época. Depois de aposentado até pensei em me matricular de novo, só para realmente ESTUDAR engenharia.

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    2. Espero que eu consiga manter o foco ao longo da faculdade. Pretendo iniciar no ano que vem, torça por mim.

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    3. Você me parece um sujeito equilibrado e de bom senso, creio que fará um bom curso. Lembre-se que até por uma questão de auto-disciplina, todas as materias são importantes e todas merecem a máxima atenção e dedicação.

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  4. Achei impossível não rir ao leu seu texto! Muito bom!
    Beleza é algo tão subjetivo, né?!
    Existe um ditado que diz que beleza não põe mesa, mas abre o apetite, e é isso, é raso muitas vezes, existem muitas características nas pessoas mais interessantes e menos fugazes.
    Abraço

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