sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A LENDA DO SABUGO

Reza a lenda que um belo dia (embora estivesse frio e chuvoso), há muito tempo, a princesa de um pequeno e distante reino, apaixonou-se por um astrônomo andarilho depois que ele a fez ver estrelas a seu lado. E essa paixão a tornou mais falante, mais corada e eventualmente claudicante (mesmo que o nome do astrônomo não fosse Cláudio). O rei, que não era bobo (não precisava e nem podia, pois a corte já possuía um, sindicalizado), começou a observar a mudança em sua filha. Pai zeloso, chamou-a para uma conversa paternal (até porque se fosse maternal ele seria necessariamente um pãe).
 
Foi aí que ficou sabendo do forasteiro que estava entrando na (vida de) sua filha. Por isso, decidiu que precisava conhecê-lo, avaliar o caráter e sondar sobre suas reais intenções. Para tanto, nada melhor que uma boa pescaria de vara.

Na volta, mandou chamar a filha à sala do trono. A princesa notou o olhar preocupado e uma expressão severa no rosto real (se não fosse real, só encenação, teatro, seria uma kabuki máscara). A filha perguntou-lhe o que tinha achado do forasteiro, ao que ele respondeu:
 
 - Minha filha, esse jovem não é para você, é muito desclassificado.
- Mas, Alteza (ela era muito formalista), ele é astrônomo e nós nos amamos!
.- Minha filha, você não sabe de nada! Ele ronca à noite, peida muito e arrota outro tanto.
- Vossa Majestade perdoe minha ponderação, mas isso todo mundo faz!
- E tem mais: além de ficar me chamando de sogrão, quase me matou de susto quando se despiu totalmente e resolveu nadar tal como chegou ao mundo. Ele tem um estojo enorme, onde está caprichosamente tatuada a palavra “Sabugo”! Definitivamente, ele não é um bom partido para você. Aliás, nem partido nem inteiro!
- Ora, Papi (tentativa de chantagem emocional), não há nada de errado nele! E nem é “Sabugo”, é “Sabuco”. Esse nome só aparece quando seu telescópio está no estojo. Quando está instalado para que me mostre todas as estrelas e constelações, a frase é “Saudades do meu querido Pernambuco”(*)
- Valei-me, Beata Paula Tejano! 
 
(*) O forasteiro veio para o Brasil junto com Maurício de Nassau, na função de astrônomo da Companhia das Índias. Por ter-se encantado muito com as índias (Kaeté, com quem passava a maior parte do tempo), foi dispensado de suas funções. Ainda tentou argumentar que estava tentando ouvir os gemidos das estrelas, mas foi assim repreendido pelo conde:
- “Ora, dizeis estar ouvindo estrelas? Certo perdestes o senso! Estais demitido – e com justa causa!  Ponde-vos daqui para fora antes que eu vos mande açoitar!” (o conde era muito severo e bastante exclamativo). Foi assim que ele voltou para a Europa e virou andarilho. Por ser astrônomo, ainda ganhou a título de deboche o jocoso apelido de "mochileiro das galáxias".

3 comentários:

  1. Pronto, Azarão! Tá satisfeito com o "Sabuco"? Ou quer uma continuação dele???

    "do forasteiro que estava entrando na (vida de) sua filha", no mínimo, genialidade pura! O parêntesis! O parêntesis! O parêntesis é que é arte!

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  2. Sensacional, Jotabê! Simplesmente, sensacional!
    Não o sabugo do astrônomo, claro, mas o seu texto e sua versão da piada!
    O bobo sindicalizado, o ora direis, o mochileiro das galáxias, tudo!

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  3. Ahah! Pois é meus caros GRF e Marreta, vocês estão mais exaltados que o Nassau da fábula. Eu também gostei do resultado e me diverti muito todas as idiotices nele contidas. Mesmo que goste muito de utilizá-lo normalmente (minha fala é cheia de parênteses e pausas), os parênteses foram propositalmente usados de forma exagerada, justamente para realçar o non sense. E deu trabalho imaginar como pernambuco entraria em uma história medieval. O jeito foi modernizá-la um pouco e colocar os holandeses na jogada. O povo caeté era uma tribo da região (Wikipédia!). Enfim, todas as associações malucas que me ocorreram, eu fui incluindo. Valeu!

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