Se existe um personagem de ficção por quem
tenho imensa simpatia, esse é “El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de La Mancha”, conhecido nas rodas de samba da Lapa por Dom Quixote de la Mancha ou,
simplesmente, Dom Quixote (esta
introdução foi só para espichar um pouco o texto). Até a mim
surpreende o fato desse apreço vir ainda do início da adolescência. Fico
pensando que pode ser uma identificação inconsciente, um vínculo secreto entre
minha inadequação social e a demência do personagem. Pode ser.
O que sei é que perto de comemorar um ano de
namoro com minha Amada, resolvi fazer isso em “grande” estilo. Naquela época,
não nos encontrávamos todos os dias - como depois ficou normal. Por isso,
movidos por uma paixão imensa (e tempo também), trocávamos cartas, bilhetes e
mensagens quase diariamente. Tenho a impressão de que utilizávamos duas "mensageiras", pois minha tia solteirona era secretária executiva na mesma empresa em que trabalhava uma colega de faculdade da minha mulher (então namorada). O que sei é que já perto do primeiro aniversário de namoro,
tive a “brilhante” ideia de transformar essas cartas em matéria prima para uma história. Criei
mentalmente um enredo básico e laboriosamente fui transcrevendo para várias
folhas de papel almaço trechos e mais trechos dessas cartas.
Neste ponto preciso fazer um break: Alguém aí se lembra de um conto
que publiquei no Blogson com o instável título de “Norton Antivírus”? (“instável”, por ter mudado o título umas três
vezes pelo menos). Pois é, a ideia de fazer colagens de textos escritos em
diferentes momentos e situações surgiu naquela época (1971). Se alguém quiser saber mais, o
link é este:
Voltando às comemorações de aniversário: A
linha que costurava os diferentes trechos eram comentários falsamente
depreciativos sobre mim mesmo (já naquela época!), representado por ninguém
menos que ... Dom Quixote! Claro, um Quixote moderno, mas com a mesma
piração do original.
Finalizada a história, precisava arranjar uma
capa, embalagem, etc. Creio que a capa foi feita de cartolina e aquelas garras
de metal que ainda hoje (será mesmo?) são usadas em pastas coloridas compradas
em papelaria. Claro está que minha capa tinha de ser personalizada! Por isso,
não sei bem como, fiz um desenho grande do número 1 (um), provavelmente copiado
de alguma moeda da época e imitando marca d’água.
Não contente com isso, usando papel cetim, colei (tirei cópia de) uma gravura magnífica do
Gustave Doré em que aparece um Dom Quixote sendo arremessado aos ares por uma
das pás do moinho que tinha acabado de atacar. Passei a cópia para uma folha em
branco, num trabalho gigantesco, quase tão grande quanto copiar à mão os trechos selecionados das cartas escolhidas. Para finalizar, fabriquei o envelope para
embalar minha “obra”, pois não gostei do tamanho dos envelopes vendidos em
papelaria. Aquele evento merecia um envelope especial para a pasta tão
amorosamente produzida. O envelope não tinha praticamente nenhuma folga, pois era apenas alguns milímetros maior que a pasta. Usando uma expressão ouvida de um colega anos depois, diria que a pasta ficou mais apertada que
cu de pulga.
Chegado o dia, (“O DIA!”), entreguei aquele presente que tanto tempo e paciência gastou para
ser produzido e um perfume que minha tia tinha sugerido. Maior sucesso... até
ela resolver ler a história! Ficou putíssima, enfurecida com o que leu, deu-me
um esporro fenomenal, daqueles de causar inveja a policial dando prensa em
vagabundo e discutimos por dias e dias, até mandar parar. Apesar disso guardou aquela merda, mas
nunca mais chegou nem perto e nunca mais revi meu “livro”. Tempos atrás, revirando
papeis guardados há muito tempo, ela achou minha “obra maldita”. Após um
micro-esporro comemorativo da raiva que sentiu tanto tempo atrás, comunicou que
iria jogá-la fora. Rasgou as folhas em pedaços pequenos (para impedir que eu as reconstituísse) e pôs no lixo.
E agora, a explicação para essa rejeição
absoluta: começamos a namorar em 1969 e fomos obrigados a terminar o namoro
depois de ser flagrados de mãos dadas(!!!) por minha sogra. Só voltamos a namorar
um ano depois. Nesse meio tempo, ela e eu tivemos outros relacionamentos.
Entretanto, por continuar apaixonado por ela, resolvi ordenar meus pensamentos
escrevendo uma espécie de confissão para mim mesmo, pois estava confuso por
tudo o que vivia e sentia. Dei ao texto o título de “Confussão”. É isso mesmo que você leu. A gororoba era uma mistura
(bem ao estilo Jotabê) de “confusão” com “confissão”.
Essa goma foi aproveitada total ou
parcialmente (não me lembro mais) como introdução na historinha comemorativa. Mas
não foi seu título nauseabundo que provocou tanta rejeição e sim o fato de
conter comentários sobre meus sentimentos em relação à antiga namorada. Ainda que
o texto fosse anterior ao reatamento do namoro, seu aproveitamento foi o maior
tiro no pé que eu poderia ter dado (e olha que eu nem sonhava com a existência
do Bolsonaro, campeão mundial dessa esquisita modalidade esportiva).
Foi assim que eu aprendi que jamais se deve
falar de casos afetivos antigos com seu relacionamento atual, pouco importando
que no final do romance você tenha recebido um pé na bunda ou saído corneado. Creio
que foi esse o primeiro episódio que sinalizou minha vocação para o grotesco, o
ridículo e o quixotesco. "Eita
nóis"!
Realmente, você foi um babaca!
ResponderExcluirO erro é melhor professor que o acerto.
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