Na minha infância, várias vezes ouvi meu pai
falar de “Tapayuna”, nome escolhido
para um produto criado por seu irmão mais velho, um apaixonado pela mística dos
nomes e temas indígenas. Imagino ter sido esse medicamento o carro-chefe dos
produtos fabricados pelo laboratório farmacêutico de propriedade da família.
Meu pai até guardava um recorte de jornal que
– além da foto em que ele aparecia ao lado da Emilinha Borba, tirada quando ela
se apresentou em BH, no auge de seu sucesso –trazia ainda uma declaração da cantora
louvando os benefícios do remédio. Segundo ele me disse, tratava-se de notícia paga.
O engraçado é que minha mãe tinha ciúmes desse encontro, um contato que provavelmente
não deve ter durado mais que cinco minutos.
Esse recorte provavelmente está com meu irmão,
que fez uma limpa nos papeis guardados por nosso pai, depois de sua morte. Da mesma
forma, estão com ele rótulos que descobriu no meio da papelada, usados nos demais
produtos fabricados no laboratório da família. Quando ainda nos falávamos, ele disse
que faria pastas com esses rótulos e daria uma para mim e outra para nossa irmã.
Vou ver se me lembro disso quando nos falarmos no "Centro Espírita Oriente".
Recentemente, na falta de coisa melhor para fazer,
resolvi tentar achar na internet alguma coisa relacionada ao tal “elixir" Tapayuna. Pesquisei, pesquisei e não encontrei
nada, mesmo tratando-se de um produto que teria sido anunciado na parte interna
dos bondes que circulavam pela cidade.
Pois bem, de tanto insistir, acabei achando a
transcrição de duas páginas do Diário Oficial da União com pedidos de registro de
marcas comerciais, etc.. Nessas páginas são mencionados o Tapayuna e o nome de meu
tio.
Pelo que
pude observar, deve ter sido utilizado o OCR no processo de escaneamento
dos originais, pois nos textos há várias letras trocadas em virtude de sua semelhança,
tipo “r” e “n”.
O curioso dessa história é que acabei descobrindo
se não o nome comercial, pelo menos para que servia o tal “elixir”: “Anti-Luético Tapayuna”. Segundo o Dicionário
do Aurélio, "luético" é um adjetivo "relativo à, ou da natureza da
lues". E "lues" é sinônimo de sífilis. O Tapayuna era um medicamento para tratamento de sífilis!
E aqui cabe um comentário: embora não saiba quando
começou sua comercialização, o registro da marca do produto foi concluído em 1938.
Já a penicilina, descoberta em 1928 e primeiro antibiótico realmente eficaz no tratamento
dessa doença, só ficou disponível (segundo a Wikipédia) para uso em massa no ano
de 1941. Imagino que meu pai e seus irmãos, com o sucesso e eficácia da penicilina,
devem ter ficado com aquele gosto de gol anulado, pois "perderam o jogo".
Em 1950, ano em que nasci, creio que o laboratório
já tinha ido para o espaço, levando junto com ele as finanças e os sonhos dos irmãos.
E eu já nasci pobre.
Tio Delvaux morreu em 1964, aos setenta anos.
Palavras de minha irmã: "Por todas as
informações que consegui obter (...) deduzo com bastante probabilidade que ele,
tio Delvaux, depois da recessão pós-guerra que culminou na falência dos negócios,
desenvolveu um depressão severa que na Medicina chamamos Transtorno Depressivo Maior
e não se recuperou mais".
A título de curiosidade,
as imagens "print screen" das
informações que consegui encontrar na internet:
Muito legal, JB. Muito legal.
ResponderExcluirQue história essa!!
ResponderExcluirEmilinha, um das grandes cantores do rádio que rivalizava com Marlene. Emilinha teve uma história com a Marinha, já que era a madrinha dos marinheiros.
Seu tio lançou de fato o elixir na hora errada. Se tivesse sido uns 50 anos antes, talvez a história econômica da família seria outra!
Manja aquela letra do Chico ("quando eu nasci veio um ano safado, o chato de um querubim...")? Pois é, eu já nasci predestinado a ser pobre.
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