sexta-feira, 13 de novembro de 2015

NASCIDOS NA FAZENDA - 05

Por mais que eu goste de retratos, preciso admitir que a foto de algum parente falecido a quem nunca tivemos oportunidade de conhecer é um objeto unidimensional, pois registra apenas um instante, uma fração de segundo da vida do retratado. Basta, entretanto alguém nos contar um simples caso, uma lembrança, que tudo muda.

É o que aconteceu com os pais de meu avô materno. Desde pequeno, convivi com os retratos (apenas dois) de meus bisavós sem nunca me interessar em ao menos saber seus nomes. Só quando resolvi escrever algumas lembranças de família para serem lidas por meus filhos é que surgiu a necessidade de conhecer os nomes desses antepassados. Mas a coisa parou por aí.

Recentemente, depois desses textos já escritos, minha tia contou-me um caso sobre seus avós que mudou minha forma de vê-los, uma história tão delicada, tão comovente, que fez aquelas fotos antigas que eu tanto conhecia ganhar textura, relevo, tornando-se quase imagens holográficas daqueles velhinhos. E o texto sobre os pais de minha mãe, originalmente imaginado em quatro partes, ganhou a quinta parte só para registrar essa historinha.

Antes de contar esse caso e como homenagem sincera aos meus antepassados, os velhinhos que protagonizaram essa love story caipira, apresento duas imagens: na primeira, meu bisavô aparece em retrato posado, tamanho cartão postal; a segunda é ainda mais incrível, pois mostra sua esposa (minha bisavó, lógico) - justamente quando ficou algum tempo hospedada na casa de minha avó - ladeada pela nora e pelo filho (meus avós maternos). Olhaí:



Segundo minha tia, os pais de seu pai moravam em Lavras. Em 1948, por motivos de saúde, sua avó paterna, Dona Januária ("Madrinha"), foi obrigada a vir para Belo Horizonte para tratar-se, deixando o marido idoso ("Padrinho") em Lavras. Minha tia disse que ela precisava tomar radiações, o que me faz pensar na existência de algum tipo de tumor ou câncer. Embora tivesse outros filhos morando em BH, a velhinha fez questão de hospedar-se na casa de meus avós, lá permanecendo por uns dois meses.

A uma distância de pouco mais de 2.000 metros dessa casa localiza-se o Aeroporto do Carlos Prates, utilizado apenas por aviões de pequeno porte e helicópteros, pois a pista tem pouco mais de 900 metros. Pois bem, um belo dia, durante o período de tratamento, sem aviso prévio, o pai de meu avô fretou um monomotor, um "teco-teco" e viajou para BH, descendo nesse aeroporto. Tomou um "carro de aluguel" e chegou até a casa onde a esposa estava hospedada.

Minha tia, que presenciou o encontro dos dois, disse que foi "a coisa mais bonitinha". Minha bisavó, ao ver o marido chegar de surpresa, exclamou:

- Ô, Sô Lino, o senhor veio me ver? Não precisava! Ao que meu bisavô respondeu, com simplicidade e carinho:

- Eu estava com saudade, Sá Januária!

Creio que meu bisavô voltou para Lavras no mesmo dia, mas enquanto esteve em BH, os velhinhos não se desgrudaram um só momento. Chamam também atenção as formas de tratamento de "" e "", estranhamente respeitosas para meus olhos de século vinte, principalmente por serem marido e mulher. Ela morreu em 1949, pouco tempo depois de sua estadia em BH, e ele alguns meses depois, talvez no início de 1950. 

O que eu sei é que essa historinha, apesar de muito curta, lembra bastante um daqueles filmes românticos que passavam na sessão da tarde, bom para ser visto ao lado da amada, debaixo das cobertas.



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