Ontem foi dia de Finados, dia de ir aos
cemitérios homenagear e rezar (orar) pelos mortos queridos. Dia também em que
meu pai nasceu. Se estivesse vivo, estaria comemorando 104 anos (tempo pra
caramba!).
Não deixa de ser curioso o fato de existirem
algumas pessoas que mentem sobre sua idade, tentando passar a imagem de mais
nova. Minha prima mais velha, até morrer em consequência do Mal de Parkinson, estacionou nos setenta
anos e, até onde sei, não saiu mais. Ela era uns vinte anos mais velha que eu,
talvez. Como morreu há uns cinco anos, já devia ser octogenária.
Conheço também um sujeito que ao criar um
perfil no Facebook, disse ter nascido
em 1950 (ano em que eu nasci). Como é divorciado, deve ter pensado que três
anos a menos melhoraria seu poder de sedução das “gatinhas”. Coisa de gente
idiota, claro (ele é).
A situação se inverte quando morre alguém.
Durante o velório, sempre existe um parente a lamentar que “fulano morreu ‘x’ dias antes de fazer
aniversário”. Quem ouve essa informação poderia tentar consolar, dizendo
que foi até bom isso acontecer, pois o falecido acabou morrendo mais jovem do
que sua aparência sugere. É claro que talvez acontecesse um cu de gato depois
disso, gente falando alto, a turma do deixa disso atuando
firme, etc.
Mas o mais curioso mesmo acontece quando os
familiares vangloriam-se do tempo de vida do falecido, mesmo que nos últimos
cinco ou dez anos ele tenha quase que só realizado fotossíntese (estado
vegetativo, entendeu?). Diria que isso é um tipo de “velhice ostentação” (“meu
tio viveu lúcido até os 70 anos, mas morreu com 192 anos!”).
Imagino que quando a pessoa está viva ainda,
embora já bem velhinha, deve sentir certo orgulho de ver que seus
contemporâneos já bateram as botas ("aquela
vaca achou que viveria mais que eu... grande filha da puta!").
Conheci um velhinho que era considerado e
tratado como bisavô por minha mulher e seus irmãos. Era carinhosamente tratado
como avô verdadeiro por minha sogra, embora não tivesse nem uma molécula de
parentesco com ela, pois era padrasto da madrasta de minha sogra. Mesmo assim,
o pessoal fazia a maior festa quando ele ia com seu passinho miúdo à casa dos
pais de minha mulher.
Vovô Catapreta (esse era o tratamento dado a ele) nunca dispensava um
paletó e guarda-chuva. Como sempre aparecia aos domingos, ao resolver ir-se
embora, eu sempre me oferecia para levá-lo. Com isso, acabou simpatizando-se
comigo (todas as velhinhas e velhinhos simpatizavam-se comigo).
No caminho eu ia puxando suas memórias, casos
que pareciam saídos de um livro de história do Brasil. Como quando me contou
que sua ama de leite foi trocada por uma mula. O filho de um fazendeiro amigo
encantou-se com a tal mula, pertencente ao pai do Catapreta e insistiu tanto em
ficar com ela que o único jeito foi trocá-la por uma escrava que ainda
amamentava seus filhos Adão e Eva, amigos de infância do velhinho.
Por ter nascido no final da escravidão, era
racista. Durante o "tiro de guerra" (serviço militar de antigamente),
vivia sendo preso, pois se recusava a fazer continência para um sargento negro.
E tome cana.
Falava em Wenceslau Braz como quem fala no
Lula ou Fernando Henrique. Mas o que gostava mesmo de contar (e que tem a ver
com este post) era sua idade. Parecia mesmo um velhinho ostentação quando dizia,
no início da década de 1970:
- Eu tenho noventa e seis anos, quatro
meses e vinte dias!
Talvez nem fosse vaidade por viver tanto
tempo assim. Talvez fosse uma curiosidade pessoal de, ao acordar, saber que
estava vivo há tantos anos, tantos meses e tantos dias.
Um dia, sumiu para sempre. Fiquei sabendo que
tinha caído ou adoecido, não me lembro mais. Depois, tive notícia de sua morte,
mas não sei por que não fomos ao seu enterro. Por isso, nunca fiquei sabendo
com quantos anos, quantos meses e quantos dias morreu.
Muito bom, Jotabê, muito bom.
ResponderExcluirAcho que eu, se chegar a tão vetusta idade, também serei um velhinho ostentação!
Muito bom mesmo, JB. Só posso rir ao repetir o clichê que você está melhorando com a idade, e é fato inegável ué, fazer o quê?! E não ouse discordar. ;)
ResponderExcluir"J"
Agradeço os comentários, mas já aviso: vou acabar ficando mal acostumado e, talvez, mais um velhinho ostentação.
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