sexta-feira, 6 de novembro de 2015

NASCIDOS NA FAZENDA - 04

Eu terminei a terceira parte desta série de lembranças falando de um sujeito que tinha um apetite sexual do tamanho da Muralha da China.

Pois bem, Sô Chico trabalhou durante anos para esse sátiro. Se comparada à performance desse médico, a “escapadinha” de meu avô nem seria digna de nota. Exceto para minha avó e seus filhos. Vovô teria conhecido sua segunda mulher, Amélia, durante a construção do aeroporto do Carlos Prates. Segundo minha irmã, tia Ci, mamãe e tio Nem contaram a ela a mesma versão.

Esse assunto era quase tabu na família. E, claro, quanto mais o tempo passa, mais tende a ficar providencialmente esquecido. Afinal, os “vértices” desse “triângulo das Bermudas” já morreram há muito tempo. Mas ainda me permito especular como tudo começou. “Sô Chico” era um sujeito “sacudido”. (termo antigo que pode ser entendido como saudável, forte, por aí). Talvez, em um fim de semana qualquer, talvez não tivesse nada para fazer... Já disseram que “mente vazia é a morada do capeta”. Aí,... Bingo!

Alguns filhos levavam isso numa boa, pelo menos os mais moleques (tio Nem, Omir e Mon). De vez em quando, se esse assunto surgia e tia Aidê estava longe, comentavam alguma coisa e riam, fazendo blague da traição do pai.

Eu sempre achei que alguns dos filhos dessa Amélia fossem também de meu avô, talvez por um comentário feito uma vez por minha mãe. Segundo ela, o caçula da segunda família parecia-se muito com o Almon, seu irmão mais novo. As informações fornecidas recentemente por minha irmã desmentem essa suposição. Pelo sim, pelo não, fica a dúvida.

“A mãe dela (que parece era uma mulher meio "pra frente" pra não dizer coisa pior) servia a refeição para os trabalhadores, inclusive o Vô e empurrava a filha de todo jeito para algum deles, porque ela, Amélia não sei se tinha sido abandonada pelo marido ou se tinha ficado viúva e com três filhos pequenos, dois meninos e uma menina. O Abel, um dos que trabalhou com o Vô nessa época e era motorista da obra (e foi talvez a pessoa que tenha contado tudo pra Vó), também afirmava que os filhos da d.Amélia eram do marido (policial) e que o Vô se encarregou de criá-los. O filho dela que conversou com a tia Aidê pelo telefone tinha ou tem o apelido de Bolinha (ele trabalhava como investigador) e tio Nem o conheceu pessoalmente; esse moço disse a mesma coisa para tia Aidê e para o tio Nem, que considerava o Vô como pai porque ele os criou, mas que ele e os irmãos não eram filhos legítimos dele, eles inclusive tinham o sobrenome do pai. A moça virou freira. E o Abel (ele morava aqui na Lagoa) contou pra mamãe, que a d. Amélia faleceu um ano depois do Vô”.

O fato é que, aos sábados, depois de almoçar, meu avô avisava que ia visitar os parentes. E saía quase que arrastando os pés – “de tanto trabalhar”, segundo ele. Entretanto, bastava atingir a esquina para pegar uma velocidade digna de marcha olímpica. Minha mãe e meu pai comentavam isso, rindo.


Vovô gostava muito de mim - e eu dele. Depois que me casei, eu ficava às vezes até um mês sem ir à casa de minha avó. Ele reclamava que eu não ia vê-lo, essas coisas. E eu sempre prometia visitá-lo com mais frequência, promessa sempre descumprida, até porque não tinha carro.

Um dia, meu chefe chega com a notícia fatal: meu avô tinha sido atropelado e estava no CTI (provavelmente) do Hospital São Lucas. Creio que até nos deu carona. Alguns primos e tios estavam lá, do lado de fora, meio atarantados. Não me lembro se no mesmo dia ou no dia seguinte, recebi a notícia de seu falecimento. Aquilo me doeu muito, ainda mais porque eu realmente pretendia visitá-lo no fim de semana seguinte. Depois, talvez no velório ou na missa de sétimo dia, fiquei sabendo de mais detalhes. Tinha sido atropelado na Niquelina ao perder o equilíbrio, quando tentava atravessar a rua. Detalhe: indo ou vindo da casa de sua segunda família.

Foi socorrido por alguém que o conhecia da região. Ainda consciente, pediu ao amigo: “Não me deixe sozinho”. Creio que foi tia Aidê que me contou ter recebido um telefonema de um de seus “meios-irmãos”, com o seguinte recado: “não se preocupem, nós não iremos ao enterro, não queremos envergonhá-los”.

Esse tipo de coisa me deixa perplexo: se não havia nenhuma herança para repartir (o que tornaria tudo muito mais difícil), porque comprar a mágoa de uma mãe já falecida? Porque não conhecer, porque evitar relacionar-se com pessoas que, afinal, também poderiam ser seus irmãos? Meu avô morreu em 1976 com 76 anos, quatro anos depois de minha avó.

Até hoje, quando vejo alguém cujos traços se parecem com os de meu tio Almon, me pego perguntando: “será que é meu parente?”


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