Tia Zinha, tio Nhô e tia Sinhá foram os tios
com quem mais tive contato na infância. Tia Sinhá e tio Nhô eram solteiros
(solteirões) e tia Zinha era separada. Tio Nhô era um desenhista incrível,
sempre com ideias mais para a charge e humor. Era um sujeito extremamente
habilidoso. Tão habilidoso quanto excêntrico. Fazia molhos fantásticos (tipo
molho inglês), consertava seus próprios sapatos, afinou o piano da sobrinha com
alicate e faca de cozinha.
Aliás, essa afinação foi motivo de aposta com
um amigo, que duvidou que conseguisse afinar o piano com essas ferramentas (“se
você afinar o piano com isso, eu corto minha cabeça”). Contava meu pai que tio
Nhô, bem humorado, foi cobrar a aposta do amigo.
Um dos casos pitorescos que esse tio protagonizou foi o conserto de uma motoneta de meu primo Totó, que contou o caso para minha irmã. Para variar, a descrição é dela também (descobri que ela é uma boa contadora de casos!):
"O outro caso foi o Totó que me contou com todo aquele espalhafato que lhe é peculiar. Ele disse que tinha uma motocicleta velha pra caramba que andava uma beleza na reta e na descida, mas qualquer subidinha era um vexame (uma tal de gulivet ou coisa parecida, só sei que podia pedalar quando precisava). Ele comprou essa coisa porque queria fazer bonito pra uma moça lá na Pedro II que nem olhava quando ele passava de bicicleta. Aí foi um espetáculo, porque ela começou a 'olhar de rabo de olho; também com aquele barulhão', mas no dia seguinte da compra, atravessou um cachorro na frente da moto e ele caiu bem no passeio da casa da moça e ele e a moto ficaram todos estropiados.
Outra coisa curiosa que eu gostava muito, é que papai contava que Tio Chiquinho, Tia Sinhá e Tio Nhô sabiam tocar violino, só que Tio Nhô como era canhoto invertia as cordas do violino, colocava-as ao contrário. Eu não entendia, mas achava aquilo um barato".
Tio Nhô, entre outras maluquices, em uma ocasião, tirou e revelou fotos 3x4 de meu pai e dele próprio (a bem da verdade, ficaram muito esquisitas). Às vezes inventava artefatos estranhos que desenhava, explicando depois como deveriam funcionar. Nunca saiu de casa sem paletó e achava um arrojo e sinal de grande modernidade o fato de meu pai sair sem.
Meu pai tinha adoração por ele, embora sempre lhe desse “uns coices” e lhe “passasse descomposturas”, como meu pai mesmo reconhecia (-“O Nhô me trata como se ele fosse minha mãe e eu retribuo escoiceando-o”).
"O outro caso foi o Totó que me contou com todo aquele espalhafato que lhe é peculiar. Ele disse que tinha uma motocicleta velha pra caramba que andava uma beleza na reta e na descida, mas qualquer subidinha era um vexame (uma tal de gulivet ou coisa parecida, só sei que podia pedalar quando precisava). Ele comprou essa coisa porque queria fazer bonito pra uma moça lá na Pedro II que nem olhava quando ele passava de bicicleta. Aí foi um espetáculo, porque ela começou a 'olhar de rabo de olho; também com aquele barulhão', mas no dia seguinte da compra, atravessou um cachorro na frente da moto e ele caiu bem no passeio da casa da moça e ele e a moto ficaram todos estropiados.
Foi
então que Tio Nhô disse que ia resolver o problema e mandou levar a moto pra
dentro do quarto dele, fechou a porta e começou a desmanchar 'a possante'. E ele conta que
quando viu aquele monte de peças no chão, pensou: 'puta
que pariu, antes eu tinha uma jeringonça que não funcionava, agora eu tenho é
uma montoeira de peças que eu não sei pra que que serve'. E ele descrevendo Tio Nhô é bacana demais: 'E Nô lá com
aquela cara muito séria e compenetrada, com o cigarro num canto da boca, e
depois de um tempo me mandava acelerar, e cada acelerada era POOU
e Vruuummmm e aquela fumaceira danada e nós dois ficando cada vez mais pretos.
E mamãe (Tia Zinha) desesperada do lado de fora gritando 'Nô, abre essa porta,
vocês dois vão sufocar aí dentro'. Depois de muita peleja, sai eu e Nô igual
carvão e o 'veículo', novo em folha. Foi um sucesso e funcionou muito tempo'.
Outra coisa curiosa que eu gostava muito, é que papai contava que Tio Chiquinho, Tia Sinhá e Tio Nhô sabiam tocar violino, só que Tio Nhô como era canhoto invertia as cordas do violino, colocava-as ao contrário. Eu não entendia, mas achava aquilo um barato".
Tio Nhô, entre outras maluquices, em uma ocasião, tirou e revelou fotos 3x4 de meu pai e dele próprio (a bem da verdade, ficaram muito esquisitas). Às vezes inventava artefatos estranhos que desenhava, explicando depois como deveriam funcionar. Nunca saiu de casa sem paletó e achava um arrojo e sinal de grande modernidade o fato de meu pai sair sem.
Meu pai tinha adoração por ele, embora sempre lhe desse “uns coices” e lhe “passasse descomposturas”, como meu pai mesmo reconhecia (-“O Nhô me trata como se ele fosse minha mãe e eu retribuo escoiceando-o”).
Tio Nhô morreu em março de 1979. Segundo minha irmã, então com 17 anos, foi a primeira vez que viu nosso pai chorar (depois de ter se segurado até o último minuto). Além das lágrimas que teimaram em sair apesar do controle rígido das emoções que ele impunha aos irmãos e a si mesmo, enquanto a cova era tampada, balbuciou uma frase simples mas definitiva: -"adeus, meu irmão querido".
Depois disso, certamente, o dia de Finados, aniversário de meu pai, ficou definitivamente triste e insuportável. Nesse dia, trancava-se no quarto e, com exceção de nós, seus filhos, não atendia ninguém, nem mesmo mamãe. Para ele, era inadmissível comemorar seu aniversário em um dia de tão tristes lembranças.
Nunca soube se sempre se sentiu assim. Às
vezes penso que com a morte do pai e depois da mãe, essa data perdeu de vez o
brilho para ele.
Tia Sinhá era uma pessoa meio etérea e, talvez, um pouco aérea também. Solteira, falava inglês e era pintora, boa pintora
acadêmica. Lembro-me de alguns quadros pintados por ela na juventude,
dependurados na casa de tia Zinha, com quem morava. Eu sempre admirava um
quadro grande, com vários carneiros em um estábulo ou coisa parecida. Era de um
realismo impressionante.
Quando tia Sinhá morreu, tia Zinha deu esse
quadro para meu pai. Durante algum tempo, ele enfeitou a sala da casa onde
morava minha mãe e que hoje é de minha irmã. Depois que meu pai morreu,
aconteceu um fato que me surpreendeu muito. A narrativa a seguir é de minha
irmã:
– O quadro dos carneiros da tia
Sinhá está novamente com a Cocota. Eu devolvi para ela porque quando tia Zinha
o entregou ao papai foi porque ele de certa forma fez uma ‘pressãozinha’ e eu
ficava com muita pena quando ela e a Cocota ficavam admirando o quadro com um
ar muito saudosista. Uma vez tia Zinha pediu licença para tirar um retrato do
quadro para se lembrar melhor dele. Isso me tocou muito e então eu resolvi
‘devolvê-lo a quem de direito’, no caso, a Cocota. Antes, porém, eu me inspirei
na tia Zinha e pedi a um fotógrafo profissional amigo do meu cunhado para tirar
um retrato do quadro. Mandei imprimir em tamanho A2, em lona, e pus uma
moldura. Ficou bacana, embora as cores tenham ficado um pouco mais escuras.
Bacana, mas com essa notícia, quem ficou com “um ar meio saudosista” fui eu. Mas, tudo bem.
Outro quadro imenso que ficava pendurado na sala de tia Zinha mostrava uma paisagem rural. No canto esquerdo do quadro via-se um cavalo e uma moça jovem, que se parecia muito com tia Sinhá. Um dia ela me disse que era ela mesma. Esse quadro foi pintado quando tinha dezessete anos. Depois que eu me casei, ela pintou um quadro para me dar de presente. Também uma paisagem rural. Segundo me disse, achara uma gravura linda, com a tal paisagem. Por isso, resolveu ampliá-la para me presentear. Sinceramente, deixando de lado o aspecto sentimental, prefiro os quadros de sua juventude.
Bacana, mas com essa notícia, quem ficou com “um ar meio saudosista” fui eu. Mas, tudo bem.
Outro quadro imenso que ficava pendurado na sala de tia Zinha mostrava uma paisagem rural. No canto esquerdo do quadro via-se um cavalo e uma moça jovem, que se parecia muito com tia Sinhá. Um dia ela me disse que era ela mesma. Esse quadro foi pintado quando tinha dezessete anos. Depois que eu me casei, ela pintou um quadro para me dar de presente. Também uma paisagem rural. Segundo me disse, achara uma gravura linda, com a tal paisagem. Por isso, resolveu ampliá-la para me presentear. Sinceramente, deixando de lado o aspecto sentimental, prefiro os quadros de sua juventude.
Tia Zinha era o contraponto de realidade para
tio Nhô e tia Sinhá. Casou-se com um médico (brilhante, segundo meu pai) e teve
um casal de gêmeos, Dalmo e Dalma, segundo o cartório de registro civil. Ou
José Geraldo e Maria das Graças, segundo a Igreja Católica.
O marido, sem que tia Zinha sonhasse com
isso, foi ao cartório e registrou os filhos com um nome. Minha tia, sem saber
de nada, batizou-os com outro nome (fico imaginando que o pai de meus primos
deveria estar presente no batizado).
Essa foi uma das loucuras protagonizadas pelo marido de minha tia (Ladeira, era como meu pai o tratava), até ela separar-se dele. Não tenho certeza, mas creio que quando nasci ela já estava separada. Depois que minha avó morreu, Tia Zinha mudou-se para uma casa no bairro onde morávamos.
Nessa época, pelo menos Tio Delvô ainda estava vivo, embora eu não mais o visse. Curiosamente, depois que um dos irmãos adoecia, sumia para o mundo. Nenhuma visita tinha permissão para entrar no quarto do doente. Nem minha mãe nem ninguém. Só minha prima Neusa, muito "topetuda", uma vez, enfrentou os tios e entrou no quarto para ver o doente. Mas creio que foi só essa vez.
Essa foi uma das loucuras protagonizadas pelo marido de minha tia (Ladeira, era como meu pai o tratava), até ela separar-se dele. Não tenho certeza, mas creio que quando nasci ela já estava separada. Depois que minha avó morreu, Tia Zinha mudou-se para uma casa no bairro onde morávamos.
Nessa época, pelo menos Tio Delvô ainda estava vivo, embora eu não mais o visse. Curiosamente, depois que um dos irmãos adoecia, sumia para o mundo. Nenhuma visita tinha permissão para entrar no quarto do doente. Nem minha mãe nem ninguém. Só minha prima Neusa, muito "topetuda", uma vez, enfrentou os tios e entrou no quarto para ver o doente. Mas creio que foi só essa vez.
Embora meus primos sejam um pouco mais velhos
que eu, eu adorava encontrá-los quando ia à casa de tia Zinha. Para mim, eram
Totó e Cocota. Meu primo Totó era um de meus ídolos, pois, além de mais velho,
tinha cachorro e bicicleta (e liberdade para usufruir isso). Meu pai também o
chamava de Nonô.
A Cocota namorou e noivou ao som de Anísio
Silva (“quero beijar-te as mãos, minha querida...”), um cantor
horripilante do tipo Amado Batista ou Reginaldo Rossi (e fez sucesso, o filho
da puta!). Casou-se com o Getúlio (falecido recentemente), um sujeito vermelhão e gente fina, por
quem meu pai nutria algum desprezo, já que não tinha curso universitário. Mas era
trabalhador, ao contrário de mim e de meu irmão, que vagabundamos despreocupada
e irresponsavelmente até o meio da faculdade. Creio que tiveram três filhos:
Mônica, Moema e “Tulinho”.
Totó era bem apessoado, com um topete que
lembraria o do Elvis Presley em início de carreira. Mesmo assim, talvez por
timidez, acabou se casando com uma mulher feia pra cacete (Jandira) e que
parecia bem mais velha que ele. A impressão inicial que tive dela era a de uma
pessoa má e invejosa. Esse julgamento nunca se desfez. Tiveram uns três filhos
que não me lembro de jamais ter conhecido.
Um belo dia (para o Totó), o casal se separou
e ela tornou-se evangélica (não sei se antes ou depois da separação).
Encontrando-me com o Totó em uma missa de formatura ou outra coisa qualquer,
tivemos o seguinte diálogo, com o humor contido da família de meu pai.
– Zé, você sabe que eu me separei,
né? Pois é, fiquei sabendo que a Jandira me queimou na fogueira santa da igreja
dela...
– Você não está parecendo muito
queimado não. No máximo, está meio gratinado...
A Cocota, que estava perto, riu quase sem
abrir a boca, bem à moda da família.
Na maioria das vezes, casos antigos de
família sempre trazem boas lembranças, mesmo que na época do ocorrido possam
ter gerado constrangimento ou irritação. Para encerrar este texto e como uma
homenagem a minha prima Neusa, filha única de Tio Lourival, falecida há pouco mais de um mês, vou contar um
caso que me divertiu bastante.
Sempre, nas pouquíssimas vezes em que nos
encontramos, a Neusa era de uma simpatia incrível. Simpatia e mordacidade. Eu
me divertia muito com as coisas que ela dizia e contava. Foi em um desses raros
encontros, em uma das lojas C&A, que ficamos sabendo do
caso do suposto irmão, de desfecho hilário.
Papai teria contado à minha irmã que Tio
Lourival teve um filho com uma das muitas "namoradas" dos tempos de
solteiro e que o menino era a cara dele (de acordo com minha irmã, papai
inclusive suspeitava que existissem outros). O fato é que minha prima só veio a saber disso muitos anos depois, quando, creio, meu pai já tinha morrido.
A reação foi hilariante – e contada depois
por ela própria para mim e para minha mulher:
– Amintas filho da puta! Porque ele
nunca me contou? Eu sempre quis ter um irmão!!!
(maio/2013)
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