Recentemente, postei textos com minhas lembranças sobre a família
de meu pai, originalmente escritos apenas para meus filhos. Esses textos tiveram ótima
aceitação (no padrão minion do Blogson, lógico) e renderam comentários que me deixaram muito feliz - apesar da sisudez das minhas respostas ("obrigado"). Sei não, mas tenho um certo "pudor" na hora de agradecer, fico meio envergonhado. Mas, volto a dizer, fiquei muito feliz com os comentários. Alguém disse
serem aqueles o tipo predileto de textos que eu
escrevo. E aí fiquei
pensando o que faz uma pessoa que
desconheço totalmente gostar de um texto "pessoal e
intransferível" (como gosto de dizer)?
Para mim, um dos motivos é que a realidade pode ser tão ou mais interessante que a ficção mais delirante e criativa. Afinal, aquilo aconteceu mesmo! Outro motivo poderia ser o fato de não contar casos "chapa branca". Não me interessa contar simplesmente que a Tia Bilica cozinhava bem pra caramba (não tenho nenhuma tia com esse apelido). O que me interessa é mostrar a "Tia Bilica" às voltas com suas emoções e meu sentimento em relação a isso. Falar sobre o "wild side" é muito mais divertido que ficar só no "sunny side of the street" (esse comentário foi meio musical demais). Mesmo que, no fundo, eu tenha um carinho extremado pelas pessoas de quem falei.
Mas, talvez haja um motivo definitivo para a preferência dos 2,3 leitores mais frequentes do Blogson. E essa explicação foi ouvida muito tempo atrás.
Há muitos anos, nas manhãs de sábado, a Globo
transmitia um programa educativo voltado para os estudantes de primeiro e
segundo grau, se não me engano. Não me lembro mais do nome, pois não prestava
muita atenção nele, já que tinha coisas mais importantes a fazer. Trocar fraldas,
por exemplo.
Um dia, entretanto, tive minha atenção
voltada para a leitura de um poema de Fernando Pessoa, enquanto a tela da TV mostrava belas imagens. Foi meu primeiro contato com a obra desse poeta (para
falar a verdade, não ampliei tanto assim o contato depois disso). Mas o poema
era muito bonito. E o locutor (ou professor ou...) fez um comentário do qual
guardei o sentido. Disse que ao falar do rio de sua aldeia, Fernando Pessoa conseguira tornar-se
universal. Melhor dizendo, o poema "O rio da minha aldeia", por falar
de sua experiência pessoal, conseguira expressar sentimentos que podem ser
entendidos por pessoas de qualquer lugar.
Então, acho que é isso: sem jamais pretender me comparar ao poeta (só temos em
comum o fato de usarmos o mesmo alfabeto e sermos lusófonos - e, ainda assim,
com diferença de sotaque e cultura) percebi que quando falo de
casos e pessoas próximas a mim, quando abordo experiências e sentimentos puramente pessoais, consigo criar uma sintonia com pessoas a quem desconheço totalmente,
justamente por tratar de "sentimentos universais".
Independente de qual explicação seja a
verdadeira, só posso repetir o final de um post escrito em 2014, doze dias após a
criação do Blogson:
“Então, ratificando, a sensação que eu tive foi (...) de alegria (...). Por isso, eu digo a todos, conhecidos e desconhecidos: VALEU!!!”
E agora, o que realmente vale a pena ler: a poesia de Fernando Pessoa
O RIO DA
MINHA ALDEIA
(Alberto Caieiro)
(Alberto Caieiro)
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia.
Mas o Tejo não é mais belo que o rio
que corre pela minha aldeia.
Porque o Tejo não é o rio que corre
pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios, e navega
nele ainda,
Para aqueles que vêem tudo o que lá
não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha, e o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha
aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos
gente,
É mais livre e maior o rio da minha
aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para
além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar
em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé
dele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário