Eu tive um chefe que caminhava no limite da
normalidade. Era quase um doido manso, de tão excêntrico. Mas era brilhante, genial e
engraçadíssimo. Via os problemas com uma clareza absoluta, mas emitia suas opiniões do jeito mais caricato ou destemperado possível. Eu ria até mandar parar com seu estilo ensandecido e anárquico.
Um dia comentei que ele deveria expor suas críticas e análises certeiras de forma menos enlouquecida, pois mesmo que tivesse uma espécie de visão de raio X que lhe permitia ver com clareza o que todos demoravam a enxergar, as pessoas riam de seu comportamento aloprado em vez de prestar atenção ao que dizia. Para reforçar o conselho, disse-lhe que agindo assim ele estaria lembrando São João Batista, "a voz que clama no deserto".
-"João Batista, é?", foi a reação que teve. Mas deve ter gostado da comparação, pois um dia à porta de minha sala disse que estava "joãobatistando" alguma coisa. Essa era uma de suas excentricidades, tinha a mania de transformar substantivos e nomes próprios em verbos.
Não faz muito tempo, lembrando-me desse caso, comecei a
achar que, sim, que alguns nomes (nem todos) têm realmente jeitão de verbo. E aí comecei a
viajar.
Por exemplo, Orfeu dá uma frase do tipo “ele
orfeu a casa toda” (pretérito perfeito do indicativo, 3ª pessoa do
singular). Romeu poderia dar uma
frase assim: “ele romeu toda a comida que
estava na geladeira” (mesmo tempo de verbo de “Orfeu”).
E aí a gente continua: Osmar – “só se ele osmar o
forno” (Infinitivo da melhor qualidade). Ludmila dá duas possibilidades: “ela ludmila isso muito bem” (presente do indicativo, 3ª pessoa do
singular) ou “ludmila aquelas cartas para
mim” (imperativo, 2ª pessoa do singular).
E a viagem é longa: Maria – futuro do pretérito do indicativo (ela maria...); Silmara – pretérito
mais-que-perfeito do indicativo; Caio
– presente do indicativo, 1ª pessoa do singular.
Mas é com os nomes terminados em “ando” que a coisa fica legal: Armando e Rolando são autênticos gerúndios dos verbos Armar e Rolar. Mas há
também alguns bem mais engraçados, justamente pelo non sense: “Fernando”, por exemplo. Dá vontade de
perguntar “o que você está fernando aí”?
Gerúndio do verbo “Fernar”,
lógico.
Deve ser por esse tipo de associações alopradas que eu e meu ex-chefe descompensado combinávamos tão bem.
Resumindo: tem gente que gosta muito de um
“papo cabeça”. Às vezes, eu até “tropeço” em um também. Mas, pelos exemplos
acima, nota-se que eu sou chegado mesmo é em assuntos sem pé nem cabeça.
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