sexta-feira, 10 de outubro de 2025

E AGORA, JOSÉ?

Eu tive um chefe que caminhava no limite da normalidade. Era quase um doido manso, de tão excêntrico. Mas era brilhante, genial e engraçadíssimo. Via os problemas com uma clareza absoluta, mas emitia suas opiniões do jeito mais caricato ou destemperado possível. Eu ria até mandar parar com seu estilo ensandecido e anárquico.

Um dia comentei que ele deveria expor suas críticas e análises certeiras de forma menos enlouquecida, pois mesmo que tivesse uma espécie de visão de raio X que lhe permitia ver com clareza o que todos demoravam a enxergar, as pessoas riam de seu comportamento aloprado em vez de prestar atenção ao que dizia. Para reforçar o conselho, disse-lhe que agindo assim ele estaria lembrando São João Batista, "a voz que clama no deserto".

-"João Batista, é?", foi a reação que teve. Mas deve ter gostado da comparação, pois um dia à porta de minha sala disse que estava "joãobatistando" alguma coisa. Essa era uma de suas excentricidades, tinha a mania de transformar substantivos e nomes próprios em verbos.

Não faz muito tempo, lembrando-me desse caso, comecei a achar que, sim, que alguns nomes (nem todos) têm realmente jeitão de verbo. E aí comecei a viajar.

Por exemplo, Orfeu dá uma frase do tipo “ele orfeu a casa toda” (pretérito perfeito do indicativo, 3ª pessoa do singular). Romeu poderia dar uma frase assim: “ele romeu toda a comida que estava na geladeira” (mesmo tempo de verbo de “Orfeu”).

E aí a gente continua: Osmar – “só se ele osmar o forno” (Infinitivo da melhor qualidade). Ludmila dá duas possibilidades: “ela ludmila isso muito bem” (presente do indicativo, 3ª pessoa do singular) ou “ludmila aquelas cartas para mim” (imperativo, 2ª pessoa do singular).

E a viagem é longa: Maria – futuro do pretérito do indicativo (ela maria...); Silmara – pretérito mais-que-perfeito do indicativo; Caio – presente do indicativo, 1ª pessoa do singular.

Mas é com os nomes terminados em “ando” que a coisa fica legal: Armando e Rolando são autênticos gerúndios dos verbos Armar e Rolar. Mas há também alguns bem mais engraçados, justamente pelo non sense: “Fernando”, por exemplo. Dá vontade de perguntar “o que você está fernando aí”? Gerúndio do verbo “Fernar”, lógico.

Deve ser por esse tipo de associações alopradas que eu e meu ex-chefe descompensado combinávamos tão bem.

Resumindo: tem gente que gosta muito de um “papo cabeça”. Às vezes, eu até “tropeço” em um também. Mas, pelos exemplos acima, nota-se que eu sou chegado mesmo é em assuntos sem pé nem cabeça.

08/07/2014

2 comentários:

  1. Eu confesso que sou mais chegado em assuntos sem pé nem cabeça do que em assunto sérios.

    Assunto sério é muito chato.

    Vc teve sorte em ter um chefe "brilhante, genial e engraçadíssimo". Não tive a mesma sorte e isto vem me deixando doente.
    Queria eu poder trabalhar num lugar leve, sem um ambiente pesado. O problema são as pessoas.

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    1. Comigo foi assim: empresa boa (4 anos), empresa merda (9 meses), empresa boa (4 anos), empresa merda (1 ano), empresa boa (14 anos), empresa merda (6 meses), empresa merda (11 anos. Era pública). Esse chefe pertencia à última das empresas boas.

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