Esse fenômeno não se restringe às relações pessoais. Ele aparece com igual intensidade na política, campo em que paixões substituem ideias e identidades se sobrepõem a argumentos. É impressionante a facilidade com que se ama ou odeia um líder, sem espaço para matizes. Para alguns, ele é um visionário injustiçado; para outros, um oportunista perigoso. Nada do que faça — de bom ou de mau — muda o julgamento prévio.
Trata-se de um mecanismo mental bem conhecido. O chamado viés de confirmação nos leva a aceitar sem esforço tudo o que corrobora nossas crenças e a rejeitar, com igual vigor, o que as contraria. A razão, nesse contexto, atua como serva da emoção: não pesa os fatos, apenas os justifica. Quando uma informação ameaça abalar nossas certezas, entra em cena a dissonância cognitiva, conceito proposto por Leon Festinger. Diante do desconforto de admitir que podemos estar errados, o cérebro prefere reinterpretar a realidade. Se o líder em quem confiamos falha, é culpa dos assessores, da imprensa, do sistema. Se o adversário acerta, foi por sorte ou conveniência. Assim, preservamos nossa coerência interna, mesmo à custa da verdade.
Mas há uma camada ainda mais profunda: a herança de nosso tribalismo ancestral. Durante milhares de anos, viver em pequenos grupos exigia lealdade cega e desconfiança do “outro”. Questionar o chefe ou simpatizar com o inimigo podia significar exclusão — e, portanto, risco de morte. Nosso cérebro, forjado nesse ambiente, ainda reage emocionalmente como se cada discordância fosse uma ameaça existencial. Continuamos defendendo nossa tribo — familiar, ideológica ou partidária — como se a sobrevivência dependesse disso.
As redes sociais apenas ampliaram esse instinto. Elas nos cercam de opiniões semelhantes às nossas e nos protegem de qualquer pensamento dissonante. Os algoritmos oferecem conforto ideológico e reforçam a convicção de que “nós” estamos certos e “eles” estão errados. O resultado é a polarização afetiva: deixamos de discutir ideias e passamos a odiar pessoas. O debate se transforma em guerra moral, onde o adversário deixa de ser um cidadão que pensa diferente para se tornar um inimigo que precisa ser derrotado.
Talvez a única forma de escapar dessa cegueira afetiva seja praticar um tipo de humildade intelectual — a disposição de reconhecer que podemos estar errados, de que nossos afetos e preconceitos distorcem a realidade mais do que gostaríamos de admitir. A razão, afinal, é uma conquista frágil, sempre sob o risco de ser derrubada por uma emoção disfarçada de convicção.
E, enquanto continuarmos julgando os líderes — ou quem quer que seja — pelo que sentimos em relação a eles, e não pelo que fazem, continuaremos a viver como nossos ancestrais das cavernas: cada um com a sua tribo, o seu totem e a sua verdade inabalável.
O autor do texto foi cirúrgico. Na campo político atual, onde lados se degladiam para impor suas narrativas, é só isso que acontece. A turma da esquerda não consegue ver os defeitos de Lula (ou consegue e omite em nome da ideologia) e os da direita são firmes ao dizer que Bolsonaro nunca pensou em dar golpe. Não é fácil se desprender de nossas amarras ideológicas, pois todos nós as temos, mesmo aqueles pretensiosos - como eu - "equilibrados e de centro" - Olavo de Carvalho cunhou a expressão "Paralax Cognitiva" para expressar a" incoerência entre o conhecimento teórico que uma pessoa possui e suas crenças, atitudes ou comportamentos práticos. Ou seja, é quando alguém pensa de um jeito, mas age de outro, sem perceber a contradição" (GPT)
ResponderExcluirÉEEpaaaaaa, perá lá!!! Gritou aqui um esquerdista. Olavo de Carvalho era fascista, machista, boca suja, bolsonarista, terraplanista, falso filósofo, blá blá blá...logo, nada do que ele disse ou escreveu presta.
Gostei do "Paralax Cognitiva", mas deixarei meu escasso tempo para tentar ler outros filósofos (Jotabê, por exemplo).
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