domingo, 29 de junho de 2014

VALOR AGREGADO

Algum tempo atrás, a revista Veja trouxe esta informação: quando o papa João Paulo II veio ao Brasil em 1980, a porcentagem de católicos declarados era de 89% da população; em 2013, essa porcentagem caiu para 64%. Segundo essa revista, a previsão é que em 2030 os evangélicos (bem entendido, todos os fiéis das várias denominações) ultrapassem os católicos.

Fiquei pensando nessas coisas e cheguei a uma simples conclusão. Não é a fé que está em jogo, o problema é de estratégia mercadológica. Se víssemos as vertentes católica e evangélica como duas redes varejistas concorrentes, tipo Casas Bahia e Ricardo Eletro, teríamos a seguinte situação:

As duas redes oferecem o mesmo “produto” – no caso, Deus (embora uma delas goste de alardear que seu produto é melhor, com frases como “o meu Deus...”). Ora, se o produto é igual, é preciso avaliar as condições comerciais de cada “loja”.

Por exemplo, as condições de pagamento: as lojas católicas aceitam qualquer merreca ou até nada mesmo. Já na concorrência, até onde sei, o pagamento mínimo é de 10% da renda do “freguês” (o trocadilho não foi intencional. Escapou-se-me.). Ponto para a rede católica.

Os vendedores da concorrência poderiam dizer que as lojas católicas trabalham com um tipo de venda casada que eles não fazem. Imagino até o argumento:
- Vê se pode, lá neles, para levar o pacote completo da Santíssima Trindade nesse preço, só se levar também Nossa Senhora e um montão de santos.
- Ah, não! Aí fica muito caro!
Mas não creio que seja esse o motivo do crescimento das vendas dos evangélicos.

Bom, o que sobra então é a publicidade e o valor agregado (odeio esta expressão) que cada rede consegue impor ao seu produto.

Se compararmos as campanhas publicitárias das duas redes, a diferença é gritante (muitas vezes, no sentido literal). A rede católica praticamente não tem publicidade; a concorrência, no entanto, utiliza a mídia de forma maciça em suas várias opções (até ônibus). E enquanto a rede católica fazia “opção preferencial pelos pobres”, a rede evangélica prometia mundos e fundos (de investimento, talvez) aos consumidores, ciente do sentimento expresso pelo “filósofo” e carnavalesco Joãozinho Trinta quando disse que "Pobre gosta de luxo! Quem gosta de pobreza é intelectual"!

O único valor agregado plausível são os milagres. Aí é que está o grande diferencial. Pode parecer que as duas redes agregam o mesmo valor a seu produto, mas há diferenças de qualidade e quantidade.

A rede católica oferece milagres sofisticados e raros, qualitativamente bem acabados, mas quase inatingíveis. Para o sujeito conseguir um milagre, tem que ter excelente cadastro. E contar ainda com a intervenção de algum santo. E são exigidos muitos formulários, há muita burocracia.

Já na rede evangélica (pelo menos em algumas denominações) rola a maior esculhambação. Quantidade é o que não falta (mesmo que a qualidade seja até risível). É “milagre” a rodo, todo dia. Tem pastor (perdão, eu queria dizer vendedor) que até deveria se chamar Apracur (“Apracur é pra curar...”), de tão fodão que o cara é, pois cura até AIDS!

Há ainda um aspecto que sempre chamou minha atenção: se você ouvir os clientes e vendedores (na verdade, “vendilhões do templo”) de algumas denominações evangélicas, vai notar que falam sempre em progresso e cura materiais, nunca em cura e progresso espiritual. Talvez por isso é que a rede evangélica cresceu tanto: parece que o sujeito muda de igreja para se dar bem na vida, só isso.

Ou ainda: é como se os "migrantes" tivessem se cansado do modelo antigo e estivessem à procura de um modelo novo, mais bonito, com novas funcionalidades. Por isso, fica a pergunta final:

Para esse pessoal que trocou o catolicismo por uma dessas novas versões de igreja evangélica, Deus lembra ou não lembra um novo modelo de eletrodoméstico?

(29-06-2014)

13 comentários:

  1. ótimo texto
    merecia sair no seu livro de pensamentos blogson

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    1. Obrigado, Scant! Mas assim você me deixa mal acostumado! Vou acabar te nomeando "produtor" (não remunerado) desse livro. O Rubem Braga publicou o livro (maravilhoso) "200 Crônicas Escolhidas". Quem o ajudou na tarefa de selecionar as melhores foi o Fernando Sabino.

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    2. se vc falasse que se eu escolhesse alguns textos, vc publicaria na amazon, eu escolheria

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    3. Acho que você é meio louco! Mas isso é só uma brincadeira. Falando sério, não consigo acreditar que alguma coisa o que já escrevi faria ..sucesso na Amazon. E um dos motivos é a variedade de estilos. Eu até acho que alguns textos são legaizinhos, mas não consigo quantificar. Não sei se daria um livro. Nesse caso, que tipo de livro (não estou conseguindo descobrir onde fica a interrogação no teclado do notebook de meu filho). Qual estilo (memória, papo cabeça, sem noção, etc.). E quanto custa isso (interrogação). É por aí. Abraços

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    4. hoje em dia qq um publica qq coisa em formato eletronico
      simples assim
      https://kdp.amazon.com/pt_BR/

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    5. Tá bom! Preciso então de uma sugestão de estilo para começar a pensar nisso: lembranças e casos de família, casos e lembranças de colegas, viagens na maionese, humor (textos sem noção e diálogos de spamtar), poesias e contos, desenhos e séries produzidas com recursos do word ou uma salada de tudo isso - sugira.

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    6. E ainda teria que "civilizar" um pouco os textos. Por exemplo, tirar o excesso de comentários paralelos, correção do português, eliminação de comentários potencialmente ofensivos a esse ou aquele grupo, etc.

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    7. só se vendesse
      melhor mandar como está
      menos trabalho

      "Preciso então de uma sugestão de estilo para começar a pensar" - um pouco de cada

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    8. Isso de livro eletrônico também me foi sugerido, mas não me anima nem um pouco. E pelos mesmos motivos que os seus, eu também não tenho um assunto específico, um foco.
      Agora, discordo de você quanto a "civilizar" os seus textos. Tudo aquilo que você disse que teria que tirar é o que faz de você e do Blogson o que são.
      Algumas vezes, também me disseram que se eu tirasse as peitudas e maneirasse nos palavrões, o Marreta possivelmente ganharia mais leitores habituais, que certos leitores, que poderiam voltar mais vezes ao blog, se "assustam", ficam impactados com o primeiro contato e não voltam mais. Três pessoas me recomendaram isso, duas, inclusive, gente ligada à área do jornalismo. Depois de agradecer-lhes, a minha resposta foi sempre a mesma : se eu tirasse as peitudas e os palavrões, deixaria de ser o Marreta.
      Gosto muito - e concordo - com o verso da letra da canção A Lista, do Oswaldo Montenegro :"Quantos defeitos sanados com o tempo eram o melhor que havia em você?"
      Se não conhece a música, compensa muito ouvir:
      https://www.letras.mus.br/oswaldo-montenegro/65521/

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    9. nada de civilizar
      blogson é leitura de nicho e eu tb
      nunca seremos best-sellers, mas isso não importa
      manda do jeito que foi concebido
      daqui a 100 anos seremos esquecidos, hahahaha

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    10. A piada é velha mas pertinente ao tema: esse assunto está dando mais pano pra manga que vacilo de aprendiz de alfaiate!
      Quanto ao estilo (e o comentário vale também para o Marreta), acredito que há duas visões distintas: ou você escolhe um livro tipo "Almanaque do Biotônico" ou faz vários, cada um com um tipo de post. O Marreta, por exemplo, é foda nos poemas. Poderia fazer um livro só com eles.

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  2. "a diferença é gritante (muitas vezes, no sentido literal)."

    Essa foi boa, gostei!

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