domingo, 15 de junho de 2014

SEUS SENTIMENTOS


Gosto muito da frase “
mente vazia é a morada do capeta”. Pois bem, minha mente ontem devia estar zerada, pois encapetou-se toda e surgiu a ideia maluca. Olha só: quem nunca ficou ligeiramente constrangido de cumprimentar os pais do noivo ou da noiva, sendo que nem o noivo (ou a noiva) se conhece? Ou então, quem nunca se sentiu desconfortável de, em um velório, cumprimentar familiares (do falecido) que nunca viu na vida? Você não? Eu já. Muitas vezes.

Por exemplo, em casamentos, quando só se conhece o noivo, dá vontade de chegar pra noiva e dizer: “Parabéns! Finalmente desencalhou, heim”? Ou, em um velório, chegar para o(a) viúvo(a) a quem nunca viu e, “compungido”, dizer o chavão “Meus sentimentos” e ficar pensando que tipo de “sentimentos” seriam esses. Indiferença? Alegria?

Espero que ninguém se assuste com essa “falta de modos”, pois não sou politicamente correto e nem pretendo jamais ser (mesmo que às vezes finja um pouco, para aliviar a barra). Nunca fui um transgressor, nunca fui um revolucionário, mas sempre vi com desconfiança e até certo desdém muitas convenções sociais, especialmente quando perderam a essência que as originou, tornando-se apenas ritos sociais praticados de forma automática, ou quase isso.

Já dei acima dois exemplos desse formalismo robotizado que são os cumprimentos e votos expressos em um casamento ou em um velório. Que significado tem para os noivos aqueles cumprimentos ditos mecanicamente, vindos de desconhecidos (normalmente parentes ou velhos amigos dos pais de um ou de outro)? A resposta correta é “nenhum”. Ultimamente, consciente desse fato, evito cumprimentar o noivo ou a noiva que não conheço. A coisa muda de figura quando os dois são conhecidos e amigos ou, mesmo, apenas um. Aí o abraço e os votos de uma vida feliz são bem legais.

Quando nos casamos, havia muitas pessoas na igreja – amigos e parentes das duas famílias, amigos e colegas nossos, enfim, gente pra caramba. Quem ficasse me observando poderia pensar que eu estava com hepatite, de tanto sorriso amarelo que dei ao agradecer votos protocolares de pessoas desconhecidas que nada significavam para mim. A coisa mudou quando um tio da minha mulher me abraçou e me levantou do chão (tá bom, eu pesava apenas 64 quilos). Não me lembro do que ele disse, pois já faz tanto tempo que acredito que eu e minha mulher nem tínhamos nascido quando nos casamos (já ouviu falar de "almas gêmeas"? Pois é). Aliás esse fenômeno serviu até pra comprovar a Teoria da Relatividade. Mas, voltando àquele abraço (sou especialista em mudar de assunto sem avisar), posso dizer que foi o cumprimento mais afetuoso que recebi e o único de que me lembro.

Outra coisa que sempre me incomodou (por me deixarem constrangido) são os cumprimentos feitos aos familiares de pessoas recém-falecidas. Não existe nada mais engessado que as expressões “meus pêsames” ou “meus sentimentos” (que tipo de sentimentos?). São cumprimentos mais frios que a temperatura do morto.

Afinal, o que significa “pêsames”? Sei que a origem não é essa, mas me ocorre um jogo de palavras (mais um) para explicar a origem desse termo. Imagino alguém chegando e dizendo “pesa-me a perda de fulano(a)”. Tá bom, a piada é muito ruim (quando não é?).

Então, pensando nisso tudo, fiquei imaginando formas de desconstruir essas convenções sociais. No caso de cerimônias de casamento, poderíamos ter o seguinte diálogo:

- Meus parabéns...
- Obrigado(a).
- Eu ainda não terminei!
- Oh, desculpe...
- Parabéns por ter conseguido dar um excelente golpe do baú!

Nos casos em que há recepção após a cerimônia, geralmente os noivos vão de mesa em mesa cumprimentando os convidados. Poderia rolar esse diálogo:

- Parabéns pelo casamento. Muito bacana!
- Ah, que bom que você gostou! (dito com sorriso de noiva)
- Na verdade, a cerimônia estava um saco, as músicas pessimamente escolhidas, mas o bufê está bem legal.

Ou então:

- Parabéns... por você ter conseguido casar com essa gostosona, pois você é feio pra caramba.
(soco no nariz, sangue escorrendo, zona geral).

Já no caso de velórios a coisa poderia ficar assim:

- Meus sentimentos... que são de muita alegria por esse(a) filho(a) da puta finalmente ter morrido.
(desmaios, empurra-empurra, alguém quase derrubando o caixão).

Também poderia ser assim o diálogo:

- Seus sentimentos.
- Heim?
- Seus sentimentos!
- Desculpe-me, não entendi o que o senhor disse.
- Os sentimentos são da senhora, eu só estou aqui para cumprir uma convenção social idiota.

Para encerrar, imagino esse outro:

- Jimi Hendrix, senhora.
- O que?
- Jimi Hendrix!
- O senhor está passando bem?
- Minha senhora, eu estou tão chateado com o falecimento do seu marido, como fiquei quando o Jimi Hendrix, meu ídolo, morreu.
- Ah! Muito obrigada!



Um comentário:

  1. Não tem nada mais constrangedor que o tal de "meus pêsames" , principalmente quando você vai cumprimentar um viúvo no dia pais que de tantos parabéns durante todo o dia você diz "meus parabéns" . Isso me aconteceu. .Entretanto é raro o velório que eu não choro.
    Mas casamento?! Todos me emocionam mesmo sem conhecer os noivos. Só de um casal jurar amor eterno já me preenche de alegria. Apesar de não ter vivido essa emoção, ainda acredito no amor e deve ser um momento mágico dividido com uma platéia, a todos os casai eu cumprimento com muito carinho, se tiver recepção minha alegria é triplicada. Gostei do seu sarcástico texto, me fez pensar nos meus sentimentos vividos nestas situações.

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