domingo, 28 de junho de 2015

SÉCULO DEZENOVE VÍRGULA SETE

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo (...)
Onde estão todos eles?
— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.
(extraído do belíssimo poema Profundamente, de Manoel Bandeira)



O texto a seguir foi revisado e ampliado em 2013. O tema são as (poucas) lembranças que eu tenho de uma família extremamente singular (a de meu pai). Sinceramente, eu gostaria que os leitores deste blog tirassem alguma diversão deste post, tal como eu, enquanto o escrevia. Mas não tenho tanta esperança assim. Afinal, são lembranças de gente comum, com alguns casos curiosos. Os livros de memória escritos pelo Pedro Nava servem de desculpa para tornar públicas estas lembranças. É claro que a comparação não procede, pois ele abriu uma larga e bem cuidada estrada, enquanto eu consigo, no máximo, uma picada, uma trilha irregular e cheia de raízes e galhos. E como o texto é maior do que duas páginas – padrão que eu procuro obedecer no Blogson – será dividido em partes e postado sequencialmente. 



A FAMÍLIA DE MEU PAI
Preciso fazer um pequeno comentário antes de apresentar esse assunto: o embrião, a versão inicial deste texto foi escrita quando minha mãe ainda estava viva (ela morreu em 2009) e foi enviada apenas para nosso filho mais velho e para meu irmão. Meu objetivo, já naquela época, era deixar para os meninos um registro de minhas lembranças e impressões sobre a família de meu Pai. Só que eu perdi esse arquivo. Recentemente, entretanto, fuçando uns backups antigos, reencontrei o texto “perdido”.

Eu sempre curti muito esse negócio de memória, de preservação da memória, fato que foi muito aumentado depois que fiz cinqüenta anos. Então, depois de reler o que escrevi lá atrás, achei que estava legal, “leve” (como disse meu filho), mas incompleto. Faltavam datas, nomes, etc. Foi aí que eu recorri à minha irmã. De posse dos dados que ela forneceu, dei uma corrigida e ampliei alguma coisa. Talvez o texto tenha perdido um pouco da “leveza”, mas ganhou em “densidade”. A Física explica...

Deixo claro que mesmo não querendo magoar ou ofender ninguém, o texto pode ter algum deboche e sarcasmo (ironia, não, porque segundo o ator Paulo Cesar Pereio, “ironia é coisa de viado”). Por quê? Porque essa é a minha maneira de ser.

Antes de entrar nas lembranças propriamente ditas, é importante transcrever a relação que minha irmã forneceu. Dois são os motivos para isso: o mais simples (e meio delirante) é que a leitura das datas de nascimento dos tios mais velhos, todas anteriores a 1900, dá até alguma vertigem, ou, se preferirem, é como olhar as ondas de calor que sobem do asfalto em um dia muito quente, criando uma distorção das imagens. O “calor”, nesse caso, seria a passagem do tempo.

O outro motivo, mais reflexivo, tem a ver com uma ideia que me ocorreu recentemente: as pessoas que não estão citadas em livros de história, as pessoas que não tiveram algum destaque maior em vida, as pessoas que, enfim, são a quase totalidade da raça humana permanecem “vivas” enquanto alguém conseguir lembrar-se delas, enquanto puderem ser identificadas por fotos ou documentos.

E lembrar-me dos membros da família de meu Pai é mais do que importante para mim. Porque parte do que sou hoje veio lá de São José dos Oratórios, veio dessa família, de seus costumes, de sua esquisitice, de sua forma peculiar de relacionar-se com o “mundo exterior”.



O irmão mais velho de meu pai chamava-se José, e nasceu em 1892. Morreu com cinco anos de idade, vítima de meningite. Meu pai reproduzia dois casos tristíssimos sobre ele, certamente narrados por um de meus avós. Já doente, no colo de meu avô, pedia algo como -“papai, tira essa dor da minha cabeça! Um dia (provavelmente dias depois), foi chamado para ver uma procissão que passava em frente à casa onde moravam. Não aparecendo, foram procurá-lo e o encontraram de joelhos atrás de uma porta. Perguntado por que estava ali, teria respondido que estava pedindo à Nossa Senhora para que ela o levasse. Teria morrido nesse mesmo dia. Dá para imaginar os sentimentos destroçados de meus avós?

Em 30 de dezembro de 1894 nasceu tio Delvaux (Delvô). O terceiro filho, tio Lourival (Lurinho, para seus irmãos), nasceu em 25 de setembro de 1895.

Talvez tragédias familiares não fossem tão incomuns na transição do século XIX para o século XX, não sei. O fato é que mais uma aconteceu na família. Em 1897 (provavelmente), nasceu Joaquim, o quarto filho de meus avós. Com dois anos de idade, morreu de sarampo. Meu pai, visivelmente emocionado, contava que enquanto vovô levava o filho para ser enterrado, vovó Vita dava à luz o tio Chiquinho. Minha irmã também percebeu essa mesma emoção, o que significa que, para papai a dor não passava fácil, mesmo que ele nem tivesse nascido quando essas mortes aconteceram. 

Em 12 de fevereiro de 1899 nasceu Francisco Augusto, o tio Chiquinho citado. Tia Sinhá (Maria) nasceu em 17 de novembro de 1901. Tio Nhô (Josefino), companheiro de maluquices na infância e irmão predileto de meu pai, nasceu em 27 de novembro. O ano pode ser 1907 a 1909, não há certeza.

“Sô Amintas”, como eu o chamava de brincadeira, nasceu em 2 de novembro de 1911, em pleno dia de Finados. Não tenho dúvida que essa data certamente ajudou muito a moldar a sua personalidade e seu comportamento.  

Tia Neném (Augusta Natalina) nasceu em 25 de dezembro, provavelmente em 1913 ou 1914 (será que nosso filho gostaria de ter no nome o complemento “Natalino” ou Natalício”?). E, por último, tia Zinha (Vitalina), nascida em 8 de  maio de 1916.

(No próximo post encontra-se a explicação para o título deste texto).

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