quinta-feira, 25 de junho de 2015

HOJE EU VEJO QUE ME ACHAVA O CARA

Fuçando backups antigos, encontrei alguns textos escritos há mais de dez anos, quando ainda trabalhava. Um dos significados disso é constatar que eu nem trabalhava tanto assim. Ah, claro! significa também que, aparentemente, eu me achava O cara. Postá-los no blog serve apenas para registro das mudanças de estilo e de mentalidade por que passei desde então.


RAIVA (16/09/2003)
Conheço pessoas que são naturalmente raivosas, enraivecidas. Pensando nisso, fiquei imaginando o que seria a raiva. Seria ela algo como expectativa não realizada, desejo não concretizado, medo não vivenciado? Seria talvez a expressão do contraste entre o imaginado e o encontrado, entre a expectativa e a decepção? Fica o registro de minha perplexidade, mas não sei se há fundamento nisso que pensei.


JUVENTUDE (08/10/2003)
Acredito que novidades, especialmente as tecnológicas, são sempre bem-vindas para os jovens, em qualquer época. Penso ser o fascínio pelo novo uma de suas características mais destacadas. (De nós mesmos, em nossas juventudes). Esse fascínio em nada os inibe. Um dia, ao chegar em casa, deparo-me com meu filho mais velho mexendo dentro do computador. Perguntei se sabia o que estava fazendo e a resposta foi um -“Claro!” alegre e despreocupado. Confirmei depois que ele estava certo.

Os mais velhos – e, quanto mais idosos, mais isso se acentua – têm medo da tecnologia (estou referindo-me à maioria, naturalmente). As traquitanas que vão sendo sucessivamente lançadas no mercado (nos) assustam ou inibem. Os manuais extensos, caudalosos, herméticos são como textos sagrados, precisam de alguém para traduzi-los ou explicar. Os jovens nem usam os manuais, às vezes. Displicentemente, vão na base da tentativa e erro, decifrando a parafernália tecnológica à sua frente. Agora, se você resolve contar algo do seu passado, verá provavelmente um sorriso de ironia ou um ar de desinteresse e impaciência contida surgir. A eles não atrai muito o passado. Especialmente o mais recente e doméstico. Mas penso que isso acontece desde que o mundo é mundo.


ROLHA NA CORRENTEZA (28/10/2003)
Sempre fui movido por uma constante inquietação que me persegue, que nunca dá trégua: como sou visto pelos outros? O problema dessa inquietação talvez resida na crença (ou certeza) de que somos seres mutantes, maleáveis e adaptáveis.

Assim, somos um no seio da família, outro com os amigos e um terceiro no local de trabalho, apenas para simplificar (na realidade, somos um universo). Algumas pessoas acreditam ser as mesmas em qualquer situação. Se, efetivamente, conseguissem isso, penso que seria um desastre.


Na minha modesta opinião, essa equivocada rigidez contraria a capacidade de adaptação que fez o homem – partindo de sua caverna ou árvore – chegar até os dias de hoje. Algumas pessoas dizem – peito estufado de orgulho – que são sempre da mesma forma, íntegras, que nunca mudam. Eu apenas sinto pena disso. Penso que as pessoas integram em si vários comportamentos, de acordo com as circunstâncias. Podem até, eventualmente (ou, na maioria dos casos, quem sabe?), não se dar conta disso. Mas são múltiplas. 

Hoje sei que sou assim. E alegro-me de ser assim. Daí a imagem de “rolha na correnteza” que criei para mim (vou para onde as águas me levam). Estaria essa visão equivocada? Não sei. Apenas digo que a linha que costura esses "pedaços" é a ética, aqui vista também como o respeito pelo universo do outro, do próximo. Acho que é por aí.

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