domingo, 14 de junho de 2015

BIBLIOTECA SAGRADA

Tive um grande amigo que era muito culto e ótimo papo. Um dia, comentou que no início da humanidade, ainda na ausência de escrita, os ensinamentos religiosos eram divulgados oralmente, de forma cantada e cadenciada, para facilitar sua memorização. A explicação me pareceu fascinante, totalmente lógica e, claro, fruto de uma grande cultura. O complicador é que, segundo o ditado popular, "quem conta um conto aumenta um ponto". 

Mesmo tendo o máximo de cuidado na transmissão dos ensinamentos, mesmo cantando, mesmo marcando o ritmo, imagino que muita história, muitos números, muitos ensinamentos sagrados e muitas lembranças foram "atualizados” por diferentes narradores ao longo do tempo. Se pensarmos em textos surgidos há cinco mil anos, aí é que a coisa fica mais complicada. 

Por isso, vejo com muita reticência os textos bíblicos, especialmente os do Antigo Testamento. Sua reprodução ao longo dos séculos certamente deve ter causado várias alterações (bem intencionadas) na forma original, especialmente na fase de transmissão não escrita, oral. Por isso também, quando às vezes leio ou ouço durante a missa algum desses textos, minha vontade é gritar “TRUCO!”, pela total improbabilidade de algum evento ter acontecido tal como está registrado.

Algum tempo atrás, talvez por conta das novelas bíblicas da Record e da divulgação do filme "ÊXODO: Deuses e Reis", fiquei pensando em Moisés e nas “Tábuas da Lei”. Para receber a mensagem de Deus, Moisés subiu ao monte Horeb - ou Sinai, para os íntimos - onde ficou orando (talvez se pudesse dizer "horando") durante “quarenta dias e quarenta noites”, ao fim dos quais desceu com os Dez Mandamentos entalhados em duas placas de pedra. Bacana, não? 

Não! Pelo menos, para mim... Um cara criado na corte do faraó (se essa informação é verdadeira, lógico) devia saber ler, mas talvez não tivesse habilidade com cinzéis, buris, etc. Então, os quarenta dias que Moisés passou orando e jejuando devem ter sido gastos para entalhar o decálogo sagrado. Então, minha viagem é essa e esse é o mote desta gororoba que está sendo lida. 

Como sou católico (nem parece, né?), acredito na origem divina dos ensinamentos religiosos. Mas, caramba, para mim, Deus não precisou por a mão na massa para gravar na pedra o código de conduta que destinou aos judeus!

Outros exemplos bacanas:

O Livro de Mórmon:
Segundo informações extraídas da Wikipédia, O Livro de Mórmon é um "volume de escrituras sagradas comparável à Bíblia" e faz um "registro da comunicação de Deus com os antigos habitantes das Américas" além de "conter a plenitude do Evangelho eterno".
De acordo com o relato do próprio livro, ele foi escrito por muitos profetas antigos, pelo "espírito de profecia e revelação". Suas palavras, escritas originalmente em placas de ouro, foram resumidas por um profeta-historiador chamado Mórmon e por este motivo o livro tem este nome até hoje. 
Estes registros teriam sido mantidos por profetas que viveram entre esses povos, até que Mórmon, um desses profetas, fez uma compilação desses anais num único volume, gravado em placas de metal. Morôni, filho de Mórmon, recebeu essas placas e acrescentou nas mesmas o seu próprio registro, e ocultou-as segundo orientação que acreditava ser divina.
Na narrativa de Joseph Smith Jr, o restaurador da Igreja de Jesus Cristo, apelidada de "mórmon", Morôni visitou-o em 21 de setembro de 1823, instruindo‑o a respeito do antigo registro e da tradução que seria feita para o inglês. Smith também conta que quatro anos mais tarde as placas finalmente lhe foram entregues, traduzindo-as em seguida, acreditando ter auxílio divino.

Bom, aqui cabe uma pergunta: para que "placas de ouro", cara-pálida? Sinal inequívoco da riqueza dos ensinamentos recebidos? O pior da história é que o Joseph Smith não ficou com as placas; devolveu-as ao "anjo". Fala sério, Joe, você poderia ter assumido ser o verdadeiro autor do Livro de Mórmon, mesmo que inspirado por sabe-se lá quem!

O Livro dos Espíritos:
Segundo Allan Kardec (pseudônimo de Hippolyte Léon Denizard Rivail) um espírito o teria escolhido para reunir e publicar os ensinamentos da doutrina espírita, originalmente composta por 501 perguntas e respostas organizadas por ele, a partir de mensagens passadas pelos espíritos a três ou quatro moças adolescentes de uma mesma família.

Universo em Desencanto:
Para mim, esse é o mais bizarro. Minha mulher aprendeu a dirigir com um sujeito que, além de instrutor, divulgava também a "Cultura Racional". Assim, além das aulas de direção, minha Amada recebeu uns panfletos com ilustrações a cores que davam algumas dicas dessa "magnífica" seita ou o que quer que seja. O que chamou mais minha atenção foi um desenho mostrando uma pedra transformando-se em um animal. Preciso dizer mais alguma coisa? Lógico que sim! Saca só:

"Universo em Desencanto é uma obra de 1000 livros com fundamentos centrados nos conhecimentos da chamada Cultura Racional, enviadas por uma entidade denominada Racional Superior, habitante do chamado Mundo Racional" (Olha só, um ET espírita!)

"Esses ensinamentos teriam sido ditados através de seu aparelho, o Sr. Manoel Jacintho Coelho" (sem sacanagem, uma religião criada por brasileiro não passa nenhuma credibilidade!)

"Segundo o livro, trata-se de um conhecimento de retorno da humanidade ao seu "verdadeiro mundo de origem", o Mundo Racional, por meio da uma Energia Racional, que faria a ligação do ser humano ao Mundo Racional".


O que posso dizer, para finalizar essa cascata, é que, aparentemente, os fundadores de algumas religiões e seitas não tiveram peito de assumir que foram eles próprios os criadores dos ensinamentos transmitidos, mesmo que inspirados por Deus, anjos ou, sei lá, até por seres extraterrestres. Talvez intuíssem ou soubessem que "ninguém é profeta em sua própria terra", como disse Jesus (nesse, eu acredito!).

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