Quando estava me preparando para o vestibular
de engenharia da UFMG, uma das matérias que mais gostei de estudar foi Português,
mais especificamente noções de literatura brasileira e origem da língua. Aquilo
era filé para mim. Eu não estudava, eu lia com prazer o material didático fornecido.
E foi assim que fiquei sabendo do jesuíta português Padre Antônio Vieira.
Transcrevendo:
Padre Antônio Vieira é uma das figuras mais importantes da literatura e da história
do Brasil, tendo desempenhado um papel fundamental na formação do pensamento e da
cultura brasileira durante o período colonial. Sua obra literária, marcada principalmente
pelos seus sermões e cartas, é um dos pilares da literatura barroca em língua portuguesa.
E o sujeito era bom mesmo, além de prolixo ao
extremo. Fico imaginando o desconforto das pessoas daquela época ouvindo seus intermináveis sermões,
cheio de citações em latim (que depois traduzia), onde passava a régua nas mazelas da sociedade colonial. Segundo sua biografia, escreveu mais de 200 sermões que, agrupados, resultaram em 16 volumes (hoje, a Igreja Católica chama os sermões proferidos após a leitura dos Evangelhos de "homilias").
O que mais chama a atenção é que numa época em que a Inquisição barbarizava
os judeus, seus sermões abordaram questões sociais e políticas relevantes, tais como a defesa dos direitos dos povos indígenas e a abolição da distinção entre cristãos-novos (judeus convertidos na marra ao catolicismo)
e os cristãos-velhos (aqueles cujas famílias eram católicas há gerações). Essa sua postura desagradou os colonizadores e muitos membros da Igreja.
O jesuita Antônio Vieira defendeu também a abolição da
escravatura, além de criticar severamente os sacerdotes da sua época e a própria
Inquisição (criada e mantida pelos dominicanos, auto-intitulados "defensores da fé"). Em 1665 os inquisidores consideraram as suas proposições "heréticas, temerárias, mal soantes e escandalosas”.
Ficou preso dois anos e foi proibido de ensinar, escrever ou pregar. Fico pensando que se vivesse nos tempos atuais seria chamado de “comunista”.
Transcrevendo: Vieira também é conhecido por sua visão profética e crítica da sociedade.
Em textos como o "Sermão de Santo António aos Peixes", ele critica a corrupção,
a ganância e a hipocrisia tanto dos colonizadores quanto da Igreja. Sua obra é marcada
por uma profunda análise moral e social, que ainda ressoa na literatura e no pensamento
brasileiro.
Voltei a me lembrar dele graças a um trecho do
“Sermão do Bom Ladrão” que alguém publicou
no Facebook. Por ter um caráter atemporal, vou deixá-lo para o final. Antes disso,
transcreverei algumas frases ditas por ele em seus sermões ou nas mais de quinhentas
cartas que escreveu e que foram preservadas. Olhaí.
A natureza e a arte curam contrários com contrários.
Dizem que um amor com outro se paga, e mais certo é
que um amor com outro se apaga.
É o amor entre os afetos como a luz entre as qualidades.
Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor.
No juízo dos males sempre conjeturou melhor quem presumiu
os maiores.
O amigo, por ser antigo, ou por estar ausente, não perde
o merecimento de ser amado.
O amor não é união de lugares, senão de vontades.
O amor que não é intenso não é amor.
O fogo pode-se apartar, mas não se pode esfriar.
O maior contrário de uma luz é outra luz maior.
O tempo e a ausência combatem o amor pela memória, a
ingratidão pelo entendimento e pela vontade.
O tempo é natureza, a ausência pode ser força, a ingratidão
sempre é delito.
O tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe
a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo.
Os olhos são as frestas do coração.
Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo
digere, tudo acaba.
A ausência também se há de definir pela morte, posto
que seja uma morte de que mais vezes se ressuscita.
O livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um
cego que guia, um morto que vive.
Para falar ao vento bastam palavras, para falar ao coração
são necessárias obras.
A boa educação é moeda de ouro. Em toda a parte tem
valor.
Há homens que são como as velas; sacrificam-se, queimando-se
para dar luz aos outros.
Muitos cuidam da reputação, mas não da consciência.
Quem quer mais que lhe convém, perde o que quer e o
que tem.
A ausência é o remédio do amor.
Somos o que fazemos. Nos dias em que fazemos, realmente
existimos; nos outros, apenas duramos.
A nossa alma rende-se muito mais pelos olhos, do que
pelos ouvidos.
A admiração é filha da ignorância, porque ninguém se
admira senão das coisas que ignora, principalmente se são grandes; e mãe da ciência,
porque admirados os homens das coisas que ignoram, inquirem e investigam as causas
delas até as alcançar, e isto é o que se chama ciência.
Amor e ódio são os dois mais poderosos afetos da vontade
humana.
Não há alegria neste mundo tão privilegiada, que não
pague pensão à tristeza.
Não basta que as coisas que se dizem sejam grandes,
se quem as diz não é grande. Por isso os ditos que alegamos se chamam autoridade,
por que o autor é o que lhe dá o crédito e lhe concilia o respeito.
Mais afronta a mesura de um adulador, que uma bofetada
de um inimigo.
Três mais há neste mundo pelos quais anelam, pelos quais
morrem e pelos quais matam os homens: mais fazenda; mais honra; mais vida.
E agora o atualíssimo trecho do Sermão do
Bom Ladrão, causa e motivo deste post:
Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos;
os outros roubam debaixo de seu risco, estes sem temor nem perigo; os outros, se
furtam, são enforcados. Estes furtam e enforcam.