quarta-feira, 11 de setembro de 2024

VELÓRIO HIGH TECH

 
A picaretagem e o interesse puramente comercial tem ajudado a destruir símbolos e significados cultivados e mantidos com carinho. Pude presenciar um exemplo disso durante o velório de um parente de minha mulher.
 
Embora a família tenha um mega jazigo em um dos cemitérios de BH, o desejo expresso de ser cremado levou à contratação de uma empresa especializada em fornecer um combo de Assistência Funerária (ornamentação, coroa de flores, preparação do falecido, traslado do corpo, taxas de velório e cemitério e cremação, etc.).
 
O estranhamento já começou com a duração estabelecida para o velório, de 10h às 13h, pois não faz muito tempo os familiares e amigos da pessoa falecida varavam a noite ao lado do caixão, tendo tempo de sobra para vivenciar sua perda.
 
Hoje a coisa já está na base do cronômetro, como se fosse uma prova de atletismo. Lembrando uma piada dita por um ex-colega, a coisa está mais ou menos assim: “quem beijou, beijou, quem não beijou não beija mais, pois eu já vou fechar o caixão”.
 
Outra coisa que chamou minha atenção foi uma placa indicando a lotação máxima para a capela: 35 pessoas. Por isso, a surpresa foi a “recepção” oferecida fora da capela a quem esteve presente ao velório. Uma boa surpresa, diga-se. Chá, café, sucos de laranja ou de uva, água gelada, pães de queijo, salgadinhos, pães doces com creme, biscoitos, etc. Melhor lugar do mundo para fofocar, rever amigos antigos e encher a pança. Ah, estava me esquecendo do falecido. Ora, foda-se o defunto!
 
Mas o que realmente mais me espantou foi a cerimônia final. Às 13h recolheram o caixão e o levaram para um pequeno auditório, onde foi colocado em uma espécie de mesa elevatória. As luzes foram progressivamente apagadas, enquanto nas paredes apareciam imagens inicialmente estáticas de trigais, que começaram a oscilar suas espigas como se batidas por um vento suave. Paralelamente a isso, frases “consoladoras” no mais puro e previsível clichê iam sendo projetadas nas paredes do auditório.
 
Mas a “melhor” e mais surpreendente parte aconteceu quando um "padre" de feições que eu chamaria de cadavéricas surgiu do nada e começou a falar abobrinhas. A imagem era nitidamente um holograma, pois as mãos pálidas do sacerdote pareciam ser falsas, de brinquedo. O mesmo podia ser dito de seu rosto e suas roupas.
 
Enquanto o “padre” falava, o caixão foi subindo até não ser mais visto, provavelmente prestes a ser levado para o crematório. E aí terminou o espetáculo de mágica, pois o sacerdote evaporou, sumiu de repente e as luzes foram acesas. Estava encerrado o espetáculo.
 
Diante de tantos truques de prestidigitação e picaretagem para emocionar as “almas mais sensíveis”, tive vontade de perguntar:
- “Vocês também ressuscitam o morto?”

8 comentários:

  1. E cervejinha, tinha?
    Agora, falando um pouco sério. Sou ateu, você sabe disso, não acredito em nada de vida após a morte, espírito, essas coisas (não estou dizendo que estou certo, só não acredito), mas até eu acho esse circo todo um descaso, um desrespeito a todo sofrimento e a toda dor pelos quais a pessoa passou quando doente.
    Hologramas de padre... pãããâãta...

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    1. Na hora eu pensei que poderia ser uma cena do filme "Os fantasmas se divertem"

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    2. Pelo que relatou, só o fantasma não estava se divertindo.

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  2. Oi, Jotabê.Tudo bem com você? Meus sentimentos a você, meu caro, que agora fica a refletir e não sabe o que virá nem quando virá, mas sabe que desejar ficar mais um pouco neste lugar.

    Eu me lembrei do velório do meu pai, há quase seis anos, que foi o padrão dos velórios daqui. Parece que aí existem algumas normas diferentes. Aqui não esperam 12 horas para enterrar a pessoa. Apenas algumas horas. Tempo suficiente para as pessoas se despedirem. Meu pai se foi no início da madrugada. Por volta das dez horas estava no velório e foi enterrado às 16h. Foi mais ou menos isso, talvez uma hora a mais.

    Também me lembrei de uma senhora de 106 anos,tia-avó do meu companheiro Ruy. Ela foi cremada e teve uma cerimônia um pouco parecida com essa daí. Parece que esses espetáculos são padronizados. Eu acho legal. Gostaria que fizerem isso no meu, só que vou morrer sozinho e não terei ninguém pra me enterrar, pois, pela ordem da natureza, os outros irão primeiro..

    E velório é pra isso mesmo, pra ver aquela parentela que nunca mais vimos. O último velorio que fui, foi o de uma tia. Um homem ficou conversando comigo, minha irmã e minha mãe por um tempo. Minha mãe, como não tem papas na língua, chegou num momento de perguntar quem era ele, então descobrimos que era um primo meu e de minha irmã, que não víamos há 25 anos ou mais O cara era um boy franzino e sem pelo no saco. Agora eu olhava um homenzarrao robusto feito um touro, fala grossa.

    Eu, minha irmã e minha mãe começamos a rir desenfreadamente. Parecíamos os três patetas.

    Um abraço, Jotabê. Fique bem.

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  3. Jotabê!!!
    Terminei uma leitura
    e comecei outra.
    Enquanto lia ouvindo
    porque uso esse recurso
    eu ria de gargalhar.
    Meu marido perguntou:
    Está rindo de
    que Mulher?
    Eu disse:
    Estou me divertindo
    com a leitura do
    livro do meu amigo
    de Blog.
    Ele disse: Ah tá.
    Vcs são doidos
    mesmo.
    Estou adorando o
    livro A república.
    Abraço
    CatiahoAlc.

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    1. Oi, Catiaho, fico muito feliz que esteja se divertindo com as bobagens que escrevi, mas estou confuso. Eu não publiquei nenhum e-book com o título "A república". Seria por caso o "Confraria da Hienas"?

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    2. Desculpa.
      Escrevi o nome errado.
      Queria muito dizer que lu
      que usei o celular, daí
      não conferi.
      Desculpa.

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