segunda-feira, 23 de setembro de 2024

INVENÇÕES QUE PRECISAM SER INVENTADAS

 
Minha irmã já disse algumas vezes que eu sou um desperdiçado, por ser “multi-talentoso”, já que toco violão, desenho e escrevo. Ela só se esqueceu de que eu toco mal, desenho mal e escrevo mal. Falando sério, isso é coisa de irmã mesmo. Mas o que ela nunca sonhou é que sou também um inventor desperdiçado. Olha esta história:
 
No início da década de setenta, eu e minha Amada estávamos estudando na biblioteca da antiga Faculdade de Filosofia da UFMG, que ficava na Rua Carangola, em Beagá. Aí bateu aquela vontade de fumar (nessa época, eu e ela fumávamos). Não sei bem por que, mas não tínhamos cigarro e não havia lugar perto para comprar. Resolvi fazer uma “inspeção” entre as pessoas que ali estavam, todas elas absortas em seus estudos e leituras. 
 
Lá longe, em uma das extremidades da biblioteca, vi um sujeito fumando (na época, podia). Pelo tipo e pela roupa, tinha cara de universitário pobre e “revoltado com o sistema”. Apesar dessa impressão, não titubeei: cheguei perto com meu melhor sorriso, pedi desculpa por incomodá-lo e perguntei se poderia me dar um de seus cigarros. O olhar que ele me dirigiu foi meio assustador, mas enfiou a mão no bolso e me deu. Era um Continental sem filtro (!!!). Quase recusei, de tão ruim que esse cigarro era. Ainda mais sem filtro. Bom, aí já não tinha mais jeito. Pedi para acender, agradeci imensamente (sou um puxa-saco com pós-graduação) e voltei para junto do meu Amor.
 
Mas não tinha como fumar aquilo: o fumo se soltava e agarrava no lábio, na língua. E como era forte! Aí, me ocorreu uma ideia brilhante: com a ponta do lápis (rombudo), furei alguns buracos ao redor da ponta não acesa. A ideia era de que ao aspirar a fumaça (fumante diz “dar uma tragada”), o ar também fosse sugado através desses buracos, suavizando e esfriando a fumaça. O “projeto” era bom, mas a execução ficou uma merda. Creio que nem terminamos de fumar aquela coisa.
 
Pois bem, o tempo passou e um dia eu vi a propaganda de um novo cigarro (“Charm”, creio que nem existe mais) destinado ao público feminino, que alardeava a elegância de seu formato – mais fino que os demais, mais longo que a maioria e, claro, muito suave. Detalhe: imediatamente após o filtro, havia um “anel” de microfuros, cuja função era a mesma que eu tinha imaginado alguns anos antes para conseguir fumar aquele Continental. Fiquei todo orgulhoso, mas continuei pobre como sempre, pois nunca imaginei que aquela ideia pudesse valer alguma coisa.
 
Mas a coisa não pára por aí, pois tive uma ideia genial que estou pensando em oferecer de grátis para os japoneses, povinho danado de bom para fabricar traquitanas eletroeletrônicas. Quem não se espanta, por exemplo, com a tecnologia "embarcada" em um assento sanitário que só falta jogar talquinho nas partes pudendas do usuário? Fala sério - mesmo que seja um pouco vulgar dizer isso - qual culo não morre de inveja de seus congêneres nipônicos?

Pois bem, a minha ideia é um cortador de unhas inteligente, uma invenção que precisa ser inventada! Hoje em dia,é um sacrifício filhadamãe para mim cortar as unhas dos pés, pois além da coluna que às vezes resolve guinchar, há também uma barreira a vencer, uma barriga de fazer inveja ao Shreck. Por isso, curvar-me para cortar as unhas é tarefa que sempre me deixa ofegante. Ofegante e puto, pois não consigo dar um acabamento decente.
 
Por isso imaginei o cortador revolucionário, que descreverei rapidamente: você enfia o pé na jaca, ou melhor, no aparelho e seus dedos e unhas são escaneados para definir a melhor extensão do corte. Ainda não sei como será feito o corte das unhas ou se elas serão só lixadas (problema dos japoneses!). Mas antes de tirar o pé da “jaca”, seus calcanhares serão suavemente lixados para tirar aquela impressão de que não lava os pés há dois meses.
 
Até já consigo ouvir um sorridente empresário nipônico dizendo

Watashi-tachi wa korekara takusan no okane o kasegu tsumoridesu. Arigatō!
(私たちはこれからたくさんのお金を稼ぐつもりです。ありがとう!)

Que em língua de gente significa:
- Vamos ganhar muito dinheiro com isso. Obrigado!

 

5 comentários:

  1. Fico admirado como cigarro é um item facilmente compartilhado. Um estranho chega e pede um, o cara simplesmente dá. Parece um tipo de compaixão por saber da necessidade do outro. Eu peguei uma era onde fumavam em qualquer lugar, principalmente dentro de casa. Tudo era bem normal a gente criancinha respirando toda a fumaça do pai que descansava na sala com seu cigarro. Numa festinha com parentes, então, era uma reunião de cigarros. Eram outros tempos.

    Na verdade, às vezes a gente tem a capacidade de imaginar coisas e achar que aquilo é um verdadeiro fenômeno que deveria ser patenteado. Mais tarde a gente descobre que esse pensamento também foi o pensamento de vários outros.

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    1. O cortador de unhas foi só para zoar, mas os furos do cigarro foram uma boa sacada.

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  2. Rapaz, que bons tempos quando íamos às bibliotecas estudar...hoje isso se chama ChatGPT. Nunca fumei na vida. Aliás, odeio o cheiro de cigarro. Lá em casa ninguém fumava. Mas eu menino, adorava aquela propaganda do cigarro Malboro com aquele cawboy cavalgando. Cigarro mesmo só botei na boca o de chocolate.
    Tu teve uma ótima sacada com os tais furinhos, mesmo não entendo pra quê ele funcionou. Agora, o cortador de unhas automático, eu tenho certeza que um dia vai aparecer. E tu vai continuar pobre e sem patente.
    Também me diziam que eu tinha talento: para escrever, desenhar e tocar. Escrevo sofrivelmente aceitável, os desenhos de super-herois ficaram na adolescência e o meu violão está largado na minha pequena biblioteca há meses sem ser usado.

    Agora, inventar, nunca pensei em inventar nada. Só causos.

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    1. Ao contrário do Bill Clinton, eu fumava e tragava (lembra desse caso?). E a fumaça aspirada do cigarro sem filtro era forte e quente demais. Por isso, imaginei que se fizesse furos perto da ponta que levava à boca, ao aspirar a fumaça puxaria também um pouco de ar pelos buracos, suavizando e esfriando o que tragava para o pulmão.

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