sexta-feira, 31 de maio de 2024

O PÃO NOIADO DE CADA DIA

 
Tenho acordado por volta de 4:30, 5:00 da manhã. Não conseguindo mais dormir, me levanto e fico aguardando a padaria perto da minha casa abrir. Ela abre às 6:00. Mesmo que distante apenas duas quadras de minha casa, normalmente vou de carro, por receio de moradores de rua sob efeito de drogas, os “noiados” que têm proliferado na região, provavelmente em função de um ponto de venda de crack na “comunidade” próxima ao bairro onde moro. Aliás, “comunidade” e “próxima” são eufemismos para designar uma favela que cresceu em um dos limites oficiais do bairro, em torno de uma pedreira, em uma encosta íngreme, daquelas de deixar qualquer cabrito feliz.
 
Outro dia, desci do carro sem perceber que já estava na mira de alguém. Tentando não manter contato visual, percebi que era uma mulher jovem muito magra, com jeito de consumidora de drogas, trajando um vestido estampado mais curto do que suas pernas magras poderiam pedir, talvez fruto de uma doação de alguém mais baixo que ela.
 
Estava com uma caixa de bombons Garoto em uma das mãos. Tentei me esquivar de sua aproximação dando a volta no carro, mas ela me seguiu e me abordou:
- Bom dia, meu nome é Celeste e estou vendendo esses bombons a R$2,00 cada um para me sustentar, porque estou em situação de rua.

Comentei com ela que infelizmente há cinco meses não entro em banco para sacar dinheiro e que todas as compras – inclusive o pão matinal – eu compro com débito em conta. Deu um sorriso entre irônico e desalentado e já ia se afastando, quando eu perguntei:
-Você já tomou café hoje?

Hesitando um pouquinho, ela disse que não.
- Se você quiser, posso lhe pagar um café com leite e um pão com manteiga.
 
OK. Solicitei que entregassem a ela o lanche prometido.  Curiosamente, ao contrário dos miseráveis que aguardam do lado de fora da padaria para que o balconista lhes entregue o lanche pago por mim ou por outra pessoa, talvez por não estar vestida de andrajos, ela entrou e acomodou-se entre os clientes que já estavam tomando seu café.
 
Paguei a minha compra e antes de ligar o carro vi que ela tinha saído sem terminar de lanchar. Foi andando com a caixa de bombons, com o pão e o copo de café com leite, fazendo-me pensar que talvez estivesse pouco à vontade ao lado dos demais clientes ou sentindo-se inferiorizada pelos olhares de reprovação dos funcionários da padaria.
 
Essa situação me fez pensar em "resiliência", palavra da moda usada indistintamente para indicar a capacidade de resistir, lidar e superar adversidades. Seu uso está tão comum que às vezes tenho a impressão de que deve estar sendo usada até por quem suporta o incômodo momentâneo de uma unha encravada ou dor de dente.
 
Mas, no caso dos moradores de rua, dos mendigos, daqueles que perambulam sem destino e sem esperança pelas ruas, daqueles que dormem em cima de um papelão, não dá para dizer que são resilientes. Para mim, o que eles apenas sentem por sua situação miserável, por sua miséria total é resignação. Então, precisamos nos lembrar de que quando usamos a palavra da moda para descrever a capacidade de suportar adversidades, talvez estejamos muitas vezes querendo dizer apenas isto: resignação.

 

 

7 comentários:

  1. Um dia, quando você estiver sem nada na vida e pedir um trocado pra se alimentar, talvez saberá o que essa mulher sentiu quando o homem que você abordar colocar você dentro de um local em que não se sentirá bem mas será obrigado a beber e mastigar alguma coisa para continuar de pé horas e horas.
    Ah, esse dia nunca chegará, da mesma forma que você nunca saberá classificar a palavra certa para a situação dela, pois o lugar em que ela está é só dela (ainda bem). E os termos de moda que os outros dizem ou escrevem também dizem respeito a cada um de acordo com a vida, o produto e o público que têm.
    Você nunca saberá o que é estar num lugar sendo olhado como uma barata, vez que é privilegiado. Você nunca saberá que não estará fazendo um bem maior à sociedade nenhuma ao dar esmolas a quem pede, mas, já que gosta de ajudar, que dê o que a pessoa peça. Se ela quisesse um café, pedir-lhe-ia o café. Se pediu dinheiro, dê o dinheiro. Daí a César o que é de César.
    Que mania que os burgueses têm, de impor condições para "fazer uma boa ação " onde faz a pessoa ter que se adaptar a ela.
    Resiliência é um termo que vocês burgueses podem usar como lhes for conveniente, uma vez que nós pobres nos identificamos mesmo é com o termo jogo de cintura. Assim está mais apropriado à Vossa Realeza?
    Não se zangue. Parece que sim, mas este é um comentário observador, analítico, e não inquisidor. É limpressionante como os ricos têm coisas naturalmente diferentes no comportamento e não se dão conta disso.
    Não se iluda. Passei por aqui hoje. Não sei quando volto, nem se volto. Mas leio com frequência o Marreta (não os comentários que deixam lá).
    Não sei porque homossexuais têm uma necessidade de serem aceitos em uma religião. Acho o Papa Francisco uma boa pessoa como ser humano que têm suas falhas, como todo mundo, e não preciso do sacerdócio que envolve ele pra nada. Acho que daria umas risadas querendo que ele me fale da tal viadagem que ele não gosta, porque eu sei que ele não falaria nada para me deixar chateado, mas falaria dos outros, pois a gente sempre fala dos outros quando a pessoa está ao nosso lado e não pode ser ela o assunto a ser falado.
    Um abraço ❤️

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    1. Só duas correções: eu não dei dinheiro porque não ando com dinheiro (pago até R$1,00 com cartão de débito) e eu não disse para ela entrar na padaria para lanchar, ela entrou porque assim quis. Eu apenas registrei a situação de que participei. Só errei ao voltar a publicar no blog, porque eu disse que daria um tempo para me dedicar à vida real.

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  2. Sinto lhe informar, mas o Blogson já faz parte da sua vida real. Assim como o Marreta da minha.

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    1. E, acho que você tem razão. Ele é como o Alien, entrou e está dentro do meu organismo. Falar nbiddo, como está o astral? Melhorou?

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  3. Ontem, fez um exato mês que estou na Diretoria de Ensino. Mantive a medicação na primeira semana e a partir da segunda parei por conta própria, já são 20 dias sem o remédio. Não sinto mais nada daquela, angústia, daquele nó no peito. Parece que eu nunca nem precisei dos remédios.
    Claro que uma leve tristeza, um desânimo, ainda tenho, mas isso sempre foi um traço meu. Por ora, o novo trabalho, embora burocrático, repetitivo, tem me feito bem.
    E tem vídeo novo .
    https://m.youtube.com/watch?v=rEUvE3tjLTs

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    1. Fico feliz com isso, mas seu vídeo não está mais disponível.

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  4. Tente lá de novo.Tive problemas com censura do You Tube. Mais tarde escreverei no Marreta dando detalhes.
    https://www.youtube.com/watch?v=rEUvE3tjLTs

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