quinta-feira, 23 de maio de 2024

PRISÃO DOURADA

 
Por conta de um comentário feito pelo excelente poeta português Ryk@rdo no post "ECA!", resolvi expandir o que seria minha resposta e transformá-la em nova publicação, seguindo a trilha de Lavoisier quando disse: "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".
 
A história é a seguinte: por morar em uma rua que dava acesso a bairros mais distantes, uma rua com grande movimento de bicicletas, ônibus, automóveis, bondes (creio que em Portugal são chamados de “elétricos”) e pessoas indo ou voltando a pé do trabalho, meus pais morriam de medo que acontecesse alguma coisa  comigo. Por isso, fui mantido "prisioneiro" dentro de casa até os onze anos de idade. Só podia brincar com meu irmão e com dois primos que semanalmente visitavam meus avós. A alternativa a isso era buscar diversão em outra família: os personagens dos livros infantis escritos por Monteiro Lobato.
 
Na companhia de Dona Benta, Pedrinho, Narizinho, a boneca Emília, da quituteira Tia Nastácia e do Visconde de Sabugosa – um sabugo de milho que usava cartola, eu viajei pela Via Láctea, visitei a Grécia antiga e sua mitologia, morri de medo do Saci e da Cuca, tive aulas de história, geografia, português, matemática e noções sobre exploração de petróleo, e delirei com a reforma da Natureza e com o fim das guerras provocado pelo encolhimento das pessoas.
 
Esse universo riquíssimo e divertido foi descortinado através da leitura de dezenove livros originais, três recriações de histórias mundialmente conhecidas e seis traduções de fábulas de Esopo e La Fontaine. Só para registro, os 22 que li durante minha “prisão dourada” são estes: Reinações de Narizinho, Viagem ao Céu, O Saci, Caçadas de Pedrinho (o primeiro livro que li, talvez com sete anos), Hans Staden, História do Mundo para as Crianças, Memórias da Emília, Peter Pan, Emília no País da Gramática, Aritmética da Emília, Geografia de Dona Benta, Serões de Dona Benta, História das Invenções, Dom Quixote das Crianças, O Poço do Visconde, Histórias de Tia Nastácia, O Picapau Amarelo, A Reforma da Natureza, O Minotauro, A Chave do Tamanho, Fábulas e Os Doze Trabalhos de Hércules (em dois volumes).
 
Para mim, indiscutivelmente, os melhores são O Saci, A Reforma da Natureza, A Chave do Tamanho e os que me apresentaram à mitologia grega: O Sítio do Picapau Amarelo, O Minotauro e Os Doze Trabalhos de Hércules. Mas, talvez, o de maior significado para mim seja O Poço do Visconde, por trazer logo na folha de rosto esta dedicatória:
AO QUERIDO FILHINHO JOSÉ O PAPAI OFERECE ESTA LEMBRANÇA
 28-10-59
 AMYNTHAS

Eu tinha apenas nove anos...

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