quinta-feira, 9 de maio de 2024

A MÃO DE DEUS

Há muito tempo não tenho uma boa história ou um caso para contar, mas ontem aconteceu uma situação tão improvável, tão inesperada que achei que deveria contá-la aqui no blog, mas, primeiro, preciso definir o cenário.
 
Muitos dos bairros mais antigos de BH surgiram a partir das antigas colônias agrícolas previstas no plano diretor original, áreas destinadas a abastecer de produtos hortifruti-granjeiros a nova capital do estado. Esses terrenos foram progressivamente transformados em bairros fora da área delimitada pela Avenida do Contorno. Isso significa que as moradias originais eram mais simples e de arquitetura menos rebuscada do que as casas da “elite” descritas por Pedro Nava em seu livro “Beira Mar” (que ele chamou de “sinfonia mineira”). Os moradores desses bairros tinham a simplicidade de suas casas. E é aqui que começa este passeio pelo inesperado, pelo inusitado.
 

Santa Tereza, o bairro mais boêmio de BH é também um dos mais antigos. Mesmo já tendo sido mordido pelo avanço da exploração imobiliária ainda tem muitas casas antigas habitadas por sucessivas gerações de moradores. Com o falecimento dos antigos moradores e a venda dos imóveis por seus descendentes, várias dessas casas têm sido demolidas para dar lugar a modernos, luxuosos - e caros - prédios de apartamentos.
 
Pois bem, o caso que quero contar aconteceu com um desses imóveis e com a família que nele morou por mais de cinquenta anos. Em uma casa vizinha à nossa morava uma família de cinco pessoas. No terreno enorme existiam também algumas edículas, construídas par aumentar a renda da família com seu aluguel. Com o falecimento do proprietário e o avanço do Alzheimer sobre sua esposa os filhos resolveram vender o imóvel, rapidamente adquirido por uma construtora, atraída por seu lote de 600 m². Pouco tempo se passou para que todas as edificações existentes fossem demolidas e a construção de um novo prédio fosse iniciada.
 
Mesmo não morando mais conosco, nosso filho mais novo utiliza nossa casa para trabalhar no regime “home office”. Ontem, na parte da tarde, avisou que iria à sua casa, mas voltaria. Ao voltar, falou conosco que a antiga vizinha estava lá fora, na rua. Como assim? Já sofrendo de Alzheimer, ela  tinha sido levada para um asilo por seus filhos, depois da venda do imóvel. Minha mulher, muito mais proativa que eu, disse para ligar para o filho da idosa e para trazê-la para dentro de nossa casa.
 
O filho entre apavorado e aliviado pediu para que eu “a segurasse”, que não a deixasse sumir. Fui até a rua e encontrei a antiga vizinha com uma moça ao lado, conversando com o encarregado da obra. Chamei-a pelo nome, ela sorriu e eu a convidei para esperar pelo filho em nossa casa.
 
Ela estava com ótima aparência, bem vestida, mas visivelmente confusa, misturando a realidade com antigas lembranças. Comecei a perguntar para a moça que a acompanhava o que tinha acontecido e o novelo que se desenrolou era de deixar qualquer um de queixo caído.
 
Para começar, a moça não a conhecia. Disse ser cozinheira diarista e que estava a caminho da casa de alguém para preparar sua alimentação. Estava no Buritis, bairro do outro lado da cidade e chegou a pensar em pegar um Uber, mas surgiu um ônibus que a deixaria perto do endereço para onde estava indo. E essa foi a primeira coincidência.
 
Logo que entrou no ônibus notou que alguma situação anormal estava acontecendo: uma idosa com visível confusão mental dizia que tinha esquecido a bolsa na casa do filho e que precisava voltar para lá. Motorista e passageiros chegaram a pedir ajuda à Polícia Militar, mas um policial informou nada poder fazer por esse ou aquele motivo.
 
Foi aí que essa moça – um anjo real que não tinha nada a ver com a história, que estava indo para o trabalho, que tinha deixado de pegar um Uber para pegar aquele ônibus – disse que cuidaria da idosa desconhecida e que tentaria resolver seu problema, pois o endereço informado pela idosa ficava em Santa Tereza, bairro vizinho àquele para onde estava indo.
 
Dito isso, desceu do ônibus com a idosa, chamou um carro de aplicativo e deu o endereço informado pela idosa que encontrou no ônibus. Para sorte de todos, a nossa antiga vizinha informou corretamente o endereço, mas não o da casa de onde tinha saído. Ela queria voltar para a casa onde tinha vivido durante mais de cinquenta anos e que nem desconfiava ter sido demolida.
 
Com a chegada do filho, ficamos sabendo o resto da história. Ele tinha acabado de voltar para BH há poucos dias e resolveu tirar a mãe do asilo e levá-la para morar com ele. Por ela já não estar reconhecendo sua esposa, dizia que queria voltar para casa. Por precaução, a nora tirou a chave da porta da rua e a deixou em cima de algum móvel. A Aparecida descobriu a chave, abriu a porta e saiu. Na portaria do prédio encontrou um morador, que não sabendo de sua demência, a deixou sair. Ficamos sabendo também que ela poderia ter entrado em outros ônibus, com destino a outros bairros, nenhum deles perto do bairro onde moramos.
 
E terminamos este caso voltando agora ao nosso filho. Ele nunca sai à tarde para ir aonde mora, mas ontem saiu e na volta encontrou nossa vizinha praticamente em frente à nossa casa. Diante de tantas coincidências os ateus poderão dizer que são apenas isso – coincidências. Mas para aqueles que têm alguma fé essa senhora certamente foi amparada pela mão de Deus.
  

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