domingo, 30 de julho de 2023

ELE VOLTOU

 
Ele voltou! Pois é, ele voltou, ou melhor, reapareceu. Mas não voltou como o personagem da música do Nelson Gonçalves, pois não parece ser boêmio. Talvez goste de umas escapadas, mas não chega a ser boêmio. Sua praia mesmo é a sedução, pois é um grande sedutor, naturalmente sedutor, sem forçar nada. E isso talvez explique a quantidade de corações que parece ter conquistado em sua última escapada.
 
Se você ainda não percebeu, estou falando do cachorrinho perdido que me cativou tão logo o vi. Hoje, bem cedo, novamente passei de carro na ruazinha onde o tinha visto pela última vez. Naquele dia, depois de uma desabalada corrida feita quando meu carro entrou na ruazinha deserta e demonstrando estar com medo de alguém ou alguma coisa, espremeu-se entre as barras enferrujadas do gradil de um prédio vazio para se proteger.
 
Esse imóvel é um prédio imenso, de três andares, que abrigou uma empresa estatal de processamento de dados. Em algum momento e por algum motivo, talvez por ter sido extinta ou remanejada, essa empresa deixou o prédio entregue às moscas, vazio. Posteriormente, talvez em decorrência de um processo qualquer de privatização ou desalienação de ativos, esse imóvel foi adquirido por uma empresa que pretendia instalar ali um grande posto de saúde. Aparentemente essa ideia foi para o espaço, restando apenas o elefante branco com vigias. E foi aí que o cachorrinho encontrou abrigo.
 
Hoje, bem cedo, ao passar na frente do imóvel vi que um vigia, provavelmente em fim de turno, estava trancando o portão. Para minha surpresa, parado em cima de uma laje que cobre o acesso para o andar que fica abaixo do nível da rua, lá estava o cachorrinho. Agora com sinais inequívocos de que tinha sido acolhido por algum dos vigias ou até mesmo por todos eles, pois estava com um desses agasalhos que alguns proprietários vestem seus animais em dias muito frios. Além disso, usava um cone de plástico no pescoço, normalmente utilizado para impedir que o animal possa lamber ou morder algum ferimento que porventura tenha sofrido (talvez daí a origem do medo apresentado anteriormente).
 
Fiquei feliz por saber que encontrou abrigo e cuidados que um cão de rua não tem. Entretanto, se ele conseguiu ser adotado, quem acabou se sentindo órfão e abandonado fui eu, na certeza de que nunca mais terei a chance de levá-lo para nossa casa.
 
Mas a vida parece ser assim mesmo - às vezes percebemos que por mais que queiramos ou tenhamos vontade ou algum desejo, nunca conseguiremos alcançar nem obter o objeto de nosso interesse, desejo ou obsessão, seja ele um amor, uma paixão, um automóvel, um endereço, um número de telefone ou qualquer coisa assim.  
 
Não posso mais alimentar a ilusão de um dia vê-lo brincando no quintal de nossa casa. Por isso, essa história termina aqui. Adeus, cachorrinho.

 

5 comentários:

  1. Que bom que ele encontrou quem lhe escolhesse. Uma sugestão: adote um cãozinho, de preferência uma fêmea que, além de mais carinhosas, não ficam minando pelos cantos da casa. Até o fim do ano passado, nunca tinha imaginado ter um cão em casa e, hoje, apenas seis meses depois, é difícil imaginar a casa sem a Pandora. Não tem como ficar sozinho com ela em casa, ela está sempre querendo brigar, ficar perto. Pense no assunto, uma raça pequena.

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    1. Já tivemos uma cofap aqui em casa, todo mundo chorou quando foi sacrificada (ninguém disse para tomar uma vacina que nunca tomou. Ficou praticamente cega, descadeirada. Minha mulher tinha paixão por ela. Mas justamente no estágio atual, não dá para ter cahorro aqui em casa. Por isso eu disse que se pudesse teria pego o cachorrinho.

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    2. O correto é pegado, apesar da forma "pego" parecer até mais culta, ela não existe. Surgiu por analogia ao verbo pagar, que aceita as duas formas, pago e pagado.
      Caprichos da última flor do Lácio, inculta e bela.

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    3. Vai ser "erúdito" assim lá longe, trem!

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