sexta-feira, 21 de julho de 2023

HOMENAGEM - FÁBIO LEITE ROCHA


Tenho andado com vontade de escrever sobre minha experiência, ou melhor, meu contato com a psicanálise em virtude do stress monumental que tenho vivido. Esse stress em grande parte é fruto de sono diariamente interrompido a cada uma ou duas horas.

E falar dos dois anos e pouco em que fiz terapia individual, de divã e, na sequência, de grupo, obrigatoriamente me levaria a falar do psiquiatra que me atendeu. Por isso, para subsidiar meu texto mambembe a ser ainda escrito busquei seu nome na internet e achei não só um blog que manteve até os 88 anos como uma homenagem póstuma feita a ele por um de seus ex-discípulos (eu sabia que ele era super conceituado em sua área, só não sabia ser tanto assim).
 
Num primeiro momento, pensando em enviá-lo para uma jovem psicóloga que conheço, copiei todo o (longo) texto. Mas achei tão interessante que resolvi publicar alguns trechos da palestra aqui neste blog onde faço “blogoterapia” desde 2014. Coincidentemente quase o ano em que ele faleceu. 

Por estar vivendo essa situação angustiante resolvi mergulhar de cabeça no universo da piração e do delírio. A forma encontrada foi promover no blog uma dupla quinzena "psiquiátrica", uma "mensalada", dedicando os posts dos próximos trinta dias a assuntos relacionados às falhas da mente, apagões, burnout, neuroses, psicoses, esquizofrenia, etc.

Resolvi também movimentar para os dias de hoje piadas, contos, poemas e diálogos inspirados nos consultórios de psicologia (mesmo que me sinta intimamente violentado ao fazer essa migração, pois eu tenho TOC!). Achei pertinente chamar esse período de "mensalada", ou, mais adequadamente, de "Mens Salada Paprocki" (que começou ontem). Acho que ficou bom o jogo de palavras, pois os textos migrados formam uma verdadeira salada de estilos e autores. (Gostou, Marreta?)

Acho que o Paprocki merece minha gratidão e reconhecimento mesmo que tardio, pois em 1974, sem falar nada com ele resolvi "me dar alta" da terapia, já que estava trabalhando fora de BH e não tinha mais tempo para continuar. Nessa época ele devia estar com uns 50 anos.  Olha ele aí em foto de 2002, quando já estava com 77 anos:




 

Paprocki formou várias gerações de psiquiatras. Tinha bons amigos. Ter sido convidado para dizer essas palavras de adeus é, para mim, um privilégio, uma grande honra e motivo de muita emoção.
Esteve presente em minha vida por 36 anos. Tenho 60. Isso significa que vivi a maior parte de minha vida tendo-o como referência. Foi meu professor, terapeuta, orientador, inspirador, coautor de publicações científicas e um grande amigo. Foi o meu padrinho na entrada para esta Academia.
Ainda estudante de medicina, na primeira metade dos anos 80, já namorando a ideia de ser psiquiatra, ouvia muito falar do grande Mestre. Entretanto, eu ainda não compreendia a sua enorme importância.
Essa importância foi resumida por um dos seus discípulos com a frase: A História da psiquiatria mineira divide-se em antes e depois de Paprocki.
De fato, Paprocki é considerado o patrono da psiquiatria moderna em nosso meio. Foi seu agente modificador histórico. Mudou a trajetória da psiquiatria mineira, a partir do final da década de 60, com sua atuação na direção do Hospital Galba Veloso. Em 1968, fundou a primeira residência de psiquiatria de Minas Gerais. Transformou o Galba em centro de excelência em assistência, ensino e pesquisa. Instituiu o primeiro serviço de psicologia em hospital psiquiátrico no Estado, o primeiro serviço de praxiterapia, o primeiro hospital psiquiátrico com portas abertas e o primeiro ambulatório vinculado a hospital psiquiátrico. Isso significa que Paprocki foi precursor da Reforma da Assistência Psiquiátrica, muito antes do tema chegar em nosso meio. Além disso, implementou um centro avançado de pesquisa em psicofarmacologia clínica que obteve reconhecimento internacional.
(...)
Ressalte-se que, por vários anos, ele foi o único psiquiatra brasileiro a ser referenciado em manuais internacionais de psicofarmacologia. Foi autor de grande número de artigos científicos, publicados em revistas nacionais e internacionais.
Toda essa revolução comandada por Paprocki representou o fim da formação autodidata de psiquiatras em nosso meio e o início da formação institucionalizada.
(...)
Paprocki tinha várias qualidades. Era excepcionalmente inteligente, tinha memória prodigiosa, era muito perspicaz, possuía cultura ampla, era muito estudioso, possuía grande generosidade e cordialidade, era carismático e dono de um humor fino incomum.
Quando comentava com ele sobre algumas dessas suas qualidades, muitas vezes dava crédito às suas origens. Paprocki nasceu em Lublin, na Polônia. Veio para o Brasil aos 13 anos, com sua família.
Quando eu o elogiava em relação à sua generosidade, falava do costume polonês de, na ceia de Natal, deixar uma cadeira desocupada à mesa para “alguém que chegasse inesperadamente”: um viajante, um amigo ou um familiar que batesse à porta. O gesto simboliza a tradição polonesa de hospitalidade e de inclusão.
(...)
Sobre a sua vasta cultura, dizia que o seu pai era um leitor contumaz, que sempre incentivava o hábito da leitura.
Paprocki não envelhecia. Morreu jovem aos 89 anos. Uma idade em que muitas pessoas já encaram o controle remoto da televisão como um painel de Boeing 737. Paprocki tinha o seu computador, o seu tablet  e o seu smartphone. De vez em quando, me mostrava algum aplicativo interessante que havia descoberto. Mais que isso, exemplo de sua juventude, Paprocki lançou em outubro de 2014, no ano passado, aos 88 anos, o seu blog, onde postava textos, suas aulas e notícias médicas. Entre várias preciosidades, com seu humor peculiar, escreveu suas “Sugestões para Médicos com Menos de 65 Anos que Aspirem Envelhecer com Elegância e Dignidade”.
Na introdução, dirige-se aos médicos: “Durante o seu curso médico você adquiriu, presumivelmente, excelentes conhecimentos médicos, bom adestramento técnico e noções de ética. As faculdades de medicina somente propiciam ensino profissionalizante. Não propiciam um aculturamento amplo e, tão pouco, ensinam boas maneiras e bom gosto. Se você não foi orientado por seus pais ou outros mentores, quando criança e adolescente, possivelmente permaneça como entrou na faculdade, isto é, habitualmente inculto, rude e com gosto duvidoso, ainda que com excelente qualificação profissional.”
Paprocki continua: “A seguir são enumeradas algumas atividades que poderão ajudá-lo a superar certas dificuldades no plano de aprimoramento social e cultural.” Selecionei alguns trechos:
(...)
Evidentemente, Paprocki seguia suas próprias recomendações. Seu hobby era a pintura.
Contava que sua atração pela pintura surgiu ainda na adolescência. Chegou ao Brasil aos 13 anos de idade. O seu pai era fotógrafo profissional. Acompanhava-o em sessões fotográficas e ajudava-o a retocar as fotos. Essa atividade levou-o a estudar desenho. Mais tarde, passou para a pintura.
E para não perder o bom humor, brincava: “Quando os pacientes pararem de me procurar no consultório, vou me tornar pintor na “Feira Hippie” de Belo Horizonte; vou pintar minhas telas ao ar livre”. E completava: “Quem comprar uma tela, ganha uma consulta grátis”.
(...)
Extremamente cuidadoso com seus pacientes, preparou uma síntese da história psiquiátrica de cada um daqueles em tratamento com ele para que, após o seu falecimento, a continuidade do tratamento se desse sem maiores transtornos. Tenho recebido vários desses pacientes. Todos falam dele com carinho e gratidão.
(...)
Foi um profissional diferenciado, um farol que iluminou direta ou indiretamente várias gerações de psiquiatras. Na realidade, Paprocki iluminou a própria Psiquiatria.
A mim, iluminou a minha vida, com uma luz que não se apaga.
 
Emocionante! Obrigado, Paprocki, obrigado, Dr. Fábio Rocha

 

3 comentários:

  1. Achei bem legal uma temporada de posts psiquiátricos. Será que o Paprocki ainda tem filhos vivos? Tenho certeza que eles gostariam muito se ler suas homenagens a ele.

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    1. Parece que tem, mas não creio que curtissem o que vai sair, pois é uma salada de de abordagens diferentes, com poemas, diálogos de spamtar, contos, viagens na maionese, etc. Muitos textos são praticamente transcrição das memórias que tenho dessa época. Mas foi legal juntar tudo em um mês, com republicação de um post a cada dois dias. Lembra de um que falava dos loucos arrancando os dentes? Está no pacote. E a referência explícita ao Paprocki está nos dois textos que encontrei na internet e o penúltimo, que contará minha experiência dentro de um consultório deitado em um divã e com um grupo de malucos (te lembrou alguém?)

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    2. E, sem sacanagem, o que mais gostei foram os jogos de palavras que imaginei, como o "Mens Salada".

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MARCADORES DE UMA ÉPOCA - 4