Em março de 2017, pensando nas pessoas com quem convivi até 1994 na empresa onde mais gostei de trabalhar, resolvi usar o Facebook para encontrar essa tchurma. Na verdade, eu não queria manter nenhum contato, pois sou um ogro. Queria apenas ver como estão hoje. Sado-masoquismo visual, se me entendem. Achei alguns, surpreendi-me e até me horrorizei com as imagens daqueles que não as bloquearam (tempus fugit!). Mas de um, particularmente, eu queria ter notícias, pois foi talvez a pessoa que mais me influenciou com suas maluquices, seu comportamento excêntrico que beirava a insanidade.
Mesmo que na ordem cronológica correta devo ter ouvido este caso quando já tínhamos mais intimidade. O Orozimbo nasceu no sul de Minas, se não me engano. Disse que um dia, na comemoração de seu aniversário, um amiguinho chegou com uma galinha viva. Recusou-se a aceitar o “presente”. Como o menino talvez insistisse, pegou a galinha e a atirou pela janela (só não tenho certeza da altura da queda da “penosa”).
Outra herança da cidade e que eu achava muito estranha era o fato de dizer “guspir” em vez de “cuspir”.
O Orozimbo tinha uma capacidade absurda de mostrar o real significado de alguém através dos apelidos que colocava, mais pegajosos que chiclete em passeio público, pois grudavam de forma definitiva, Lembro-me de três criados na época da licitação de Angra 3. Uma das exigências do edital era ter a consultoria de empresa que já tivesse construído uma usina nuclear. No Brasil só a Odebrecht podia exibir esse know-how, mesmo que a tecnologia da usina vagalume de Angra 1 fosse americana, diferente da tecnologia alemã de Angra 2 e 3. O primeiro passo foi encontrar uma empresa estrangeira que se dispusesse a entrar nessa canoa com a “Gatona”. Para encurtar a conversa, uma construtora alemã aceitou a parceria e enviou dois engenheiros para o Brasil. Um deles falava espanhol, pois era o gerente da empresa para a America Latina. O outro, só na base do heinsbein, as aftas ardem e doem, coisas assim, só no alemão.
- Você não sabe quem é o Ventania? É o consultor da garantia.
- Por que Ventania?
- Esse cara só está vendendo vento, e vendendo caro! E o Zé Antônio (o gerente) está em órbita, pois ele acha que esta empresa fará tudo o que estão dizendo. Pior é que não é uma órbita perfeita, porque o vento soprado é muito forte.
- Você que é bom em desenho podia desenhar essa situação. Olha só, o planeta é a empresa. O satélite em órbita é o Zé Antônio. Aí você faz uma órbita ondulada para ele, porque o Ventania está atuando.
- Então, apesar da garantia, a brita do segundo monte é pior, porque na movimentação de um lado para o outro, o equipamento raspa um pouco o chão e leva terra junto com a brita!
Às vezes ele comentava que a empresa só crescia à noite, quando não tinha ninguém para atrapalhar. Como "ninguém", entenda-se: diretores e gerentes. Um dia, a propósito de mais uma maluquice ligada à proposta em elaboração, comentou que o "Hélice" devia estar girando muito. Já imaginando alguma sacanagem, perguntei de quem estava falando.
- Você não sabe quem é o Hélice? É o "Sô Arcindo"! Toda vez que alguém faz uma burrada na empresa ele dá um giro dentro da sepultura. Ultimamente, deve estar sendo usado como ventilador pelos "morto".
Só para completar este tópico, lembro a discussão semântica sobre o uso das preposições "de" e "do" na área da qualidade. O gerente Zé Antônio era enfático e professoral ao “exigir” seu uso correto.
- Ô Zé, não se pode dizer “garantia de qualidade”?
- É claro que não! O correto é dizer “Controle de Qualidade” e “Garantia da Qualidade”!
Outra lembrança desse sujeito era sua capacidade de fazer humor só alterando palavras ou usando nomes próprios para criar verbos. Um dia ele chegou à porta da minha sala e perguntou o que eu estava embotelhando (ou botelhando). Achei graça da maluquice, mas daí uns dias até o diretor me perguntou entre risos o que eu estava botelhando. Foda!
- "João Batista, é?", foi a reação que teve. Mas deve ter gostado da comparação, pois um dia, à porta de minha sala, disse que estava "joãobatistando" alguma coisa.
Às vezes ele gostava de provocar os gerentes que iam à sua sala com alguma pegadinha. Um dia ele montou uma matriz de terceira ordem e perguntou a um gerente que ele considerava muito burro como calcular aquilo (o determinante). A resposta só confirmou a avaliação que fazia do sujeito:
- Ah, eu não lembro mais como se calcula um “discriminante”.
Esse episódio me foi contado entre risos.
Nosso diretor técnico era um gênio da engenharia, o melhor engenheiro que tive a oportunidade de conhecer, pois aliava o conhecimento prático obtido na supervisão de obras com uma bagagem teórica riquíssima e uma inteligência privilegiada. Por isso, o Orozimbo guardava em uma “pasta tipo Ivan” tudo o que ele escrevia ou tinha inventado e patenteado ou estudado. Um desses guardados era um sofisticadíssimo estudo teórico para o funcionamento de um mineroduto. Coisa de gênio mesmo.
-Teste para diretor! Se você conseguir resolver esta equação você pode ser diretor.
- Então eu sirvo para diretor!
- É claro que você sabe, foi você que fez esse estudo!
Às vezes eu me perguntava se o Orozimbo não seria autista ou esquizofrênico, porque 100% normal não podia ser, não parecia ser – apesar da impressionante lucidez e clareza de seu raciocínio. Esse caso me foi contado por quem quase morreu de susto (maneira de dizer!) com a reação do “Oroz”. Esse colega tinha acabado de ser transferido para nosso setor e recebeu um edital de uma licitaçãozinha para trabalhar. Não me lembro se era da Vale ou da Petrobrás. O Orozimbo já não era mais o gerente, creio que já ocupava o cargo de diretor técnico adjunto. Cumprimentou o novo colega e perguntou que estava fazendo. Ao saber da nova licitação, pegou o edital e perguntou:
- Sabe o que deveria ser feito com esse edital?
E imediatamente o
arremessou na lata de lixo, diante do olhar espantado do colega. E continuou
exaltado:
- Sabe o que a empresa deveria fazer? Pegar todos os catálogos telefônicos e arrancar deles a página onde tiver o endereço da Vale (Petrobrás?), para ninguém nunca mais perder tempo com isso!
Aí pegou o edital, devolveu para o ainda atônito colega e disse com voz calma:
- Pode continuar com seu trabalho.
PLEIN DE MERDE
Um dia, durante uma tarefa que estávamos executando, perguntou-me de chofre:
- Você acredita que o inferno existe?
Ri da pergunta e
desconversei, talvez dizendo um "sei
lá!" Mas ele estava disposto a continuar com esse assunto, e
voltou à carga:
- Eles falam que o inferno é um lugar muito quente, onde as pessoas são queimadas e espetadas pelos demônios, não é?
- Ah, sei lá, nunca me preocupei com isso. Deve ser!, respondi.
Aí, entre risos,
descreveu sua versão do inferno, fazendo com que eu também chorasse de rir por
conta dessa maluquice doentia:
- Para mim, o inferno deve ser um tanque ou piscina cheia de merda até a borda, onde as pessoas ficam mergulhadas, deixando de fora só a cabeça. Apoiada na borda, oscilando pra lá e pra cá, há uma lâmina afiada deslizante. Quando ela vem se aproximando o pessoal grita – “Olha a lâmina!” e todo mundo mergulha a cabeça. Você que é bom de desenho podia projetar essa piscina.
HAROLDO, DORIVAL E
COMPANHIA LIMITADA
Antes do Orozimbo, o gerente do setor onde trabalhávamos tinha sido o Ivan, que deixou a empresa para trabalhar na Andrade Gutierrez. Ele gostava de arquivar coisas em pastas de papelão realmente muito práticas, em formato maior que papel ofício, dotadas de garras de abrir e fechar com mola, como se fossem os antigos encadernadores de ginásio. Essas pastas receberam do Orozimbo o nome de “pasta Ivan” ou “tipo Ivan”, que todo mundo passou a usar.
Em uma delas eram
guardadas as provas das tolices escritas pelos engenheiros da empresa. O título
dessa pasta “homenageava” os toupeiras máximos que já haviam trabalhado
na “Gatona”. Às vezes as burradas não eram percebidas de imediato por
quem as lesse, mas a “tradução” feita pelo Orozimbo era sempre de rolar de rir,
como quando alguém do escritório de São Paulo pediu “uma cópia completa
das normas da ABNT”. A lista obtida foi parar na pasta, pois era realmente a
relação completa de todas as normas brasileiras (normas para tintura
de tecidos e todas as coisas normatizáveis que nada tinham a ver com
engenharia).
Outro documento
hilário era uma ata de reunião para esclarecimento de dúvidas de uma licitação
em andamento. As empresas apresentaram suas dúvidas, os esclarecimentos foram
registrados em ata, etc. O representante da “Gatona” também apresentou sua
dúvida. Inacreditavelmente, perguntou o significado no edital da palavra “similar”.
E a resposta foi “similar significa exatamente isso, similar”. O
comentário do Orozimbo foi demolidor:
- Acho que ele ficou com vergonha de não ter nada para perguntar e quis saber o significado da palavra “similar”.
ATLETA
Por recomendação médica, o Orozimbo acabou transformando-se em corredor de rua. Um dia pediu meu endereço, dizendo que iria me fazer uma visita. Achei graça, pois o percurso entre sua casa e a minha deve ter uns cinco ou seis quilômetros.
No dia seguinte
chamou-me à sua sala e mostrou um desenho indicando as características do muro
de nossa casa. Fiquei pasmo. Tempos depois, pela manhã, antes de sair para
trabalhar, a campainha tocou. Fui ver quem era. Era ele, todo paramentado de
atleta, saltitando no mesmo lugar. Disse qualquer coisa sobre eu não ter
acreditado que viria correndo, virou as costas e retornou. Dez ou doze
quilômetros percorridos por um legítimo “street runner”. Figuraça!
- Sabe o que a empresa deveria fazer? Pegar todos os catálogos telefônicos e arrancar deles a página onde tiver o endereço da Vale (Petrobrás?), para ninguém nunca mais perder tempo com isso!
Aí pegou o edital, devolveu para o ainda atônito colega e disse com voz calma:
- Pode continuar com seu trabalho.
Um dia, durante uma tarefa que estávamos executando, perguntou-me de chofre:
- Você acredita que o inferno existe?
- Eles falam que o inferno é um lugar muito quente, onde as pessoas são queimadas e espetadas pelos demônios, não é?
- Ah, sei lá, nunca me preocupei com isso. Deve ser!, respondi.
- Para mim, o inferno deve ser um tanque ou piscina cheia de merda até a borda, onde as pessoas ficam mergulhadas, deixando de fora só a cabeça. Apoiada na borda, oscilando pra lá e pra cá, há uma lâmina afiada deslizante. Quando ela vem se aproximando o pessoal grita – “Olha a lâmina!” e todo mundo mergulha a cabeça. Você que é bom de desenho podia projetar essa piscina.
Antes do Orozimbo, o gerente do setor onde trabalhávamos tinha sido o Ivan, que deixou a empresa para trabalhar na Andrade Gutierrez. Ele gostava de arquivar coisas em pastas de papelão realmente muito práticas, em formato maior que papel ofício, dotadas de garras de abrir e fechar com mola, como se fossem os antigos encadernadores de ginásio. Essas pastas receberam do Orozimbo o nome de “pasta Ivan” ou “tipo Ivan”, que todo mundo passou a usar.
- Acho que ele ficou com vergonha de não ter nada para perguntar e quis saber o significado da palavra “similar”.
Por recomendação médica, o Orozimbo acabou transformando-se em corredor de rua. Um dia pediu meu endereço, dizendo que iria me fazer uma visita. Achei graça, pois o percurso entre sua casa e a minha deve ter uns cinco ou seis quilômetros.
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