Meu coração é do tamanho de um cachorro. Uma frase dita assim pode levar alguém a pensar que estou delirando. Mesmo que em tempos recentes e devido ao cansaço e impossibilidade de dormir eu tenha tido
pensamentos delirantes, não estou delirando agora. Este título surgiu por causa
de um cãozinho abandonado que vi ao passar de carro por uma rua deserta.
Essa rua tem apenas uns cem metros de
comprimento e é ocupada por um estacionamento abandonado, um ginásio utilizado
apenas em alguns fins de semana, dois imóveis comerciais vazios, um lote vago e
apenas um pequeno prédio de seis apartamentos. Essa situação de quase abandono
tem atraído a atenção de dois ou três moradores de rua que a utilizam para
dormir deitados sobre caixas de papelão e pedaços de espuma.
Por morar em rua de mão única eu sempre a
utilizo para retornar ao interior do bairro ou para encurtar caminho quando pretendo
ir em direção ao centro da cidade. E foi em uma dessas vezes que eu o vi. Tinha
a aparência de assustado, talvez esperando que o antigo dono aparecesse para
levá-lo de volta para a casa de onde fugiu ou de onde saiu por um portão mal
fechado para explorar este vasto mundo.
Além da visível perplexidade e movimentos
indecisos, o que mais chamou minha atenção foi o fato de ser muito gracioso,
com orelhas longas e pontudas e usar no pescoço uma corrente de grossos elos,
mais apropriados para conter um rottweiler, nunca um cãozinho com a aparência
de ser muito dócil..
Diminuí tanto a velocidade do carro para
vê-lo que ele ficou me olhando com a cabeça meio inclinada, talvez esperando
que fosse eu o seu salvador. Naquele dia, embora fosse pouco mais de seis da
manhã, eu estava particularmente triste, incomodado e comovido com a quantidade
de pessoas em situação de rua que tenho visto pelo bairro. Não sei precisar
quantos, mas são muitos, geralmente homens, provavelmente prisioneiros do
crack.
Mesmo sabendo que talvez estejam nessa vida
pelas escolhas horríveis que fizeram não consigo deixar de sentir pena, muita pena
por essa situação de abandono e desamparo, ainda mais agora, nesta época de
baixas temperaturas. E foi esse mesmo sentimento que o cãozinho despertou em
mim.
Tentei encontrar seu dono através de um
perfil coletivo do Facebook, disse onde o tinha visto e dei alguns detalhes
sobre sua aparência – de raça indefinida, pequeno, gracioso, pelo branco, com uma grossa
corrente no pescoço, etc. Algumas pessoas responderam dizendo tê-lo visto em
outras ruas e teve até uma alma caridosa que o alimentou e até publicou uma
foto sua, mas o antigo dono nunca apareceu.
Um dia sumiu. Passei várias vezes pela rua
para tentar vê-lo, mas nada. Imaginei que talvez tivesse reencontrado o antigo
dono ou sido adotado por um novo, atraído pela visível docilidade e beleza do
cachorrinho. Confesso que senti um pouco de alívio pela possível solução do
problema e uma ponta de inveja do sortudo que o acolheu.
Nunca tive tanta vontade de possuir um
cachorro! Não um cachorro qualquer, de alguma raça de nome pomposo e que custa
uma pequena fortuna. Não, tudo o que eu queria era aquele cãozinho de olhar
assustado, só para dar a ele o carinho que talvez tenha se acostumado a receber.
Meu coração dói ao pensar nas privações que sofrem os moradores de rua, mas não
tenho condições de ajudá-los. Talvez por isso eu tenha canalizado meus
sentimentos para um novo morador de rua, um cãozinho bonitinho e abandonado.
Anteontem eu o revi na mesma rua, mas alguma
coisa mudou em seu comportamento. Estava sem a corrente no pescoço e demonstrou
ter medo sabe lá Deus de que, pois saiu em disparada quando entrei na ruazinha.
Diminuí a velocidade para vê-lo, mas ele correu mais um pouco e se apertou
entre as barras da grade de um dos prédios abandonados, numa clara tentativa de se proteger.
Tudo bem, cachorrinho, mesmo que eu não possa
tê-lo para me fazer companhia, jamais lhe faria mal. Talvez você tenha mais
sorte que os moradores de rua que dormem sobre caixas de papelão. Só espero que a nova vida
de cachorro vadio lhe seja leve.
Recém-pai de uma cadelinha amorosíssima, seu texto me comoveu. De verdade.
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