sábado, 1 de julho de 2023

HERBERT E PAWEL - PAWEL

 Tive a honra de conhecer, conviver e ter como colegas na empresa onde mais gostei de trabalhar dois engenheiros que tiveram suas vidas de alguma forma transformadas pela Segunda Guerra Mundial. Herbert e Pawel. Na verdade, o nome “real” do Herbert era Herberto, já o do Pawel era Pawel mesmo - ou “Dr. Pawel”, como todos respeitosamente o tratavam. 


PAWEL
Dr. Pawel era uma espécie de “outsider” dentro do grupo de engenheiros que trabalhava no setor denominado “Seção Técnica”. Tinha uma sala só para ele, com prancheta e mesa de escritório. Não participava das atividades normais do setor, pois parecia atender apenas as demandas do diretor técnico.
 
Era extremamente respeitoso e chamava a todos os engenheiros de “doutor”, ao contrário da esculhambação com que nos tratávamos, com apelidos idiotas e até com variantes “criativas” dos sobrenomes. O Luis Felipe, por exemplo, era chamado de Pintão, para se diferenciar do filho “Pintinho” que também trabalhava na empresa, ainda como estagiário. Bem melhor e até mais elogioso que o tratamento que eu recebia de um gerente quando queria falar comigo:
“Ô Pênis, dá um pulinho aqui na minha sala”. Pois é...
 
Dr. Pawel tinha um horário rígido de trabalho, que cumpria rigorosamente, sem condescendência nenhuma a excesso ou falta de alguns minutos. Ao meio dia em ponto saía para almoçar, às 17h30 largava o que estava fazendo, encerrava o expediente e foda-se o mundo. Um dia, incomodado pelas horas extras a que nós estávamos acostumados a fazer com frequência, disse ao Herberto:
- Você não está sendo pago para trabalhar essas horas!
 
Comportamento de europeu da velha guarda. Dr. Pawel tinha um filho gente finíssima que trabalhava na mesma empresa. Victor (“Victar”) para ele e Vitão para nós. Um dia o Vitão me contou o caso mais surreal que já ouvi.
 
Seu pai, russo, lutou na Segunda Guerra, foi ferido, capturado pelos alemães e levado para um campo de prisioneiros.  Em determinado momento algum tipo de epidemia atingiu o campo, levando os médicos alemães a uma solução radical (eles eram “bons” nisso!): os aprisionados foram divididos em dois grupos: os franzinos e/ou muito debilitados iam para um lado (para morrer, se fosse o caso) e os que tinham boa chance de cura ou utilidade para os alemães eram levados para a enfermaria e tratados.
 
Segundo o Vitão, o pai corpulento e forte foi escolhido para ficar na “tchurma da enfermaria”. Um médico alemão o medicou, tratou e salvou sua vida. Após o fim da guerra, provavelmente cada um foi para o seu canto. O Pawel talvez por odiar o comunismo, veio para o Brasil, passando pela Áustria, onde nasceu seu filho Victor.
 
Chegando ao Brasil, acabou vindo morar em Belo Horizonte, no bairro Santo Antonio, na Rua Leopoldina. Quis o destino que o médico alemão também viesse dar as caras em terras brasileiras, indo morar em Belo Horizonte, bairro Santo Antonio na rua... (adivinha qual?) Essa mesma, na Rua Leopoldina!!!!
 
- Puta que pariu, Vitão! Que maravilha! Essa é a verdadeira coincidência cósmica! Seu pai e o alemão devem bater altos papos, heim?
- Claro que não!
- Porra, por que não? O cara salvou seu pai!
- E daí? Meu pai é russo e ele é alemão!
Aí eu desisti de entender os gringos
 
O relacionamento do Vitão com o pai era muito engraçado. O pai ficava puto quando falava em russo para o filho, que respondia em português. Eu criticava:
- Pô, Vitor, eu adoraria saber falar em mais de uma língua!
- Para quê? Eu sou brasileiro!
- Mas você sabe falar russo?
- Claro que sei, mas não gosto.
Que devia ter dito a ele? Jumento!
 
As últimas lembranças que tenho do Dr. Pawel são palavras e casos que disse (uma delas provocando anos depois uma inimizade total com um colega esquizofrênico que inclusive me chamou para brigar no braço. Mas esse caso eu prefiro não detalhar).
 
A outra coisa foi a informação de que os livros técnicos russos eram abundantes e baratíssimos, pois eram impressos em papel vagabundo, tipo de jornal. E para encerrar, um provérbio russo que o “Orozimbo” batalhou para aprender a falar:
 
- “No meio de lobos uive como lobo”.
Em russo seria algo parecido com isto: 
“Sredi volkov vyt' po-volch'i”.
Mas eu não posso confirmar, pois meu nome não é Victor e o Dr. Pawel está dormindo profundamente há muito tempo.
 

 

Um comentário:

ESTRELA DE BELÉM, ESTRELA DE BELÉM!

  Na música “Ouro de Tolo” o Raul Seixas cantou estes versos: “Ah! Mas que sujeito chato sou eu que não acha nada engraçado. Macaco, praia, ...