domingo, 30 de julho de 2023

ELE VOLTOU

 
Ele voltou! Pois é, ele voltou, ou melhor, reapareceu. Mas não voltou como o personagem da música do Nelson Gonçalves, pois não parece ser boêmio. Talvez goste de umas escapadas, mas não chega a ser boêmio. Sua praia mesmo é a sedução, pois é um grande sedutor, naturalmente sedutor, sem forçar nada. E isso talvez explique a quantidade de corações que parece ter conquistado em sua última escapada.
 
Se você ainda não percebeu, estou falando do cachorrinho perdido que me cativou tão logo o vi. Hoje, bem cedo, novamente passei de carro na ruazinha onde o tinha visto pela última vez. Naquele dia, depois de uma desabalada corrida feita quando meu carro entrou na ruazinha deserta e demonstrando estar com medo de alguém ou alguma coisa, espremeu-se entre as barras enferrujadas do gradil de um prédio vazio para se proteger.
 
Esse imóvel é um prédio imenso, de três andares, que abrigou uma empresa estatal de processamento de dados. Em algum momento e por algum motivo, talvez por ter sido extinta ou remanejada, essa empresa deixou o prédio entregue às moscas, vazio. Posteriormente, talvez em decorrência de um processo qualquer de privatização ou desalienação de ativos, esse imóvel foi adquirido por uma empresa que pretendia instalar ali um grande posto de saúde. Aparentemente essa ideia foi para o espaço, restando apenas o elefante branco com vigias. E foi aí que o cachorrinho encontrou abrigo.
 
Hoje, bem cedo, ao passar na frente do imóvel vi que um vigia, provavelmente em fim de turno, estava trancando o portão. Para minha surpresa, parado em cima de uma laje que cobre o acesso para o andar que fica abaixo do nível da rua, lá estava o cachorrinho. Agora com sinais inequívocos de que tinha sido acolhido por algum dos vigias ou até mesmo por todos eles, pois estava com um desses agasalhos que alguns proprietários vestem seus animais em dias muito frios. Além disso, usava um cone de plástico no pescoço, normalmente utilizado para impedir que o animal possa lamber ou morder algum ferimento que porventura tenha sofrido (talvez daí a origem do medo apresentado anteriormente).
 
Fiquei feliz por saber que encontrou abrigo e cuidados que um cão de rua não tem. Entretanto, se ele conseguiu ser adotado, quem acabou se sentindo órfão e abandonado fui eu, na certeza de que nunca mais terei a chance de levá-lo para nossa casa.
 
Mas a vida parece ser assim mesmo - às vezes percebemos que por mais que queiramos ou tenhamos vontade ou algum desejo, nunca conseguiremos alcançar nem obter o objeto de nosso interesse, desejo ou obsessão, seja ele um amor, uma paixão, um automóvel, um endereço, um número de telefone ou qualquer coisa assim.  
 
Não posso mais alimentar a ilusão de um dia vê-lo brincando no quintal de nossa casa. Por isso, essa história termina aqui. Adeus, cachorrinho.

 

sábado, 29 de julho de 2023

NO DIVÃ DO TERAPEUTA

Hoje me ocorreu que todo mundo deveria criar um blog. Quem embarcasse nessa ideia nunca precisaria da ajuda de terapeuta e psicólogos para se conhecer melhor. Menos ainda de cartomantes ou pais de santo (bazinga!) 

O Blogson Crusoe foi criado para desovar textos, lembranças e piadas sem graça que eu fui criando e enviando para os filhos e alguns amigos, depois que me aposentei. Mas eu nunca conseguiria antever seus "efeitos colaterais" - experiências que eu nunca conseguiria prever. 

Escrever um texto, acompanhar suas visualizações, ler os comentários provocados por ele seriam (e são) experiências inimagináveis para quem não tem um blog. Ter contato virtual com pessoas que serão sempre desconhecidas para você, ler comentários absolutamente inesperados, perceber que fora do seu círculo de convivência existem como que mundos desconhecidos de uma galáxia até então ignorada provoca às vezes uma perplexidade  perturbadora.

Por outro lado, perceber que você vai aos poucos revelando uma parte do seu íntimo, das suas convicções, crenças, medos, preconceitos e intolerância, que você ainda que inconscientemente vai se revelando em cada post que divulga, tudo isso leva à convicção de que seu blog, criado sabe lá por que motivo, está se transformando no divã real de um terapeuta imaginário.

E quando, depois de criar um texto ou desenho que acredita, tem certeza que ficou nada menos que genial (só no seu julgamento, lógico), você percebe o silêncio ensurdecedor provocado por nenhuma visualização, nenhum comentário, nem mesmo de seus parentes e amigos mais próximos, quando você experimenta uma solidão que lembra a do Amir Klink cruzando o oceano em um barco a remo, você começa a entender que  o blog adquiriu vida própria e apoderou-se de uma parte de sua vida, de seu tempo disponível e de seu humor.

A criação do Blogson fez com que eu me redimensionasse intelectualmente, porque se alguém perguntar de que assuntos eu gosto, vou logo dizendo que me interesso por artes, música, humor, filosofia, biologia, história, biografias, psicologia, enfim, um mundo de coisas. 

Se espremer, é capaz até de descobrirem que me interesso também por alguma coisa útil. Isso apenas demonstraria que sou um profissional da área de exatas bem pouco ortodoxo. 

Entretanto, relendo as coisas que escrevo, chego à conclusão que tenho poucos interesses e muita obsessão.

(Publicação original: 02/05/2015)

sexta-feira, 28 de julho de 2023

SEXTA MUSICAL

A notícia do recente falecimento da cantora irlandesa Sinéad O'Connor reacendeu em mim o interesse por um dos temas mais caros aos idosos (mesmo que nunca confessem), que é saber quem morreu na semana passada, no mês passado, neste ano, etc., por se alegrarem por ter sobrevivido até hoje. Talvez não cheguem ao ponto de um senhor que conheci que dizia ter “96 anos, sete meses e dezessete dias”, informação atualizada provavelmente a cada dia. Infelizmente, ao morrer, talvez só ele tenha ficado sabendo quantos anos, meses e dias viveu’.
 
Mas voltando à morte da cantora aos 56 anos, realmente surgiu o desejo meio mórbido de saber quantos músicos, artistas e demais personalidades que fazem parte da minha cultura pop faleceram só em 2023. Com o auxílio da Wikipédia fiz a lista abaixo e lamentei muito a perda de alguns deles. Olhaí:
 
Cantores, compositores e instrumentistas
Tony Bennett - Cantor - 97 anos
Burt Bacharach - Pianista e compositor - 95 anos
Wayne Shorter - Saxofonista gravou álbum só com músicas e voz do Milton - 90 anos
Doris Monteiro - Atriz e cantora - 89 anos
Germano Mathias - Cantor e compositor - 89 anos
João Donato - Músico - 89 anos
Juca Chaves - Compositor, músico e humorista - 85 anos
Tina Turner - Cantora - 84 anos
Astrud Gilberto - Cantora - 83 anos
David Crosby - Crosby, Stills & Nash (Woodstock) - 82 anos
Leny Andrade - Cantora - 80 anos
Sueli Costa - Cantora - 80 anos
Dave Maclean - Cantor e compositor - 79 anos
Jeff Beck - Mega guitarrista de rock - 79 anos
Cynara - Quarteto em CY - 78 anos
Rita Lee - Cantora, compositora, atriz e escritora - 76 anos
Luiz Schiavon - Tecladista RPM - 65 anos
Canisso - Baixista dos Raimundos - 58 anos
Sinéad O'Connor - Cantora - 56 anos
 
Deasenhistas, cartunistas e artistas gráficos
John Romita Sr. - Desenhista HQs do Stan Lee - 93 anos
Paulo Caruso - Cartunista - 74 anos
 
Cinema e teatro
Gina Lollobrigida - Atriz e delícia dos anos 50 - 96 anos
Harry Belafonte - Músico, ator e ativista - 96 anos
Carlos Saura - Cineasta - 91 anos
Zé Celso Martinez - Diretor de teatro - 86 anos
Raquel Welch - Atriz e delícia dos anos 60 - 83 anos
Antônio Pedro - Ator Escolinha Professor Raimundo - 83 anos
Helmut Berger - Ator - 79 anos
Jane Birkin - Cantora e atriz - 77 anos
 
Miscelânea
Milan Kundera - Escritor - 94 anos
Mary Quant - Estilista - 93 anos
Palmirinha - Apresentadora e cozinheira - 92 anos
Paco Rabanne - Estilista - 89 anos
Silvio Berlusconi - Político - 87 anos
Sepúlveda Pertence - Jurista, magistrado e advogado - 86 anos
Glória Maria - Jornalista - 74 anos
Palhinha - craque de futebol - 73 anos
 
Para finalizar e porque hoje é sexta-feira, o link da única música da Sinéad O'Connor que conheço. Música linda, mas composta pelo Prince.
Olhaí.
 


 

 

quinta-feira, 27 de julho de 2023

BLACK DOG

Em 2003, peguei uma pneumonia meio brava e fiquei uns dez dias hospitalizado, com direito até a CTI. Todo dia coletavam meu sangue para analisar sei lá o que. Minha mulher estava desconfiada de que eu estaria sofrendo de hipertireoidismo. Por isso, a pedido dela, incluíram nos exames de sangue alguns testes relacionados aos hormônios da tireoide. Foi na mosca. Ela (mais uma vez) tinha razão! Provavelmente, essa doença pode ter facilitado o surgimento da pneumonia.

Talvez alguém queira saber por que minha Amada fez o pedido do teste. Ela tinha lido um artigo sobre essa doença e percebeu que eu apresentava a maioria dos sintomas ali descritos. Por isso, como a palavra charlatão serve também para identificar o falso médico, eu sempre digo que ela é uma charlatã competentíssima (identificou também, antes do médico, outro problema de saúde que tive. Muito fera!).

Poucos anos depois, esse hipertireoidismo mudou para hipotireoidismo, doença que se assemelha à extinção de espécies animais, pois é para sempre. Pois bem, em determinado momento, comecei a suspeitar de que tenho uma depressão leve, permanente. E depressão é o tema de hoje (com essa introdução, o título poderia ser “volta ao mundo”).

Eu não sei quem nasceu primeiro, se foi a galinha ou se foi o ovo. Aliás, deixo claro que estou me lixando para isso. O que me preocupa é outro tipo de ordem (não, não estou falando de política). O fato é que descobri ser o hipotireoidismo uma possível causa de depressão. Por isso, a pergunta: no meu organismo, quem nasceu primeiro, a depressão ou o hipotireoidismo?

Depressão é uma coisa meio paralisante. Acredito que meu pai sofria dessa doença em uma escala que iria de “moderada” a “alta”, pelo comportamento que tinha, pelos comentários que fazia, pela ironia melancólica que às vezes utilizava. Uma música antiga do Lobão traz essa frase bastante sugestiva: “a maior expressão da angústia pode ser a depressão, algo que você pressente, indefinível”...

Recentemente eu descobri que o Winston Churchill, por quem tenho a maior admiração, também sofria de "black dog", que era o apelido dado por ele à depressão. Dizia que esse cão negro sempre estava ao seu lado, sempre à espreita.

Bem, aqui em casa tem um cachorro preto, que fica sempre por perto, mas o nome dele não é "Depressão", é Zulu. Antes de ele surgir, eu já sofria de uma depressãozinha moderada, daquelas que faz o sujeito ficar carente de atenção, de afeto, de aprovação. Sinceramente, deve ser essa a motivação principal para querer divulgar os textos meio tortuosos, piadas sem graça e trocadilhos infames que escrevo.

No início, enviava essa tranqueira por e-mail para algumas pessoas, a quem chamei de “o grupo dos infelizes”. Normalmente, nunca tinha essa consciência na hora de clicar em "enviar", sempre esperava que alguém respondesse alguma coisa, comentasse, elogiasse ou até descesse o cacete. Mas nada disso acontecia. Aí surgiu o Blogson.

Hoje, pensando no black dog e em (mais) uma piadinha infame que me ocorreu, cheguei à conclusão de quanto fui (e ainda sou) chato, inoportuno, carente, infantil e... mala.

Sem perceber, eu praticava bullying quase diariamente contra as pessoas de quem conheço o e-mail, quase como se as estivesse cutucando fisicamente e dizendo  "ri, anda, ri!!". E essa percepção me envergonhou e entristeceu. Afinal, nunca é tarde para reconhecer um erro cometido de forma descuidada e egocêntrica.

Às vezes eu penso que nada mudou com a criação do blog, até porque utilizo maciçamente nas postagens as coisas que encaminhava para meus filhos e amigos. A diferença é que agora, lê quem quiser. Talvez um dia eu pare de postar obsessivamente as tralhas que escrevo. Provavelmente, continuarei produzindo minhas "maravilhas", mas se tiver vontade de postá-las no Blogson, farei como na piada, ficarei quietinho até a vontade passar.

Postagem original: 19/11/2014



quarta-feira, 26 de julho de 2023

SÓ PARA QUEBRAR A MONOTONIA MONOTEMÁTICA

 
Há muito tempo eu não publicava nenhuma das minhas piadinhas sem graça no Facebook. Hoje, às quatro da matina, depois de desistir definitivamente de ter o sono interrompido a cada hora, decidi escrotar e incomodar meus “amigos de facebook” e publiquei o lixo abaixo. O defeito foi quebrar a "Mens Salada Paprocki", mas como minha cabeça está totalmente dançada, talvez combine um pouco. E se não combinar? Responderei suavemente: FODA-SE!. Olhaí:






FLOYD EXPRICA

O Millôr Fernandes produziu todo tipo de humor, graças à sua genialidade e imensa bagagem cultural. O texto a seguir é uma modestíssima tentativa de emular uma das formas de humor em que ele, meu ídolo, era craque (ele era em todas!), que é aquela onde o humor está presente mais nos comentários de pé de página que no texto comentado propriamente dito. Vê aí.

Entre quatro paredes(1), como se sabe, rola de tudo. Poderia até rolar um papo assim:

- Eu sou sua esfincter(2) – disse meio chapada a estudante de psicologia(3) ao namorado, – Devora-me(4) ou te decifro!

- Tô sabendo... Eu não sou o Édipo, mas você vai conhecer o tamanho do meu complexo!(5)

- Então vem, meu Rei!(6)

 

Notas explicativas:

(1) “Quatro paredes” é um lugar comum que não se sustenta diante de projetos arquitetônicos mais sofisticados. E se duas paredes forem substituídas por uma que tenha a forma de meio cilindro, por exemplo?

(2) O que a moça quis dizer é “sphingo”, equivalente grego de “esfinge”. Em virtude da apreciável concentração de substâncias químicas em seu organismo, cometeu um ato falho clássico.

(3) Apesar de deslumbrada e gostosinha, era uma aluna bastante medíocre, pois já tinha levado pau por dois anos seguidos na matéria que trata da simbologia dos mitos utilizada por Freud – o que explica também a citação equivocada.

(4) Segundo o dicionário, “Devorar” significa “comer com avidez, com sofreguidão”.

(5) Essa frase totalmente equivocada e fora de contexto foi dita pelo namorado só para impressionar, pois, sendo estudante de mecatrônica, não entendia merda nenhuma de psicologia e, menos ainda, de teatro grego.

(6) A moça era soteropolitana e fã de Carlinhos Brownie.

(Publicação original: 04/10/2014)

terça-feira, 25 de julho de 2023

A HORA DE CINQUENTA MINUTOS

Desde sua criação, o Blogson foi perdendo progressivamente os leitores que comentavam alguma coisa: minha irmã, minha cunhada, meu filho, uns dois amigos do mundo real e uns quatro do mundo virtual (que ficaram sabendo do blog através do Marreta). Foram todos sumindo, todos saindo, como na música “O sonho”, do Gilberto Gil: “um por um, um por um”, até chegar ao ponto de restar apenas duas pessoas que eu conseguia reconhecer (mesmo não as conhecendo).

Eu credito essa situação à irrelevância cada vez maior dos posts que publico. O mesmo "fenômeno de incomunicabilidade" eu tenho observado no Facebook. Quando meu perfil foi criado, "todo mundo" comentava ou curtia tudo o que eu postava, por mais idiota que fosse o post. E eu comecei postando velharias do Blogson escolhidas a dedo, que provocaram os maiores elogios, etc. De repente, assim do nada, começaram a diminuir as curtidas e comentários. Fiquei cansativo ou repetitivo, mas podem fazer duas apostas. Esse tipo de situação fez (ou tem feito) com que eu me sinta a versão masculina da Shirley Valentine, a dona de casa que conversa com o fogão, com a geladeira, etc.

O mais engraçado é que eu entendo e aceito isso, pois a cada dia que passa o blog vai se tornando uma sessão de terapia para mim, cada post uma “hora de cinquenta minutos”, uma blogoterapia, pois está cada vez mais confessional e ranzinza, cada vez mais voltado para o exame do próprio umbigo. A explicação para isso talvez esteja no fato de não ter mais nada de relevante a dizer, nenhum caso divertido para contar, nenhuma ideia mais criativa a desenvolver, ficando apenas alguma coisa tipo "mais do mesmo".

E só duas pessoas conseguiram continuar resistindo nessa atmosfera tóxica e hostil. Aí, de repente, uma dessas pessoas que eu identificava como meus “2,3 leitores” também se retraiu, o que me fez pensar em uma mudança momentânea ou definitiva de foco, de interesse, falta de tempo, saco cheio, viagens, sei lá qual o motivo (e eu não tenho nada com isso).

Como sou mesmo (olha a blogoterapia!) um sujeito ciclotímico, às vezes penso em dar um tempo no tempo que dedico ao blog, desintoxicar-me, tentar cuidar da saúde física (da mental já desisti), tentar achar graça em alguma coisa na vida, fazer balé, exame diário de próstata, cortar unha com serrote, qualquer coisa. Às vezes penso que seria bom morrer rapidinho, às vezes cago de medo disso acontecer por agora.

Enfim, tenho me tornado mais e mais amargo e, quanto mais eu tento rir de mim mesmo e da vida, do mundo, mais eu percebo que estou ficando com câimbra na boca de tanto fazer esforço. E tudo isso vai se alternando e se juntando e se separando e se dissolvendo e se reagrupando, tendo como resultado final os comentários e posts que tenho feito: sem graça, melancólicos, repetitivos, desagradáveis e até inadequados.

Acho que preciso parar com isso, talvez calçar umas meias velhas furadas no dedão, enfiar os pés em chinelos confortáveis, descolar uma bengala e fazer igual minha sogra: sentar-me em um sofá em frente à televisão (será preciso mudar o layout), esperando a morte chegar. E lembrar-me do tempo em que eu me achava o máximo (mesmo que fosse só eu)  - ou não tão mínimo.

Bom, a sessão chegou ao fim, a hora de cinquenta minutos acabou, meu intestino parou de incomodar e eu preciso (mesmo que não queira) dormir, pois são duas da madruga. Fui.
(Publicação original 02/02/2018)

domingo, 23 de julho de 2023

VOCÊ É UM TASMANÍACO?


Já faz algum tempo que eu gosto de comparar o comportamento dos animais selvagens com o dos seres humanos, pois sempre encontro alguma semelhança e um motivo a mais para refletir. O último a chamar minha atenção é o diabo da tasmânia, depois ler uma reportagem sobre ele em um número antigo da Veja.

Segundo a revista, esse animalzinho corre o risco de se extinguir nos próximos trinta anos, e o motivo disso é uma espécie de câncer transmitido através de mordidas ou contato físico com um animal infectado. E isso é facilitado por conta de uma característica muito especial: esse animal é extremamente agressivo e vive às turras com outros de sua espécie. Aliás, essa agressividade serviu de inspiração para o personagem “Taz”, surgido em desenhos mais antigos do Pernalonga.

Pois bem, bastou eu ler a reportagem para fazer associação de seu comportamento belicoso e agressivo com comportamentos semelhantes que observei muitas vezes ao longo da vida.  Tudo isso porque tenho constatado que em muitas famílias, em muitos relacionamentos, existe uma inexplicável agressividade entre pessoas que se amam. Fico perplexo (e triste) de ver como essa agressividade pode contaminar o dia-a-dia de uma família, de um casal, de um grupo de amigos.

Não é preciso agressão física para machucar ou magoar alguém. As “mordidas” são apenas palavras  ásperas, contundentes ou depreciativas. Podem ser recriminações, às vezes ditas em tom elevado de voz, ou podem ser palavras que diminuem, menosprezam ou desqualificam a quem estão sendo dirigidas. E a pergunta que surge é: POR QUÊ?

Se você convive diária ou frequentemente com outras pessoas, por que ceder ao impulso de sempre se exaltar, xingar ou – pior – menosprezar e desqualificar a quem você ama? E uma das piores agressões é ridicularizar características físicas. Chamar alguém de barrigudo, narigudo e coisas do gênero pode machucar quem as escuta. E isso não é piada, é puro bullying. Se a pessoa tem baixa autoestima, aí é ainda pior. Agressões verbais constantes, ironias e desprezo ou zombaria dirigidas às pessoas que amamos, de quem gostamos, são um tiro no nosso próprio pé.

Recentemente descobri uma palavra que poderia explicar pelo menos em parte esse comportamento agressivo. E o nome é DISTIMIA. Segundo o site do Dr. Dráuzio Varela,

“Distimia é um tipo de depressão crônica, de moderada intensidade. Diferentemente da depressão que se instala de repente, a distimia não tem essa marca brusca de ruptura. O mau humor é constante. Os portadores do transtorno são pessoas de difícil relacionamento, com baixa autoestima e elevado senso de autocrítica. Estão sempre irritados, reclamando de tudo e só enxergam o lado negativo das coisas. Na maior parte das vezes, tudo fica por conta de sua personalidade e temperamento complicado.”

Como não sou psicólogo nem antropólogo, devo evitar a seara alheia. Mas fica a perplexidade de ver como uma família, como um casal pode, aos poucos, perder a amizade, a cumplicidade e a alegria de estar juntos, por causa de um comportamento que tem na base uma agressividade sem propósito, quase uma mania, por ser viciosa e recorrente.

É isso, aí está o link com o diabo da tasmânia: essa agressividade contra as pessoas que amamos pode acabar extinguindo o amor e o respeito mútuos. E sua repetição viciada pode tornar-se uma mania, ou melhor, uma “tasmania”.

Por isso, se eu pudesse, eu perguntaria (com um pouco de ironia e um pouco de preocupação) a alguém que venha a ler este texto:

VOCÊ É UM TASMANÍACO?

Se a resposta for “sim” ou “talvez”, para o próprio bem de quem assim respondeu, eu iria sugerir que mudasse, que buscasse ajuda especializada, que fizesse qualquer coisa, menos permanecer como está, porque o tempo faz acumular a decepção, o rancor e a desesperança, tal como os sedimentos trazidos pelas chuvas e que se depositam no fundo de uma lagoa. E esses sedimentos se acumulam, ficam mais espessos, até ficar impossíveis de remover. Ou, se quiserem, imaginem-se tentando colar um vidro quebrado: pode até colar, mas a superfície nunca mais terá o brilho e a uniformidade de antes.

Este texto era para ser mais leve e bem humorado, mas acabou ficando meio azedo. Paciência. Até porque minha preocupação é real, apesar do trocadilhinho. Por isso, eu pergunto novamente a um improvável leitor: você é um tasmaníaco? Se for, cuide-se, mas, principalmente, cuide daqueles a quem ama.
(Publicação original: 04/07/2014)

sexta-feira, 21 de julho de 2023

HOMENAGEM - FÁBIO LEITE ROCHA


Tenho andado com vontade de escrever sobre minha experiência, ou melhor, meu contato com a psicanálise em virtude do stress monumental que tenho vivido. Esse stress em grande parte é fruto de sono diariamente interrompido a cada uma ou duas horas.

E falar dos dois anos e pouco em que fiz terapia individual, de divã e, na sequência, de grupo, obrigatoriamente me levaria a falar do psiquiatra que me atendeu. Por isso, para subsidiar meu texto mambembe a ser ainda escrito busquei seu nome na internet e achei não só um blog que manteve até os 88 anos como uma homenagem póstuma feita a ele por um de seus ex-discípulos (eu sabia que ele era super conceituado em sua área, só não sabia ser tanto assim).
 
Num primeiro momento, pensando em enviá-lo para uma jovem psicóloga que conheço, copiei todo o (longo) texto. Mas achei tão interessante que resolvi publicar alguns trechos da palestra aqui neste blog onde faço “blogoterapia” desde 2014. Coincidentemente quase o ano em que ele faleceu. 

Por estar vivendo essa situação angustiante resolvi mergulhar de cabeça no universo da piração e do delírio. A forma encontrada foi promover no blog uma dupla quinzena "psiquiátrica", uma "mensalada", dedicando os posts dos próximos trinta dias a assuntos relacionados às falhas da mente, apagões, burnout, neuroses, psicoses, esquizofrenia, etc.

Resolvi também movimentar para os dias de hoje piadas, contos, poemas e diálogos inspirados nos consultórios de psicologia (mesmo que me sinta intimamente violentado ao fazer essa migração, pois eu tenho TOC!). Achei pertinente chamar esse período de "mensalada", ou, mais adequadamente, de "Mens Salada Paprocki" (que começou ontem). Acho que ficou bom o jogo de palavras, pois os textos migrados formam uma verdadeira salada de estilos e autores. (Gostou, Marreta?)

Acho que o Paprocki merece minha gratidão e reconhecimento mesmo que tardio, pois em 1974, sem falar nada com ele resolvi "me dar alta" da terapia, já que estava trabalhando fora de BH e não tinha mais tempo para continuar. Nessa época ele devia estar com uns 50 anos.  Olha ele aí em foto de 2002, quando já estava com 77 anos:




 

Paprocki formou várias gerações de psiquiatras. Tinha bons amigos. Ter sido convidado para dizer essas palavras de adeus é, para mim, um privilégio, uma grande honra e motivo de muita emoção.
Esteve presente em minha vida por 36 anos. Tenho 60. Isso significa que vivi a maior parte de minha vida tendo-o como referência. Foi meu professor, terapeuta, orientador, inspirador, coautor de publicações científicas e um grande amigo. Foi o meu padrinho na entrada para esta Academia.
Ainda estudante de medicina, na primeira metade dos anos 80, já namorando a ideia de ser psiquiatra, ouvia muito falar do grande Mestre. Entretanto, eu ainda não compreendia a sua enorme importância.
Essa importância foi resumida por um dos seus discípulos com a frase: A História da psiquiatria mineira divide-se em antes e depois de Paprocki.
De fato, Paprocki é considerado o patrono da psiquiatria moderna em nosso meio. Foi seu agente modificador histórico. Mudou a trajetória da psiquiatria mineira, a partir do final da década de 60, com sua atuação na direção do Hospital Galba Veloso. Em 1968, fundou a primeira residência de psiquiatria de Minas Gerais. Transformou o Galba em centro de excelência em assistência, ensino e pesquisa. Instituiu o primeiro serviço de psicologia em hospital psiquiátrico no Estado, o primeiro serviço de praxiterapia, o primeiro hospital psiquiátrico com portas abertas e o primeiro ambulatório vinculado a hospital psiquiátrico. Isso significa que Paprocki foi precursor da Reforma da Assistência Psiquiátrica, muito antes do tema chegar em nosso meio. Além disso, implementou um centro avançado de pesquisa em psicofarmacologia clínica que obteve reconhecimento internacional.
(...)
Ressalte-se que, por vários anos, ele foi o único psiquiatra brasileiro a ser referenciado em manuais internacionais de psicofarmacologia. Foi autor de grande número de artigos científicos, publicados em revistas nacionais e internacionais.
Toda essa revolução comandada por Paprocki representou o fim da formação autodidata de psiquiatras em nosso meio e o início da formação institucionalizada.
(...)
Paprocki tinha várias qualidades. Era excepcionalmente inteligente, tinha memória prodigiosa, era muito perspicaz, possuía cultura ampla, era muito estudioso, possuía grande generosidade e cordialidade, era carismático e dono de um humor fino incomum.
Quando comentava com ele sobre algumas dessas suas qualidades, muitas vezes dava crédito às suas origens. Paprocki nasceu em Lublin, na Polônia. Veio para o Brasil aos 13 anos, com sua família.
Quando eu o elogiava em relação à sua generosidade, falava do costume polonês de, na ceia de Natal, deixar uma cadeira desocupada à mesa para “alguém que chegasse inesperadamente”: um viajante, um amigo ou um familiar que batesse à porta. O gesto simboliza a tradição polonesa de hospitalidade e de inclusão.
(...)
Sobre a sua vasta cultura, dizia que o seu pai era um leitor contumaz, que sempre incentivava o hábito da leitura.
Paprocki não envelhecia. Morreu jovem aos 89 anos. Uma idade em que muitas pessoas já encaram o controle remoto da televisão como um painel de Boeing 737. Paprocki tinha o seu computador, o seu tablet  e o seu smartphone. De vez em quando, me mostrava algum aplicativo interessante que havia descoberto. Mais que isso, exemplo de sua juventude, Paprocki lançou em outubro de 2014, no ano passado, aos 88 anos, o seu blog, onde postava textos, suas aulas e notícias médicas. Entre várias preciosidades, com seu humor peculiar, escreveu suas “Sugestões para Médicos com Menos de 65 Anos que Aspirem Envelhecer com Elegância e Dignidade”.
Na introdução, dirige-se aos médicos: “Durante o seu curso médico você adquiriu, presumivelmente, excelentes conhecimentos médicos, bom adestramento técnico e noções de ética. As faculdades de medicina somente propiciam ensino profissionalizante. Não propiciam um aculturamento amplo e, tão pouco, ensinam boas maneiras e bom gosto. Se você não foi orientado por seus pais ou outros mentores, quando criança e adolescente, possivelmente permaneça como entrou na faculdade, isto é, habitualmente inculto, rude e com gosto duvidoso, ainda que com excelente qualificação profissional.”
Paprocki continua: “A seguir são enumeradas algumas atividades que poderão ajudá-lo a superar certas dificuldades no plano de aprimoramento social e cultural.” Selecionei alguns trechos:
(...)
Evidentemente, Paprocki seguia suas próprias recomendações. Seu hobby era a pintura.
Contava que sua atração pela pintura surgiu ainda na adolescência. Chegou ao Brasil aos 13 anos de idade. O seu pai era fotógrafo profissional. Acompanhava-o em sessões fotográficas e ajudava-o a retocar as fotos. Essa atividade levou-o a estudar desenho. Mais tarde, passou para a pintura.
E para não perder o bom humor, brincava: “Quando os pacientes pararem de me procurar no consultório, vou me tornar pintor na “Feira Hippie” de Belo Horizonte; vou pintar minhas telas ao ar livre”. E completava: “Quem comprar uma tela, ganha uma consulta grátis”.
(...)
Extremamente cuidadoso com seus pacientes, preparou uma síntese da história psiquiátrica de cada um daqueles em tratamento com ele para que, após o seu falecimento, a continuidade do tratamento se desse sem maiores transtornos. Tenho recebido vários desses pacientes. Todos falam dele com carinho e gratidão.
(...)
Foi um profissional diferenciado, um farol que iluminou direta ou indiretamente várias gerações de psiquiatras. Na realidade, Paprocki iluminou a própria Psiquiatria.
A mim, iluminou a minha vida, com uma luz que não se apaga.
 
Emocionante! Obrigado, Paprocki, obrigado, Dr. Fábio Rocha

 

quarta-feira, 19 de julho de 2023

PARA AQUELES QUE ASPIRAM ENVELHECER COM ELEGÂNCIA - JORGE PAPROCKI

Os 2,3 leitores que acessam este blog poderão me perguntar: "Paprocki? Quem é esse cara?" E eu direi que foi, não é mais, pois faleceu em 2015 aos 89 anos. E o que ele tem de tão notável assim? Em primeiro lugar ele foi o psiquiatra  que me analisou nos anos de 1972 a 1974. Em segundo lugar está o fato de ter publicado este texto em seu blog em 2014, meses antes de morrer  (pois é, veja você, ele tinha um blog, com uns 88 anos de idade!)

Ao pesquisar seu nome na internet para subsidiar um texto que ainda será escrito achei seu blog e o artigo transcrito a seguir, bem, bem a cara dele. Até consegui ver seu sorrisinho irônico enquanto escrevia essas recomendações. Aí resolvi copiar e publicar aqui no Blogson, por entendê-las aplicáveis a qualquer um que passou dos cinquentinha ou sessentinha, não só aos médicos. 

É estranho pensar que o Paprocki já tinha sido praticamente apagado na minha mente. Entretanto, ao ler esse artigo pintou uma saudade tardia dele. Na verdade, talvez eu esteja mesmo é sentindo saudade de mim aos 21 anos, quando comecei a fazer terapia com ele. E aqui cabe a pergunta: que problemas um sujeito com 21 anos tem para buscar ajuda psicoterápica? Defeito de fabricação? Esta pergunta só poderá ser (ou não) respondida daqui a uma semana ou mais. Enquanto isso, divirta-se com as recomendações.

 

SUGESTÕES PARA MÉDICOS JOVENS, COM MENOS DE  65 ANOS, QUE ASPIRAM ENVELHECER COM ALGUMA ELEGÂNCIA E DIGNIDADE E PERMANECEREM BEM TOLERADOS POR SEUS COLEGAS, SEUS PACIENTES, SUAS MULHERES, FILHOS E NETOS

Postado em 01 de dezembro de 2014

 

·  Durante o seu curso médico você adquiriu, presumivelmente, excelentes conhecimentos médicos, bom adestramento técnico e noções de ética. As Faculdades de Medicina somente propiciam ensino profissionalizante. Não propiciam um aculturamento amplo e, tão pouco, ensinam boas maneiras e bom gosto. Se você não foi orientado por seus pais ou outros mentores, quando criança e adolescente, provavelmente permanece como entrou na faculdade, isto é, habitualmente inculto, rude e com gosto duvidoso, ainda que com excelente qualificação profissional. A seguir, são enumeradas algumas atividades que poderão ajudá-lo a superar certas dificuldades no plano de aprimoramento social e cultural.

·  Não pare de estudar enquanto estiver exercendo atividade médica: leitura de uma hora por dia, todos os dias, costuma ser suficiente para manter-se razoavelmente atualizado em qualquer especialidade. Continue frequentando reuniões científicas de sua associação: conferências, seminários, cursos e, se possível, congressos.

·  Procure aculturar-se, permanentemente, até o fim de sua vida: leia bons livros, assista boas peças teatrais e bons filmes; ouça boa música, erudita ou popular; visite bons museus e realize boas viagens. Tudo isso costuma ser melhor quando efetivado em boa companhia, isto é, em companhia de pessoas cultas, bem educadas e de gosto refinado.

·  Faça, periodicamente, um curso de aculturamento amplo, fora da área médica: música erudita, história da arte, história das religiões ou outra disciplina que sempre desejou estudar e nunca teve tempo.

·  Procure manter-se bem informado acerca de algum assunto atual, de seu interesse: política internacional, economia, meio ambiente, preservação da natureza. Esses conhecimentos podem tornar você atraente para outras pessoas, interessadas nos mesmos assuntos. Lembre-se: “Quanto mais interesses você tiver, mais interessante você fica”.

·  Cultive algum “hobby”: pintura, música, percussão, canto, dança, teatro, culinária, jardinagem. O “hobby” ideal deve envolver alguma atividade manual e deve proporcionar prazer. Brinque de músico, de pintor, de jardineiro ou de cozinheiro. O resultado ou o produto final dessas atividades é pouco relevante. O importante é o aspecto lúdico e o prazer auferido por você, não pelos outros!

·  Participe de alguma atividade associativa: Associação Médica, Sindicato, Conselho de Medicina, Academia de Medicina, Sociedade de Especialidade ou uma ONG. Clube recreativo, torcida organizada de clube futebolístico e partido político não tem o mesmo valor!!!

·  Participe de algum trabalho voluntário, com conteúdo social: aulas de alfabetização, noções de informática, de história, de línguas, para adolescentes ou adultos, são atividades válidas e politicamente corretas. Distribuir brinquedos de natal para crianças carentes ou cobertores para “sem teto”, é pouco! Voluntariado de assistência hospitalar, para enfermidades crônicas e em estágio final, pode ser muito nobre, mas é muito desgastante. Não force!

·  Faça exercícios não radicais: caminhada, nado e dança são válidos. Ciclismo, mergulho e montanhismo são compatíveis para poucos privilegiados, com excelentes condições físicas e adestramento desde a juventude. Não são apropriados para adultos maduros que nunca praticaram de atividade física. Em um determinado momento de sua vida você sentirá que não é mais o jovem que era quando terminou a faculdade, a residência ou seu mestrado e doutorado. Nesse momento existem outras modalidades de atividades físicas que podem ser adotadas: golf e ping - pong são bons exemplos.

·  Periodicamente, submeta-se a alguma forma de psicoterapia breve. Sessões semanais, durante três meses, com intervalos de três em três anos, com um terapeuta que já lhe conhece, costumam ser suficientes para se manter, razoavelmente, equilibrado. Caso você nunca submeteu-se a uma psicoterapia, o ritmo e a duração serão estabelecidos por você e pelo terapeuta escolhido, de acordo com suas necessidades e idade. Procure informar-se acerca do tipo de psicoterapia que melhor se ajusta à sua problemática.

·  Caso você esteja saudável e assintomático, faça acompanhamento periódico com um bom clínico geral ou um geriatra. Caso seja portador de alguma enfermidade crônica faça um acompanhamento assíduo, com um especialista competente, da área correspondente à sua enfermidade. Nunca se automedique e não postergue tratamentos. Ser médico não imuniza ninguém da evolução catastrófica de enfermidades crônicas.

·  Procure não parar de trabalhar, na sua área de atuação médica, enquanto continuar sendo procurado por clientes. Reduza seu ritmo de trabalho, paulatinamente, de acordo com suas possibilidades físicas e psíquicas. Caso essa medida não seja viável ou caso esteja incapaz para realizar tarefas médicas, procure uma atividade administrativa ou burocrática, leve, com horário reduzido, que tenha alguma conexão com sua área de atuação médica, anterior.

·  Assuma sua calvície e os seus cabelos brancos. A maior parte das mulheres, de bom gosto, costuma afirmar que esta é uma atitude mais aceitável e elegante do que tentar implantes ou tingir os cabelos. Raspar a cabeça somente é aconselhável para aqueles que têm um biótipo adequado.

·  Não faça relatos acerca das suas façanhas acadêmicas, científicas e sexuais para pessoas que não pediram essas informações. Se você tem o hábito de contar anedotas, preste o máximo de atenção possível para não repeti-las, para as mesmas pessoas. Fale menos e escute mais. Se conseguir, a maioria vai achar que você é um excelente papo.

·  Evite fazer sexo somente para provar que ainda consegue (com ou sem sildenafila). O resultado costuma ser desastroso.

·  No mundo ocidental capitalista e consumista, usualmente, fomos adestrados para competir e, se possível, levar a melhor, isto é, vencer! Somos o que somos e temos o que temos como resultado de atitudes e de comportamentos competitivos, bem e mal sucedidos, ao longo de nossas vidas. Entretanto, chega um momento em que a competição torna-se inútil e desnecessária: ou você já provou que é bom, ou já não consegue provar. Aprenda a retirar-se da luta no momento próprio, com alguma elegância e dignidade.

·  Lembre-se que algumas dessas sugestões podem ser adequadas para quem as escreveu e, eventualmente, para você. Siga apenas aquelas que julgar pertinentes. Não tente persuadir outras pessoas a segui-las. Principalmente aquelas que não pediram tal aconselhamento.

terça-feira, 18 de julho de 2023

A VOZ QUE CLAMA PELO DESSERT

Tenho mantido em banho-maria os escassos comentários feitos pelos dois leitores que se animam a fazê-los por estes motivos: a maioria absoluta dos textos que tenho penosamente publicado ou são esboços escritos há mais tempo, em momentos onde não me sentia tão esgotado física e mentalmente ou brincadeiras com o "Chato do GPT". Alguns textos melhorzinhos são publicados por já existirem no meu computador.
 
Sinceramente, tem sido muito difícil manter o equilíbrio emocional. E, para ser franco, estou sem nenhuma vontade de responder comentários no Blogson ou de comentar qualquer coisa nos blogs desse pessoal. Quero mais é ficar quieto e, se possível, dormindo sonos de uma hora de duração.
 
Além do mais fica o registro: de que adiantam 15 seguidores registrados se apenas dois dão as caras por aqui? Já me acostumei com a falta de comentários, mas fico puto por não ter visualizações coerentes com a quantidade de seguidores, pois o desejo legítimo de um escritor é ser lido. Eu não sou um escritor, não é essa a minha profissão, meu mister (gostou?), mas gosto de ver as estatísticas indicando visualizações mais expressivas desse ou daquele post. Dá trabalho escrever, porra!
 
Por isso é que o antigo lema do Blogson era “o blog da solidão ampliada”. Hoje, depois de ter comido toda a carne e roído os ossos o que eu quero é sobremesa (dessert). Por isso o novo lema é “a voz que clama pelo dessert”, pois posso não ser o João Batista bíblico, mas sempre serei o J. B.
 
Para terminar, deixo claro que mesmo não seguindo ninguém estou sempre bisbilhotando os blogs alheios, mas agora sem nenhuma vontade de comentar porra nenhuma. E definitivamente não forneço meu e-mail ou zap para ninguém. Afora isso, a moderação dos comentários continua.

segunda-feira, 17 de julho de 2023

MEU CORAÇÃO É DO TAMANHO DE UM CACHORRO

 
Meu coração é do tamanho de um cachorro. Uma frase dita assim pode levar alguém a pensar que estou delirando. Mesmo que em tempos recentes e devido ao cansaço e impossibilidade de dormir eu tenha tido pensamentos delirantes, não estou delirando agora. Este título surgiu por causa de um cãozinho abandonado que vi ao passar de carro por uma rua deserta.
 
Essa rua tem apenas uns cem metros de comprimento e é ocupada por um estacionamento abandonado, um ginásio utilizado apenas em alguns fins de semana, dois imóveis comerciais vazios, um lote vago e apenas um pequeno prédio de seis apartamentos. Essa situação de quase abandono tem atraído a atenção de dois ou três moradores de rua que a utilizam para dormir deitados sobre caixas de papelão e pedaços de espuma.
 
Por morar em rua de mão única eu sempre a utilizo para retornar ao interior do bairro ou para encurtar caminho quando pretendo ir em direção ao centro da cidade. E foi em uma dessas vezes que eu o vi. Tinha a aparência de assustado, talvez esperando que o antigo dono aparecesse para levá-lo de volta para a casa de onde fugiu ou de onde saiu por um portão mal fechado para explorar este vasto mundo.
 
Além da visível perplexidade e movimentos indecisos, o que mais chamou minha atenção foi o fato de ser muito gracioso, com orelhas longas e pontudas e usar no pescoço uma corrente de grossos elos, mais apropriados para conter um rottweiler, nunca um cãozinho com a aparência de ser muito dócil..
 
Diminuí tanto a velocidade do carro para vê-lo que ele ficou me olhando com a cabeça meio inclinada, talvez esperando que fosse eu o seu salvador. Naquele dia, embora fosse pouco mais de seis da manhã, eu estava particularmente triste, incomodado e comovido com a quantidade de pessoas em situação de rua que tenho visto pelo bairro. Não sei precisar quantos, mas são muitos, geralmente homens, provavelmente prisioneiros do crack.
 
Mesmo sabendo que talvez estejam nessa vida pelas escolhas horríveis que fizeram não consigo deixar de sentir pena, muita pena por essa situação de abandono e desamparo, ainda mais agora, nesta época de baixas temperaturas. E foi esse mesmo sentimento que o cãozinho despertou em mim.
 
Tentei encontrar seu dono através de um perfil coletivo do Facebook, disse onde o tinha visto e dei alguns detalhes sobre sua aparência – de raça indefinida, pequeno, gracioso, pelo branco, com uma grossa corrente no pescoço, etc. Algumas pessoas responderam dizendo tê-lo visto em outras ruas e teve até uma alma caridosa que o alimentou e até publicou uma foto sua, mas o antigo dono nunca apareceu.
 
Um dia sumiu. Passei várias vezes pela rua para tentar vê-lo, mas nada. Imaginei que talvez tivesse reencontrado o antigo dono ou sido adotado por um novo, atraído pela visível docilidade e beleza do cachorrinho. Confesso que senti um pouco de alívio pela possível solução do problema e uma ponta de inveja do sortudo que o acolheu.
 
Nunca tive tanta vontade de possuir um cachorro! Não um cachorro qualquer, de alguma raça de nome pomposo e que custa uma pequena fortuna. Não, tudo o que eu queria era aquele cãozinho de olhar assustado, só para dar a ele o carinho que talvez tenha se acostumado a receber. Meu coração dói ao pensar nas privações que sofrem os moradores de rua, mas não tenho condições de ajudá-los. Talvez por isso eu tenha canalizado meus sentimentos para um novo morador de rua, um cãozinho bonitinho e abandonado.
 
Anteontem eu o revi na mesma rua, mas alguma coisa mudou em seu comportamento. Estava sem a corrente no pescoço e demonstrou ter medo sabe lá Deus de que, pois saiu em disparada quando entrei na ruazinha. Diminuí a velocidade para vê-lo, mas ele correu mais um pouco e se apertou entre as barras da grade de um dos prédios abandonados, numa clara tentativa de se proteger.
 
Tudo bem, cachorrinho, mesmo que eu não possa tê-lo para me fazer companhia, jamais lhe faria mal. Talvez você tenha mais sorte que os moradores de rua que dormem sobre caixas de papelão. Só espero que a nova vida de cachorro vadio lhe seja leve.



domingo, 16 de julho de 2023

PÚRPURA


Minha mulher amou o livro "O menino do dedo verde", mas nunca me interessei em ler a história, apesar de tê-lo aqui em casa. Depois de mais uma noite mal dormida tudo o que eu menos tenho hoje é paciência e lirismo. Por isso rascunhei este lixo abaixo, sem conseguir atingir a ironia que buscava. Se não estivesse tão triste e cansado talvez eu dissesse "Ficou ruim? Foda-se. Não gostaram? Fodam-se. Eu quero que o mundo todo se foda!" Mas o que eu desejo mesmo agora é só um sono reparador (que não terei).

O menino do dedo roxo
Não era o que parecia
Era doentio duende
Um dedo pintado de púrpura
 
Usado para escolher
A quem abater buscaria
Pois nisso se comprazia
Era esse seu mister
 
Sem valores morais a seguir
Tudo que ele tocava
Sem culpa ou vocação para mártir
Logo, logo fenecia
 
Mas se você me perguntar
Qual a moral e final dessa história
Não saberei te contar
Não ando bem de memória

sábado, 15 de julho de 2023

A PANELA DE PRESSÃO CÔMICA

 
Puta que pariu! Esse ChatGPT é um estudante jubilado de jornalismo ou letras, pois não escreve nada que preste! Olha o pedido que fiz ao escrotão:
 
“A síndrome de burnout está relacionada à atividade profissional. Mas eu, como aposentado e atualmente sujeito a um stress extremo, creio estar padecendo de sintomas semelhantes. E posso até me considerar um trabalhador à moda antiga (mesmo que não remunerado), pois hoje sou um cuidador de idoso. Eu preciso do riso como se fosse a válvula de uma panela de pressão, que a impede de explodir. Por favor, faça uma pequena crônica bem humorada sobre isso, mas não venha com pieguice. Obrigado”.
 
Olha o que o canastrão virtual escreveu (em vez de rir eu quase chorei de tristeza): 
Antonio e Sebastião são velhos “amigos”? 
Sem sacanagem, olha o final do texto idiota: 
“Antônio e Sebastião desafiavam juntos as adversidades do dia a dia, com muito bom humor e amor”.
"Amor”? “Sebastião”? Eu devia ter escrito IDOSA! Eu sou hetero, porra! E ainda agradeci antecipadamente! Olha o lixão aí:
 
A Panela de Pressão Cômica
Era uma vez um aposentado chamado Antônio, um sujeito pacato que havia decidido abraçar a nobre tarefa de cuidar de um idoso, seu velho amigo Sebastião. Embora não remunerado, Antônio levava seu trabalho a sério, como se fosse um autêntico trabalhador à moda antiga. Ele entendia que, mesmo sem um crachá ou contracheque, sua missão de cuidador exigia dedicação e comprometimento.
No entanto, com o passar do tempo, Antônio começou a sentir os efeitos do estresse extremo. As demandas constantes de Sebastião, que às vezes parecia ter uma lista interminável de reclamações e exigências, começaram a pesar sobre ele. Antônio percebeu que estava começando a exibir sintomas semelhantes aos da famosa síndrome de burnout.
Decidido a não deixar o estresse dominar sua vida, Antônio teve uma ideia brilhante. Ele pensou: "O riso é a melhor válvula de escape para a pressão acumulada, assim como uma panela de pressão precisa da sua válvula para evitar uma explosão." E assim, ele decidiu adotar uma estratégia incomum para enfrentar o desafio diário de ser cuidador.
Antônio transformou a rotina com Sebastião em uma verdadeira comédia. Ele passou a criar situações engraçadas e a contar piadas durante o dia todo. Quando Sebastião acordava de mau humor, Antônio o recebia com uma imitação exagerada de um personagem famoso, fazendo o velho rir mesmo contra a vontade.
Durante as refeições, Antônio se transformava em um chef atrapalhado, derrubando ingredientes e fazendo caretas engraçadas enquanto preparava os pratos. Ele inventava histórias mirabolantes para entreter Sebastião, que não resistia e soltava gargalhadas. Até mesmo a hora do banho se tornou uma festa, com Antônio fazendo dublagens engraçadas de personagens de desenhos animados enquanto ajudava seu amigo a se lavar.
Aquela casa, que antes era palco de tensões e preocupações, agora estava repleta de risadas contagiantes. Antônio descobriu que o poder do humor era capaz de aliviar as tensões e transformar o ambiente. Ele percebeu que não importava se era um trabalho remunerado ou não, o cuidado e a atenção que ele oferecia a Sebastião eram valiosos e mereciam ser vivenciados com alegria.
Com o tempo, Antônio notou que seus sintomas de "burnout à moda antiga" começaram a desaparecer. A panela de pressão cômica funcionava como uma válvula mágica, liberando o estresse e as preocupações acumuladas. Ele percebeu que, além de fazer bem a si mesmo, estava proporcionando momentos de felicidade genuína a seu amigo idoso.
E assim, Antônio seguiu seu caminho como o cuidador bem-humorado, mostrando que a vida pode ser mais leve e divertida mesmo em meio a situações desafiadoras. Ele provou que o riso é uma poderosa ferramenta de enfrentamento, capaz de transformar até mesmo as mais difíceis das tarefas em momentos de alegria.
E assim, a panela de pressão cômica continuou a funcionar, espalhando gargalhadas e dissipando o estresse, enquanto Antônio e Sebastião desafiavam juntos as adversidades do dia a dia, com muito bom humor e amor.

 

quinta-feira, 13 de julho de 2023

SINA DE BURNOUT

 
Não faz muito tempo que eu ouvi a expressão “síndrome de burnout”. Passei meio batido, sem me preocupar com seu significado exato. Depois disso, graças ao stress absurdo vivido por minha mulher e, consequentemente por mim, fiquei pensando que estou próximo de um burnout. E aí fui procurar informações na mãe dos burros, que é a internet. E achei um texto que explica, blablabla, mas diz que é uma síndrome que acomete quem está trabalhando. Achei uma injustiça, mas depois raciocinei que também sou hoje um empregado, mesmo que sem remuneração, pois exerço as funções de “cuidador de idoso”, mais especificamente um cuidador em tempo integral de minha mulher, a quem amo sem medida. E aí resolvi divulgar o texto (mesmo sem saber mais onde o encontrei), pois parece que minha sina é ser burnout, mesmo sem saber o que essa merda significa. É morte súbita? AVC violento? Ataque cardíaco fulminante? Brochada irreversível? O que é afinal o "12º estágio"? Olhaí.

 
Você sabe o que é síndrome de burnout? Talvez você já tenha ouvido falar desse termo, ou então, da síndrome do esgotamento profissional. Qualquer que seja a terminologia que conhece, ambas estão relacionadas ao mesmo problema: a sensação de cansaço, negatividade e de extremo estresse.
 
Desde janeiro de 2022, a síndrome de burnout passou a ser vista como uma doença ocupacional. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a síndrome se define como “resultante de um estresse crônico associado ao local de trabalho que não foi adequadamente administrado”.
 
Por outras palavras, a síndrome do esgotamento profissional, é um transtorno de ordem emocional, que resulta de uma carga excessiva e desgastante de trabalho. De modo geral, são acometidos os profissionais que atuam em ambientes de extrema pressão ou tensão, com grandes responsabilidades.
 
É importante dizer que a síndrome de burnout não pode ser considerada uma variação do estresse. Esse distúrbio psíquico e emocional é mais complexo, causando um impacto negativo não só na vida profissional, mas pessoal de quem sofre com o problema.
 
Ainda de acordo com o órgão de saúde, é muito importante considerarmos que a síndrome está diretamente ligada ao trabalho e, portanto, não deve ser aplicada a outros contextos da vida das pessoas.
 
Dentro do contexto de pandemia, a pauta sobre o assunto se tornou crucial, uma vez que o trabalho passou a ser feito dentro de casa, o que, para muitos funcionários, foi um verdadeiro pesadelo — especialmente para mulheres, que precisam lidar com a sobrecarga das tarefas domésticas e das empresas nas quais são colaboradoras.
 
A síndrome de burnout não chega de uma hora para outra, ou seja, não é um problema de explosão imediata. Os sintomas vão se apresentando lentamente, dia após dia, até acometerem de vez o paciente. Em muitos casos ela só é percebida quando o profissional já está completamente desmotivado, apático e improdutivo.
 
Alguns pesquisadores da área de psicologia acreditam que a doença surge em 12 estágios, mas que não necessariamente todas as pessoas vão vivenciar cada um deles. Saber o que é síndrome de burnout é muito importante para atentar-se aos sintomas.
 
A primeira fase é quando o trabalhador necessita provar que ele entende muito bem do que faz e quer mostrar a todo custo o seu valor. Em seguida, vem o momento em que o expediente e a vida profissional tornam-se uma coisa só e, de repente, a pessoa a todo momento está checando mensagens, respondendo e-mails ou atendendo telefonemas — tudo isso fora do expediente.
 
No terceiro estágio, o indivíduo nega as necessidades básicas do corpo, como dormir, comer, descansar, ter momentos de lazer, pois a prioridade são as tarefas. Depois, vem o momento em que a pessoa compreende que tem problemas, mas nega-os e evita tocar no assunto.
 
A quinta etapa é marcada pela autoestima sempre em questionamento, assim como a desvalorização da família, do lazer, das coisas que eram importantes no âmbito pessoal. Em sexto vem o momento em que o indivíduo se torna agressivo, sem paciência e sempre acha que os outros são o problema.
 
O sétimo estágio já começa a ser marcado pelo isolamento e há boas chances da pessoa buscar consolo no álcool ou, até mesmo, em outras drogas. Na oitava fase, a mudança de personalidade é totalmente visível.
 
Em nono, pode-se dizer que a pessoa começa a perder-se de si: deixa de ver o seu valor, não sente o afeto de quem a ama e, inclusive, ignora totalmente qualquer tipo de necessidade.
 
As três últimas fases já são mais críticas e marcadas pela sensação de vazio interno, em seguida, depressão e, por último, a chegada da síndrome de burnout.

 

MARCADORES DE UMA ÉPOCA - 4