domingo, 28 de fevereiro de 2021

BIÓPIA

Publicado originalmente em 23/08/2014


- Oi, Amor, tudo bem?
 
- Amor, nada! Pega um pano de prato e me ajuda a enxugar as vasilhas, porque estou morta de tanto trabalhar.
 
- Tuudo bem... (silêncio breve) – Entraram dois caras novos na seção...
 
- Gente boa?
 
- Ainda não deu pra saber, mas parece que são. Você vai gostar é dos nomes...
 
- Como se chamam?
 
- Um se chama Jausterlan.
 
- Nossa! Só tem nome estranho na sua empresa. Vocês Já pensaram em criar um Sindicato de Nomes Idiotas?
 
- É que empresa pública sempre tem muita gente.
 
- Só que eu me lembro, tem Weriuaires, Bekenbaur, Uilismar, Elisrejane, Maltezalem...
 
- É, talvez uma associação pegasse bem...
 
- E o outro?
 
- Ah, o nome desse é uma homenagem ao avô.
 
- E como é?
 
- Jaume.
 
- Jaume? Coitado... Não podia ser Jaime não?
 
- É que o avô dele era catalão.
 
- Catá o que?
 
- Catalão.
 
- E se fosse mulher, era o que? Cata lenha? Boa essa, né?
 
- Fraquinha...
 
- Onde fica isso?
 
- A catalunha fica na Espanha. Só que é como se fosse outro país, tem até língua própria.
 
- Tá sabendo, hem?
 
- Ele contou. O mais estranho é o primo dele que mora lá. Chama-se Paulo...
 
- E daí?
 
- É que na língua deles, Paulo é Pau.
 
- Adorei!... Se morasse aqui, bem que eu queria conhecer...
 
- É, né? Sei... Nem português você fala direito!...
 
- É claro que eu falo!... Neném ficou com ciuminho?
 
- Outro dia você quase me matou de vergonha quando falou pro Du que a dona Sonia ia fazer uma “biópia”!
 
- E o que é que tem?
 
- É biópsia, burra!
 
- Ah... Eu engasguei quando eu estava falando!
 
- Hã, hã, eu acredito... Você devia ler alguma coisa para melhorar o vocabulário, sei lá, talvez um romance legal, em vez de ficar só nas novelas.
 
- E quem iria lavar, cozinhar, arrumar a casa? O bonitão aí? Quando chega a noite, eu quero é descansar. E, além do mais, eu nunca gostei de ler, você sabe.
 
- Isso é que dá casar com ex-miss. Tirou diploma de “Pequeno Príncipe”, mas no resto tomou pau, né?
 
- Engraçado, bateu uma vontade de conhecer essa Catalunha!... 

 







sábado, 27 de fevereiro de 2021

TENSÃO DE ESCOAMENTO

Texto originalmente publicado em 22/08/2014 (nem me lembrava mais dele, mas acho que ficou legal)..


Outro dia me ocorreu uma imagem meio bizarra para representar a vida de uma pessoa (esse assunto de novo!). Eu sei, tenho alguns pensamentos recorrentes, recorrentes até demais. Mas, antes de apresentar essa ideia, preciso contar uma pequena história que tem tudo a ver com o assunto:

Quando meu cunhado voltou do Iraque depois de lá permanecer por três anos, alguém perguntou o que ele havia notado de diferente nas pessoas. Ele respondeu ter se surpreendido com as mudanças observadas nas crianças e nos idosos. Em relação aos demais, não havia alteração significativa.

Traduzindo, os processos de crescimento das crianças e envelhecimento dos idosos eram significativamente mais acelerados e perceptíveis do que as mudanças nos adultos jovens. Naquela época, meados da década de 1980, achei essa observação curiosa, mas não passou disso – afinal, eu estava entre os que não haviam sofrido grandes transformações.

Depois de fazer cinquenta anos, no entanto, comecei a notar em mim que os sinais de envelhecimento manifestavam-se de forma mais acentuada do que ocorria quando era mais jovem (e ainda tem gente que chama essa faixa etária de “melhor idade”! Leviandade e hipocrisia ou retardo mental). Também, até aí nada de mais.

Outro dia, porém, enquanto trabalhava duro para arranjar alguma coisa para passar o tempo, ao me lembrar da observação feita anos atrás por meu cunhado, fiquei imaginando como isso ficaria em um gráfico (já sei, “o hábito do cachimbo...”). Mas, para não entediar (mais ainda) o eventual leitor desta maluquice, diria apenas que o formato do gráfico seria muito semelhante ao perfil do "Tobogã da Avenida do Contorno", em BH (no sentido “subida”), correspondendo as duas rampas às fases inicial e final da vida.

A primeira “rampa” corresponderia ao período de zero até os 19 anos (para ficar coerente com a faixa “teen”). A famigerada fase da “melhor idade” (melhor idade é a puta que o pariu!) corresponderia à segunda ladeira. Finalmente, a parte plana entre as rampas representaria a faixa etária compreendida entre os 20 e os 50 anos, de acordo com a observação feita por meu cunhado (bela analogia!).

Mas a coisa não para por aí. Quando visualizei esse gráfico, lembrei-me na hora de um gráfico parecido, visto centenas de anos atrás no curso de engenharia civil, em alguma sala do velho “AS” (Álvaro da Silveira).

Esse gráfico atende pelo singelo nome de “diagrama de tensão versus deformação”, que seria o registro de dados de um teste de tração (vamos chamar de “esticamento”) de uma amostra de barra de ferro usada em construção. Mas ninguém precisa se assustar, pois eu fui um péssimo e relapso aluno. Além do mais, minha memória (ou o que resta dela) é mais visual do que qualquer outra coisa. E, afinal, o velho e bom Guga (Google, pô!) está aí para ajudar, não é mesmo? E olha a elegância:

“Caracteriza-se a resistência do aço pela sua resistência máxima à tração. O valor de tensão considerado como limite de resistência é o da Tensão de Escoamento ou Limite de Escoamento”.
Chama-se de escoamento o fenômeno observado em alguns metais, nos quais ocorre acréscimo de deformação sem acréscimo de tensão. (...) Ocorre tensão de escoamento real quando no gráfico tensão versus deformação temos patamar de escoamento.”

Isso significa que, submetido à tração, o aço vai se deformando (“esticando”) à medida que a força aumenta. De repente, ele continua a se deformar sem nenhum acréscimo de força (o tal “escoamento”). A partir de determinado valor, volta à situação inicial – é necessário aumentar gradativamente a força de tração para que ele continue a se deformar, até ocorrer o rompimento.

E aí é que entra o meu delírio: normalmente, vejo por aí que o transcorrer da vida é sempre associado a caminhadas, estradas, rios, essas coisas manjadas. A novidade dessa alegoria (ociologia pura!) é a sua origem na engenharia – mais precisamente, na tecnologia de materiais de construção.

Vejam bem, se fizermos uma correlação entre o comportamento do aço em teste com as transformações que as pessoas sofrem ao longo de sua existência (sendo o tal “patamar de escoamento” a fase produtiva do homem), teremos uma nova imagem para explicar (para um ET, lógico) como é o transcorrer de uma vida humana.

Dá até para extrair algumas metáforas dessa comparação. Por exemplo, a tensão crescente, correspondente ao avanço dos anos, tem tudo a ver com a tensão diária da vida nas cidades. Outra equivalência: a deformação do aço, se metaforicamente alinhada às transformações sofridas física e emocionalmente ao longo da vida, fica particularmente ideal para descrever a terceira fase da vida – queda de cabelo e outras quedas, perda de memória, o escambau. É tanta “deformação” que fica difícil assimilar tudo sem espernear.

Finalizando, já que se falou tanto em “escoamento”, nunca é demais lembrar que, “ao fim e ao cabo”, tudo termina mesmo escoando para o ralo. 

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

VEM, NÃO DEIXE PRA DEPOIS - VERSÃO INTEGRAL

 Como tenho o costume de fazer, sempre que escrevo um texto que gaste mais que duas páginas A4 em arial 12 ele é publicado em dois ou mais posts, pois acho a leitura de textos longos na tela do computador um pouco enfadonha. E se penso assim, imagino que o mesmo possa acontecer com os eventuais leitores desta bagaça. Depois da publicação do texto fracionado (como também é meu costume), publico o texto em um único post, como é o caso deste. Então, som na caixa!


Como não sou de visitar ninguém, fico anos sem encontrar pessoas das famílias de meu pai ou de minha mãe. Mesmo assim, depois de saber de um piripaque sofrido por um parente com quem sempre tive mais contato, resolvi criar vergonha na cara e fazer a ele uma visitinha relâmpago.
Encontrei-o absorto, sentado em uma cadeira de rodas. Ao me ver, abriu o maior sorriso:
 
- Olha o Zé! Devo estar morrendo para você me visitar!
- Para com isso, você está bom que nem coco!
- Acho que você esqueceu o acento circunflexo...
- Deixe de bobagem! Que anda fazendo? Tudo bem com você?
- Como pode ver, eu não ando fazendo nada, eu rodo fazendo alguma coisa.
- Putz, que trocadilho horroroso!
- Mal de família...
- E o que você tem "rodado fazendo" ultimamente?
- Estou escrevendo um texto sobre minhas lembranças de carnaval.
- Efeito do carnaval que não aconteceu neste ano?
- Não, essa vontade surgiu depois de ler um conto lindo do Veríssimo. Aquilo revolveu minhas lembranças lá do fundo, me dando vontade de contar um pouco da minha história.
- "Recordar é viver", como dizia uma marchinha carnavalesca.
- Há controvérsias quanto a esse "viver", tá certo? Ainda estou escrevendo, talvez termine amanhã ou depois. Claro, se conseguir acordar respirando. Quer ler a parte que está pronta?
- Lógico!
- Pegue para mim o notebook que está naquela mesinha ali.
- Peguei!
- Bom menino! Já tem direito a ganhar sobremesa.
- Sem comentários...
 
Enquanto meu parente ligava o computador, fiquei examinando sua aparência. Vejo que foi bom eu ter vindo, pois se o humor continua o mesmo, o aspecto frágil e debilitado indica que talvez não "rode" mais por muito tempo.
 
- "Toma, pega aqui o notebook, o texto já está aberto". Comecei a ler.
 
 
                                           VEM, NÃO DEIXE PRA DEPOIS
 
Primeira infância
Quando eu tinha uns cinco ou seis anos (talvez um pouco mais) minha mãe nos levava ao centro da cidade para ver o movimento de carnaval. Em cada cruzamento de ruas da área central encontravam-se barraquinhas que vendiam todo tipo de badulaque para quem quisesse se equipar: colares de havaianas, quepes de comandante de navio e boinas de marinheiro do tipo usado pelo Popeye, máscaras diversas, óculos de acetato, apitos, sacos de confete, serpentinas e lança-perfumes Rodouro (que tinham um cheiro maravilhoso).
 
Ao longo da avenida alto-falantes instalados para a ocasião alternavam marchinhas de carnaval com publicidade de produtos diversos e empresas. O movimento era intenso, com gente andando para lá e para cá, mas, para minha decepção, quase ninguém fantasiado. Dessa época, além das poucas lembranças, tenho guardado um retrato em que eu e meu irmão aparecemos fantasiados. Eu devia ter uns três ou quatro anos e estava vestido com uma roupa tipo "gênio do Aladim". Um dia minha mãe parou de nos levar ao centro para ver o carnaval.
 
Final da infância
Quando eu tinha uns onze ou doze anos e ficava perambulando pelo bairro onde morava, surgiu a brincadeira do "sangue do diabo". Segundo meu pai, era uma mistura de "amoníaco e fenolftaleína", mas nunca me preocupei com isso, pois era ele quem preparava o "sangue" para nós. Essa solução era acondicionada em bisnagas de plástico cujo formato imitava as já proibidas lança-perfumes.
 
Era divertido ver o susto das pessoas que recebiam um jato do líquido avermelhado, pois as roupas ficavam imediatamente manchadas - manchas que sumiam assim que o líquido se evaporava. Claro que existia o risco de ganhar uns cascudos, mas normalmente só acontecia um princípio de esporro, logo atenuado pelo desaparecimento da mancha. A molecada promovia verdadeiras batalhas com aquilo. Um dia essa brincadeira passou também, talvez pegando carona no final da nossa infância.
 
Início da adolescência (e o texto terminava ali)
 
- Que achou?
- Gostei, principalmente do título e da última frase. Consegui me lembrar nitidamente daquele tempo. Quando vou ler o resto?
- Bom, como eu sei que você não virá aqui só para ler o texto, te mando por e-mail assim que acabar.
- Beleza. Vai falar do primeiro namorado que arrumou?
- Deixe de ser ridículo, não é sua biografia que estou escrevendo!
 
                                                               xxx
 
Por estar aposentado, não tenho mais o costume de abrir diariamente o Outlook. Às vezes fico uma semana ou mais sem me preocupar com isso, pois praticamente só recebo spam, ofertas de produtos e pesquisas de opinião sobre compras on line. Por isso, já tinha até esquecido a história, quando recebi um e-mail com o final do texto que meu parente estava escrevendo quando fui visitá-lo. E este é o final, o complemento do texto que li em seu notebook.
 
Início da adolescência
Creio que foi ao entrar na adolescência que descobri - terrível descoberta! - que eu era feio, desengonçado, narigudo, magricelo. E sem queixo. Essa aparência desfavorável aliada a um medo paralisante e a uma timidez nível "hard" me deixava totalmente sem ação ao estar perto de uma menina. O resultado imediato e previsível é que eu não era notado por ninguém. E se fosse, não saberia como me aproximar, como proceder.
 
 
Foi nessa época de trevas, quando devia ter não mais que quatorze anos que me sugeriram ir a uma matinê de carnaval em um clube próximo de nossa casa. Fiquei sem saber se ia, pois nunca tinha visto antes um "baile de carnaval". Mas acabei cedendo à insistência de minha mãe e fui. Meio a contragosto, mas fui.
 
Naquela época carnaval bom era carnaval de clube. Por isso,até as matinês carnavalescas ficavam cheias de gente. O salão tinha sido dividido em dois, creio que com utilização de cadeiras. De um lado ficavam os adultos e adolescentes mais velhos, girando e marchando em torno de um círculo imaginário. Do outro lado ficava o pessoal da minha faixa etária formando uma grande roda, todos de mãos dadas, fazendo uma espécie de ciranda. E no meio os mais desinibidos e as meninas que às vezes escolhiam algum garoto para puxar para o meio da roda. Ficavam ali "puladançando" um ou dois minutos e logo o menino era despachado para o anonimato de onde saíra.
 
Acho pertinente dizer que as músicas executadas eram em sua maioria marchinhas compostas especialmente para os festejos "momescos". Por isso, ninguém exibia dotes de passista de escola de samba, todo mundo "marchava". Cadenciadamente nas músicas mais lentas ou pulando  animadamente nas mais aceleradas.
 
E ali estava eu, mais deslocado que penetra em velório de desconhecido. Apesar da timidez e da total falta de traquejo eu estava pronto a me apaixonar por qualquer menina que olhasse na direção de onde eu estava. Nem precisava ser muito bonita, bastava que não fosse feia (afinal, de feio já bastava eu). E "ela" me olhou. E fez mais, puxou-me para o centro da ciranda.
 
Eu não sabia exatamente o que fazer, mas fiquei extasiado com aquele projeto de deusa à minha frente. A fantasia que usava era de índia americana, tinha cabelos pretos presos por uma tira ou cocar de duas penas, os olhos verdes estavam maquiados e na boca estava depositado um batom vermelho ou coisa parecida. Usava colar e brincos, provavelmente feitos de miçangas. Esqueci de dizer que era linda. E eu ali, desenxabido, sem graça, esperando ser despachado de volta ao "espaço exterior", o que aconteceu no tempo "regulamentar". Não sei se continuei no salão depois dessa overdose de felicidade ou se fui embora, pois sabia que não entraria novamente na órbita da índia.
 
Na matinê seguinte (só havia matinês aos domingos e terças feiras) nem precisei ser incentivado. Fui logo me encaixando na roda dos "mendicantes", à espera de ser novamente puxado para o centro pela deusa, mas não foi o que aconteceu. Não sei se ela não foi ou se ignorou minha presença e meu olhar de enamorado. E assim terminou minha primeira festa de carnaval.
 
Fiquei apaixonado durante um ano, paixão que foi amortecendo até o carnaval seguinte. Também não sei se ela estava ou não presente nas matinês, mas isso já não importava, pois em um domingo qualquer, quando voltava da missa, descobri onde morava. Conversava no portão de uma casa, mas não tinha a beleza estonteante que julguei que possuísse. E, pior, já estava namorando - um sujeito mais velho, mais alto, mais bem aparentado e mais forte que eu.
 
 
Estava nesse ponto da história quando fui convocado a fazer compras no supermercado e obrigado a interromper a leitura do e-mail, pois ainda havia um trecho grande daquela história para ler. E confesso que estava curioso por saber que outras revelações meu companheiro de juventude tinha se animado a fazer.
 
                                                               xxx
 
Depois de guardar as compras de supermercado, a primeira coisa que fiz foi religar o computador e acessar o Outlook. Lá estava o e-mail que já tinha começado a ler, com aquele "assunto" (subject) convidativo - "Vem, não deixe pra depois".
 
Desde o dia em que fui à casa de meu companheiro de juventude e peguei o notebook para ler o trecho inicial da história, estranhei a necessidade de títulos no meio do texto, mas depois entendi o motivo. Meu velho amigo estava registrando blocos de memória cujo único ponto de contato era o carnaval. Mesmo assim, reli rapidamente os trechos já conhecidos e encarei o que imaginava ser a reta final da história.
 
 
Final da adolescência
Eu continuava tímido, bobo e inseguro no final da adolescência, era quase uma máquina programada para não me arriscar, para não me aventurar nunca. O medo de parecer ridículo me fazia ficar estático, paralisado perto de meninas que me atraiam. Naquela época eu já tinha abandonado o bairro onde nasci e frequentava um bairro próximo, mais civilizado, pois me tornei sócio de um clube fuleiro que existia na região. Assim, tinha acesso às horas dançantes super sem graça que aconteciam nas noites de sábado. Só mesmo o carnaval para mudar um pouco - só um pouco - essa situação. Em fevereiro aconteciam quatro bailes noturnos de carnaval, bastante cheios e movimentados. Para animar a festa havia uma pequena banda (que naquela época era chamada de "conjunto") formada por trombone, piston, clarineta, bateria e mais alguma coisa, tudo isso regido pela batuta (ou baqueta) do maestro e baterista Serrinha.
 
Com o salão já cheio de foliões e os músicos a postos em seus lugares, o piston anunciava o início da festa na hora marcada: TARÁ TARÁ TARÁ TATÁ , TÁ TÁ RÁ TÁ TÁ TÁ!!! e a banda atacava "Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é..."  Imediatamente surgia um carrossel de pessoas marchando, "puladançando" a girar pelo salão, uma "Via Láctea" em miniatura, formada pelos casais pré-existentes, por grupos de foliãs desacompanhadas e por novos pares que iam surgindo, à medida que os mais desinibidos colocavam a mão na cintura ou no ombro da primeira moça que viam. Enquanto isso, um "cinturão de asteroides" (fiquei tentado a escrever um cinturão de testosteroides) formado por homens semi-estáticos e desacompanhados demarcava os limites da "galáxia". Aquele era o meu lugar.
 
Pois bem, não sei se foi na segunda ou terceira noite que notei um olhar diferente, de significado desconhecido, vindos de uma menina que mesmo não sendo linda era muito atraente. E tinha belos olhos. Aguardei ansioso que passasse sozinha novamente e avancei. E ficamos girando abraçados pelo salão, sem sair de nossas bocas uma só palavra que não fosse a letra cantada de uma das marchinhas tocadas. Não sei mais quanto tempo ficamos juntos, não perguntei seu nome nem tentei beijá-la (procedimento inimaginável naquela época). Só sei que estava feliz, muito feliz.
 
Na noite seguinte, talvez a última daquele carnaval, lá estava ela de novo. Exibiu um leve sorriso quando coloquei novamente a mão em seu ombro e lá fomos nós. Apesar de ser carnaval, se na época eu conhecesse a música, teria cantado para ela "Fly me to the moon" ("and let me play among the stars"), pois era assim que eu me sentia. Mesmo não sendo essa, havia músicas de carnaval que apertavam meu peito e me faziam sonhar, (ainda mais abraçado inocentemente com ela). Uma dessas músicas dizia assim:
 
A noite é linda nos braços teus,
É cedo ainda pra dizer adeus
Vem, não deixe pra depois, depois
Vem, que a noite é de nós dois, nós dois...
 
Não sei a culpa era dessa letra ou se o motivo estava na melodia, talvez uma mudança de um tom maior para um menor ou o inverso disso, sei lá. Só sei que quando executada, essa música me fazia amargar a sensação de que eu deveria ter me aventurado mais, ter aproveitado mais, pois "agora, só no ano que vem".
 
No ano seguinte, já com dezessete mal vividos anos, lá estava eu de novo naquele clube, um pouco mais falante, um pouco mais desinibido, mas sempre solitário. A música começou a tocar e ela surgiu, mas abraçada com alguém. Passou por mim com um ligeiro e irônico sorriso, deixando-me ainda mais desalentado. Entretanto, na segunda volta já estava sozinha, fazendo-me novamente abraçá-la e sonhar, sonhar, sonhar enquanto girávamos pelo salão.
 
Hoje, tantos anos depois, não me lembro mais se brincamos e pulamos juntos todas as noites. Não sei quais palavras trocamos nem se me disse seu nome - ou se disse e eu o esqueci. Só sei que tentei sem sucesso obter seu endereço ou coisa semelhante. Mas imagino talvez ter descoberto pelo menos um dos motivos para a recusa: seu pai estava ali pertinho, vigilante. Creio que ela era filha do maestro Serrinha.
 
Mais um ano se passou,  eu tinha acabado de ser corneado por uma (ex) namorada e, por já não ser mais sócio daquele clube, deixei de ir a seus bailes de carnaval. Não sei dizer - e adoraria saber - que fim levou aquela menina de olhos sonhadores a quem só encontrava em duas ou três noites por ano, noites de carnaval. Mas a história não acaba assim, pois naquele mesmo ano, em outro clube, em outro baile carnavalesco, conheci a mulher da minha vida, a menina mais linda com quem eu poderia um dia sonhar.
 
                                                               FIM
 
 
Percebi que estava com um ligeiro e involuntário sorriso de aprovação ao terminar a leitura. E fiquei ali um pouco, pensativo, meditando sobre como pode ser curiosa a vida. O texto de meu "parça" que acabara de ler era uma reação, tinha sido motivado por um conto do Luis Fernando Verissimo. Desconsiderada a qualidade literária de um e de outro, a história de meu amigo fez com eu também mergulhasse no meu passado e me lembrasse da minha juventude, tão próxima à que acabara de ler, que o texto parecia ter sido  inspirado não só na vida de meu velho companheiro mas também na minha.
 

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

VEM, NAO DEIXE PRA DEPOIS - FINAL


Depois de guardar as compras de supermercado, a primeira coisa que fiz foi religar o computador e acessar o Outlook. Lá estava o e-mail que já tinha começado a ler, com aquele "assunto" (subject) convidativo - "Vem, não deixe pra depois".

Desde o dia em que fui à casa de meu companheiro de juventude e peguei o notebook para ler o trecho inicial da história, estranhei a necessidade de títulos no meio do texto, mas depois entendi o motivo. Meu velho amigo estava registrando blocos de memória cujo único ponto de contato era o carnaval. Mesmo assim, reli rapidamente os trechos já conhecidos e encarei o que imaginava ser a reta final da história.
 
Final da adolescência
Eu continuava tímido, bobo e inseguro no final da adolescência, era quase uma máquina programada para não me arriscar, para não me aventurar nunca. O medo de parecer ridículo me fazia ficar estático, paralisado perto de meninas que me atraiam. Naquela época eu já tinha abandonado o bairro onde nasci e frequentava um bairro próximo, mais civilizado, pois me tornei sócio de um clube fuleiro que existia na região. Assim, tinha acesso às horas dançantes super sem graça que aconteciam nas noites de sábado. Só mesmo o carnaval para mudar um pouco - só um pouco - essa situação. Em fevereiro aconteciam quatro bailes noturnos de carnaval, bastante cheios e movimentados. Para animar a festa havia uma pequena banda (que naquela época era chamada de "conjunto") formada por trombone, piston, clarineta, bateria e mais alguma coisa, tudo isso regido pela batuta (ou baqueta) do maestro e baterista Serrinha.
 
Com o salão já cheio de foliões e os músicos a postos em seus lugares, o piston anunciava o início da festa na hora marcada: TARÁ TARÁ TARÁ TATÁ , TÁ TÁ RÁ TÁ TÁ TÁ!!! e a banda atacava "Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é..."  Imediatamente surgia um carrossel de pessoas marchando, "puladançando" a girar pelo salão, uma "Via Láctea" em miniatura, formada pelos casais pré-existentes, por grupos de foliãs desacompanhadas e por novos pares que iam surgindo, à medida que os mais desinibidos colocavam a mão na cintura ou no ombro da primeira moça que viam. Enquanto isso, um "cinturão de asteroides" (fiquei tentado a escrever um cinturão de testosteroides) formado por homens semi-estáticos e desacompanhados demarcava os limites da "galáxia". Aquele era o meu lugar.

Pois bem, não sei se foi na segunda ou terceira noite que notei um olhar diferente, de significado desconhecido, vindos de uma menina que mesmo não sendo linda era muito atraente. E tinha belos olhos. Aguardei ansioso que passasse sozinha novamente e avancei. E ficamos girando abraçados pelo salão, sem sair de nossas bocas uma só palavra que não fosse a letra cantada de uma das marchinhas tocadas. Não sei mais quanto tempo ficamos juntos, não perguntei seu nome nem tentei beijá-la (procedimento inimaginável naquela época). Só sei que estava feliz, muito feliz.

Na noite seguinte, talvez a última daquele carnaval, lá estava ela de novo. Exibiu um leve sorriso quando coloquei novamente a mão em seu ombro e lá fomos nós. Apesar de ser carnaval, se na época eu conhecesse a música, teria cantado para ela "Fly me to the moon" ("and let me play among the stars"), pois era assim que eu me sentia. Mesmo não sendo essa, havia músicas de carnaval que apertavam meu peito e me faziam sonhar, (ainda mais abraçado inocentemente com ela). Uma dessas músicas dizia assim:
 
A noite é linda nos braços teus,
É cedo ainda pra dizer adeus
Vem, não deixe pra depois, depois
Vem, que a noite é de nós dois, nós dois...
 
Não sei a culpa era dessa letra ou se o motivo estava na melodia, talvez uma mudança de um tom maior para um menor ou o inverso disso, sei lá. Só sei que quando executada, essa música me fazia amargar a sensação de que eu deveria ter me aventurado mais, ter aproveitado mais, pois "agora, só no ano que vem".
 
No ano seguinte, já com dezessete mal vividos anos, lá estava eu de novo naquele clube, um pouco mais falante, um pouco mais desinibido, mas sempre solitário. A música começou a tocar e ela surgiu, mas abraçada com alguém. Passou por mim com um ligeiro e irônico sorriso, deixando-me ainda mais desalentado. Entretanto, na segunda volta já estava sozinha, fazendo-me novamente abraçá-la e sonhar, sonhar, sonhar enquanto girávamos pelo salão.

Hoje, tantos anos depois, não me lembro mais se brincamos e pulamos juntos todas as noites. Não sei quais palavras trocamos nem se me disse seu nome - ou se disse e eu o esqueci. Só sei que tentei sem sucesso obter seu endereço ou coisa semelhante. Mas imagino talvez ter descoberto pelo menos um dos motivos para a recusa: seu pai estava ali pertinho, vigilante. Creio que ela era filha do maestro Serrinha.
 
Mais um ano se passou,  eu tinha acabado de ser corneado por uma (ex) namorada e, por já não ser mais sócio daquele clube, deixei de ir a seus bailes de carnaval. Não sei dizer - e adoraria saber - que fim levou aquela menina de olhos sonhadores a quem só encontrava em duas ou três noites por ano, noites de carnaval. Mas a história não acaba assim, pois naquele mesmo ano, em outro clube, em outro baile carnavalesco, conheci a mulher da minha vida, a menina mais linda com quem eu poderia um dia sonhar.
 
FIM


Percebi que estava com um ligeiro e involuntário sorriso de aprovação ao terminar a leitura. E fiquei ali um pouco, pensativo, meditando sobre como pode ser curiosa a vida. O texto de meu "parça" que acabara de ler era uma reação, tinha sido motivado por um conto do Luis Fernando Verissimo. Desconsiderada a qualidade literária de um e de outro, a história de meu amigo fez com eu também mergulhasse no meu passado e me lembrasse da minha juventude, tão próxima à que acabara de ler, que o texto parecia ter sido  inspirado não só na vida de meu velho companheiro mas também na minha.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

VEM, NAO DEIXE PRA DEPOIS - 2/3

Por estar aposentado, não tenho mais o costume de abrir diariamente o Outlook. Às vezes fico uma semana ou mais sem me preocupar com isso, pois praticamente só recebo spam, ofertas de produtos e pesquisas de opinião sobre compras on line. Por isso, já tinha até esquecido a história, quando recebi um e-mail com o final do texto que meu parente estava escrevendo quando fui visitá-lo. E este é o final, o complemento do texto que li em seu notebook.
 

Início da adolescência
Creio que foi ao entrar na adolescência que descobri - terrível descoberta! - que eu era feio, desengonçado, narigudo, magricelo. E sem queixo. Essa aparência desfavorável aliada a um medo paralisante e a uma timidez nível "hard" me deixava totalmente sem ação ao estar perto de uma menina. O resultado imediato e previsível é que eu não era notado por ninguém. E se fosse, não saberia como me aproximar, como proceder.
 
Foi nessa época de trevas, quando devia ter não mais que quatorze anos que me sugeriram ir a uma matinê de carnaval em um clube próximo de nossa casa. Fiquei sem saber se ia, pois nunca tinha visto antes um "baile de carnaval". Mas acabei cedendo à insistência de minha mãe e fui. Meio a contragosto, mas fui.
 
Naquela época carnaval bom era carnaval de clube. Por isso,até as matinês carnavalescas ficavam cheias de gente. O salão tinha sido dividido em dois, creio que com utilização de cadeiras. De um lado ficavam os adultos e adolescentes mais velhos, girando e marchando em torno de um círculo imaginário. Do outro lado ficava o pessoal da minha faixa etária formando uma grande roda, todos de mãos dadas, fazendo uma espécie de ciranda. E no meio os mais desinibidos e as meninas que às vezes escolhiam algum garoto para puxar para o meio da roda. Ficavam ali "puladançando" um ou dois minutos e logo o menino era despachado para o anonimato de onde saíra.
 
Acho pertinente dizer que as músicas executadas eram em sua maioria marchinhas compostas especialmente para os festejos "momescos". Por isso, ninguém exibia dotes de passista de escola de samba, todo mundo "marchava". Cadenciadamente nas músicas mais lentas ou pulando  animadamente nas mais aceleradas. 

E ali estava eu, mais deslocado que penetra em velório de desconhecido. Apesar da timidez e da total falta de traquejo eu estava pronto a me apaixonar por qualquer menina que olhasse na direção de onde eu estava. Nem precisava ser muito bonita, bastava que não fosse feia (afinal, de feio já bastava eu). E "ela" me olhou. E fez mais, puxou-me para o centro da ciranda.
 
Eu não sabia exatamente o que fazer, mas fiquei extasiado com aquele projeto de deusa à minha frente. A fantasia que usava era de índia americana, tinha cabelos pretos presos por uma tira ou cocar de duas penas, os olhos verdes estavam maquiados e na boca estava depositado um batom vermelho ou coisa parecida. Usava colar e brincos, provavelmente feitos de miçangas. Esqueci de dizer que era linda. E eu ali, desenxabido, sem graça, esperando ser despachado de volta ao "espaço exterior", o que aconteceu no tempo "regulamentar". Não sei se continuei no salão depois dessa overdose de felicidade ou se fui embora, pois sabia que não entraria novamente na órbita da índia.
 
Na matinê seguinte (só havia matinês aos domingos e terças feiras) nem precisei ser incentivado. Fui logo me encaixando na roda dos "mendicantes", à espera de ser novamente puxado para o centro pela deusa, mas não foi o que aconteceu. Não sei se ela não foi ou se ignorou minha presença e meu olhar de enamorado. E assim terminou minha primeira festa de carnaval.

Fiquei apaixonado durante um ano, paixão que foi amortecendo até o carnaval seguinte. Também não sei se ela estava ou não presente nas matinês, mas isso já não importava, pois em um domingo qualquer, quando voltava da missa, descobri onde morava. Conversava no portão de uma casa, mas não tinha a beleza estonteante que julguei que possuísse. E, pior, já estava namorando - um sujeito mais velho, mais alto, mais bem aparentado e mais forte que eu.
 
 
Estava nesse ponto da história quando fui convocado a fazer compras no supermercado e obrigado a interromper a leitura do e-mail, pois ainda havia um trecho grande daquela história para ler. E confesso que estava curioso por saber que outras revelações meu companheiro de juventude tinha se animado a fazer.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

VEM, NÃO DEIXE PRA DEPOIS - 1/3

Como não sou de visitar ninguém, fico anos sem encontrar pessoas das famílias de meu pai ou de minha mãe. Mesmo assim, depois de saber de um piripaque sofrido por um parente com quem sempre tive mais contato, resolvi criar vergonha na cara e fazer a ele uma visitinha relâmpago. 
Encontrei-o absorto, sentado em uma cadeira de rodas. Ao me ver, abriu o maior sorriso:
 
- Olha o Zé! Devo estar morrendo para você me visitar!
- Para com isso, você está bom que nem coco!
- Acho que você esqueceu o acento circunflexo...
- Deixe de bobagem! Que anda fazendo? Tudo bem com você?
- Como pode ver, eu não ando fazendo nada, eu rodo fazendo alguma coisa.
- Putz, que trocadilho horroroso!
- Mal de família...
- E o que você tem "rodado fazendo" ultimamente?
- Estou escrevendo um texto sobre minhas lembranças de carnaval.
- Efeito do carnaval que não aconteceu neste ano?
- Não, essa vontade surgiu depois de ler um conto lindo do Veríssimo. Aquilo revolveu minhas lembranças lá do fundo, me dando vontade de contar um pouco da minha história.
"Recordar é viver", como dizia uma marchinha carnavalesca.
- Há controvérsias quanto a esse "viver", tá certo? Ainda estou escrevendo, talvez termine amanhã ou depois. Claro, se conseguir acordar respirando. Quer ler a parte que está pronta?
- Lógico!
- Pegue para mim o notebook que está naquela mesinha ali.
- Peguei!
- Bom menino! Já tem direito a ganhar sobremesa.
- Sem comentários...
 
Enquanto meu parente ligava o computador, fiquei examinando sua aparência. Vejo que foi bom eu ter vindo, pois se o humor continua o mesmo, o aspecto frágil e debilitado indica que talvez não "rode" mais por muito tempo.
 
- "Toma, pega aqui o notebook, o texto já está aberto". Comecei a ler.
 
 
VEM, NÃO DEIXE PRA DEPOIS

Primeira infância
Quando eu tinha uns cinco ou seis anos (talvez um pouco mais) minha mãe nos levava ao centro da cidade para ver o movimento de carnaval. Em cada cruzamento de ruas da área central encontravam-se barraquinhas que vendiam todo tipo de badulaque para quem quisesse se equipar: colares de havaianas, quepes de comandante de navio e boinas de marinheiro do tipo usado pelo Popeye, máscaras diversas, óculos de acetato, apitos, sacos de confete, serpentinas e lança-perfumes Rodouro (que tinham um cheiro maravilhoso).
 
Ao longo da avenida alto-falantes instalados para a ocasião alternavam marchinhas de carnaval com publicidade de produtos diversos e empresas. O movimento era intenso, com gente andando para lá e para cá, mas, para minha decepção, quase ninguém fantasiado. Dessa época, além das poucas lembranças, tenho guardado um retrato em que eu e meu irmão aparecemos fantasiados. Eu devia ter uns três ou quatro anos e estava vestido com uma roupa tipo "gênio do Aladim". Um dia minha mãe parou de nos levar ao centro para ver o carnaval. 
 
Final da infância
Quando eu tinha uns onze ou doze anos e ficava perambulando pelo bairro onde morava, surgiu a brincadeira do "sangue do diabo". Segundo meu pai, era uma mistura de "amoníaco e fenolftaleína", mas nunca me preocupei com isso, pois era ele quem preparava o "sangue" para nós. Essa solução era acondicionada em bisnagas de plástico cujo formato imitava as já proibidas lança-perfumes.
 
Era divertido ver o susto das pessoas que recebiam um jato do líquido avermelhado, pois as roupas ficavam imediatamente manchadas - manchas que sumiam assim que o líquido se evaporava. Claro que existia o risco de ganhar uns cascudos, mas normalmente só acontecia um princípio de esporro, logo atenuado pelo desaparecimento da mancha. A molecada promovia verdadeiras batalhas com aquilo. Um dia essa brincadeira passou também, talvez pegando carona no final da nossa infância. 
 
Início da adolescência
 
- Que achou?
- Gostei, principalmente do título e da última frase. Consegui me lembrar nitidamente daquele tempo. Quando vou ler o resto?
- Bom, como eu sei que você não virá aqui só para ler o texto, te mando por e-mail assim que acabar.
- Beleza. Vai falar do primeiro namorado que arrumou?
- Deixe de ser ridículo, não é sua biografia que estou escrevendo!

(Fim da primeira parte)
 


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

HISTÓRIA ALTERNATIVA

Publicado originalmente em 15/08/2014.

Esse negócio de "história alternativa" é uma coisa meio louca. Você fica pensando no "Se" o tempo todo. "E se tivesse acontecido isso com Fulano?" ou "e se NÃO tivesse acontecido aquela guerra?", e você começa a desfiar um enredo alternativo para a "dura realidade da vida". 

Não tenho certeza de nada, mas imagino que é dessa dúvida, dessa possibilidade que surgem os "romances históricos" ou livros do tipo "O Código Da Vinci". E o mais legal é que tem gente que acredita nisso! Mas o papo aqui é mais banal, restrito às minhas próprias limitações

Outro dia, lendo um livro de cultura inútil, fiquei sabendo de um fato muito louco sobre o Einstein. Sabem quais foram suas últimas palavras? 

Ninguém ficou sabendo. Ele falou em alemão e a enfermeira que estava com ele não entendia nada dessa língua. Foda, né?

Por isso, qualquer um pode imaginar as palavras que bem entender. Sei lá, alguém pode supor que ele disse  "acho que vou peidar". E disse em alemão só para pegar a enfermeira de surpresa. 

Eu, por outro lado, sinto-me no direito de pensar que ele deixou para a posteridade essa frase (em "alemão" castiço!):

"AS AFTAS ARDEM E DOEM”.


sábado, 20 de fevereiro de 2021

PAUSA PARA TOMAR ÁGUA

Estava quieto no meu canto, entretido com um texto tardio sobre carnaval, não pensava em publicar nada hoje e resolvi dar uma paradinha para beber um gole d'água. Foi quando fiquei sabendo da  crítica que algum ignorante fez a blocos caricatos da cidade só porque os integrantes desses blocos pintam seus rostos de preto, o que, no raciocínio do boçal caracterizaria uma prova de "racismo estrutural". Aí eu me enfureci. Ninguém contesta a existência de racismo no Brasil e quero acreditar que boa parte da população considera odioso esse comportamento. Mas acho idiotice atribuir racismo a essa prática adotada por todos os blocos caricatos de BH. Digo idiotice e completo com "ignorante", pois a pintura do rosto dos batuqueiros tem ou tinha várias padronagens e cores: rosto todo verde, rosto todo preto, rosto todo preto com bocas brancas, só prateado ou uma mescla de azul e amarelo, ou metade preto metade branco, ou ainda amarelo, verde e preto, só amarelo e preto, etc. Eram e são caricatos por terem um jeitão de palhaços de circo (minha opinião).
 
Mas não é só isso a se lembrar. No Carnaval homens se vestem de bebês (com fraldas e chupetas), garotinhos exibem bigodes e costeletas, mulheres se vestem de homem, homens usam as roupas velhas das mães, irmãs ou esposas para cair na farra, velhos se fingem de moços, moços se arrastam como velhos, tudo na maior zona. Para mim, o Carnaval é a última grande celebração pagã, a última orgia institucionalizada. Volto a dizer: claro que há machismo, homofobia, racismo, transfobia, misoginia e todo tipo de preconceito explícito e escancarado ou disfarçado na sociedade brasileira (e eu sou radicalmente contra tudo isso), mas vejo o carnaval de rua como um momento, um instante, uma pausa para alongar o corpo, respirar fundo e chutar o balde da seriedade, do moralismo, do preconceito, do bom mocismo, da vergonha e da timidez. Mas o pensamento politicamente correto aliado ao desconhecimento ou ignorância do tema e talvez até mesmo à aversão pela muvuca carnavalesca parece querer uma festa pasteurizada, esterilizada, asséptica. Este ano não teve carnaval - e foi corretíssimo não ter -, mas espero que em 2021 muitos baldes possam ser  chutados e que todos possam ter uma jaca para enfiar o pé. Um só, não. Os dois.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

RUMO A 84

 
Se você pensou que este texto é uma referência ao icônico livro “1984” e seu onipresente Big Brother, dançou. Errou mais ainda se acredita que eu iria perder tempo com as tretas (eu disse "tretas", com "r") televisivas do BBB21. Lamento dizer que já estou dormindo quando as novidades do dia são exibidas na telinha. Admito que o título "charmoso" é só uma pegadinha, pois também poderia ser uma referência à minha expectativa de vida ou ao meu desejo de chegar lá. Lá onde? Lá, na tábua da beirada, oras! Aquela de onde se despenca no precipício. Mas também não é.
 
O título do post de hoje é um trecho da frase originalmente imaginada, mas logo descartada em nome da elegância formal. Qual frase? Esta: “Minha caminhada diária rumo aos 84 kg”. Quilos, entendeu?
 
Isso significa que resolvi fazer um texto auto-motivacional, um desabafo sobre as dificuldades que estou encontrando para chegar à minha meta de pesar 84 quilos. Claro que este texto só interessa a mim mesmo, mas o Blogson é uma espécie de banca de revistas que deixa a primeira página dos jornais pendurada na parte externa para quem quiser ler. Ou uma blogoteca, um arquivo de todas as bobagens que penso (mais egocêntrico, impossível).
 
Por isso, vamos à história. Eu era magro como um espeto quando me casei. Pesava 64 kg distribuídos em um esqueleto com 1,84 m de altura (IMC = 18,9). A tranquilidade advinda com o casamento logo me fez chegar aos 75 kg, um peso que eu considerava excelente. Mas com o cronômetro rodando sem parar o peso também foi subindo. Devagar no início e explodindo depois da aposentadoria e de um hipotireoidismo adquirido. A ansiedade cada vez mais visível fez com que eu começasse a assaltar a geladeira de madrugada, a "beliscar" durante todo o dia. O resultado previsível foi uma barriga obscenamente saliente, daquelas que às vezes é exibida quando se teima em usar uma camiseta (t-shirt) comprada "nos bons tempos"  e 105 quilos a castigar as articulações dos joelhos.

Para encurtar a conversa - porque isto aqui não é uma página que começa com “Querido Diário” -,  a ansiedade antiga ganhou um novo formato, a ansiedade estética (pois é, apesar de feio pra cacete sempre fui vaidoso. E nem me venha com a piadinha do “vai, idoso”). Estimulado e cobrado por minha mulher e filhos resolvi tomar vergonha na cara.

Parêntese: olha que nome legal para marca de cachaça ou de cerveja artesanal: “Vergonha na cara”. Já pensou um diálogo assim? "- Que você está fazendo?" "- Estou tomando Vergonha na Cara" (para leite com toddy não funciona). Parêntese fechado.
 
Entrei para o “Vigilantes do Peso”, um esquema que realmente funciona (se você levar a sério). Graças ao sistema de pontos que criaram, consegui perder 10 quilos. Maravilha! Mas minha meta não era ficar pesando 95 quilos. Sabendo que o IMC – Índice de Massa Corporal deve oscilar entre 19 e 25, estabeleci como meta voltar a pesar 84 quilos (IMC = 25).
 
E é o desejo de conseguir um corpitcho com esse peso que está me arregaçando. Há um mês que estou diante de uma pedreira, um paredão, um Monte Everest a escalar sem máscara de oxigênio. E o motivo está descrito no início deste texto desabafo. As refeições do café da manhã e almoço são tranquilas, com os pontos religiosamente lançados no aplicativo disponibilizado quando se contrata o pacote de monitoramento desenvolvido pelos Weight Watchers. Foda é quando a noite chega. Faço o lanche noturno numa boa e fico pentelhando o computador depois disso.
 
A partir das 21 horas o ogro que vive dentro de mim acorda e começa a pedir comida. Eu tento negar, controlar, mas, quando dou por mim é como se minhas mãos estivessem peludas, os olhos injetados de sangue, os caninos salientes e com uma voz que já não é mais a minha. Claro que isso é só uma metáfora, mas é nessa hora que o bicho pega, ou melhor, que o ogro come. Come tudo o que vê pela frente, descontrolada e repetidamente (até fatia de manteiga congelada). Como há uma vozinha interior que tenta alertá-lo da insensatez que está cometendo, a reação fica ainda pior: a voracidade aumenta, e a ingestão de alimentos se torna ainda mais rápida, como que para impedir a consciência de voltar.
 
Depois de satisfeito, já com o bucho cheio, o ogro vai sumindo e eu consigo retomar o controle da situação. Mas aí já é tarde. E todo o cuidado tomado durante o dia foi perdido em não mais que duas horas. Só me resta lamentar mais essa pisada no tomate, olhar as estatísticas do blog e dormir puto da vida, com a certeza de que não emagreci nem dez gramas.
 
 

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

MATRIX

Este texto foi publicado originalmente no dia 06/07/2014 e é bem anterior à criação do blog. É provável que tenha sido escrito em 2009. Se o ano estiver correto, eu havia acabado de me aposentar e tinha ficado sabendo que um de meus filhos tornou-se ateu. Essa revelação e a recente aposentadoria provocaram em mim, ainda que inconscientemente, alguma ansiedade e impaciência, como se dissesse para mim mesmo: “como é que pode alguém ter tanta certeza de alguma coisa se eu, entrando na ‘terceira idade’, não tenho certeza de nada”? (hoje, eu vejo que os jovens têm certeza de tudo – ainda bem para eles).

Para o bem da verdade, essa ansiedade estava mais ligada à ideia de velhice, ao medo de morrer e de ser esquecido do que ao ateísmo de um filho muito amado. A prova disso são outros textos que escrevi no período, sempre com divagações sobre vida, tempo, memória (até hoje não me curei completamente disso). Mas o fato é que, talvez embalado pelo ateísmo, saiu um texto meio raivoso, meio áspero, tão presunçoso e intolerante quanto a presunção e intolerância que eu julgava criticar.

Por conta disso, peço desculpas antecipadas àqueles que se sentirem ofendidos em suas crenças, em sua forma de ver a Vida e o mundo. Essa introdução era necessária, pois não tenho mais tanta aspereza na forma de me expressar (assim imagino) nem tanta certeza das coisas que disse. Mas decidi manter o texto tal como o escrevi, pois é como um retrato antigo: a roupa estava amarrotada, o cabelo despenteado, havia uma espinha mal disfarçada, mas é assim que eu estava na época.

 “Nada sei desta vida, nunca saberei...” (Kid Abelha)

Há muito tempo, fiz um curso de pós-graduação do qual aproveitei apenas duas coisas: o certificado de conclusão – útil para ganhar alguns pontos em concursos – e uma frase que li em uma apostila (curso bom, não?) que dizia basicamente o seguinte:
“A quantidade de informações processadas por uma empresa (ou pessoa, acrescentaria eu) está diretamente relacionada à sua capacidade de processá-las.”

Essa afirmação é tão óbvia que chega a doer. Pela sua pertinência, entretanto, valeu os seis meses de curso, pois há mil situações em que pode ser aplicada.
Por exemplo: de que serviria um livro de física para uma criança recém-alfabetizada? Se ela não for superdotada, nada aproveitará, pois sua capacidade de processar o assunto é insuficiente para a complexidade da matéria.

Da mesma forma, se eu tiver crenças, cultura e valores muito arraigados, será muito difícil aceitar ver o mundo sob outra perspectiva. Se assim não fosse, como entender as pessoas que defendem e acreditam no Criacionismo?

Eu não tinha prestado muita atenção no filme Matrix, até ler uma reportagem na revista Superinteressante. Não me lembro bem do conteúdo, mas dizia algo sobre simbolismo ou coisa parecida (memória de velho é dureza). O que sei é que a noção de realidade virtual se encaixou bem em um monte de ideias meio amalucadas que circulavam pela minha mente.

A partir do que li e vi em reportagens de revistas e documentários de TV, passei a refletir sobre o comportamento das pessoas e organizações ao redor do mundo.  Dá para perceber que quanto mais radical e intolerante for uma pessoa, uma instituição ou um país, mais impermeável será a ideias e comportamentos que desafiem ou ameacem os conceitos, crenças e até leis estipuladas por essas pessoas, instituições ou países. Está aí o Irã que não me deixa mentir.

Mas não quero falar de países, meu negócio é o ser humano (os “manos”). E onde entra a “realidade virtual"? Para mim, outra expressão para isso seria “percepção fragmentada (ou parcial) da Realidade”.

Voltando ao filme, o que temos é a ideia (fascinante) de a raça humana em sua quase totalidade estar encapsulada e imersa em uma solução nutritiva, mantida viva só para gerar energia em um mundo ocupado por máquinas. Enquanto isso, vivem integralmente em uma realidade virtual, onde amam, trabalham e divertem-se, até perder a validade, quando são descartadas, como se fossem pilhas ou baterias usadas.

Pegando essa ideia, usada como metáfora e juntando-a à frase da apostila citada anteriormente, penso que em maior ou menor grau, vivemos todos em uma “matrix”, só que personalizada, única, de acordo com nossa inteligência, lucidez, conhecimento e – por que não? – humildade.

Porque na prática, não conhecemos nada da Realidade (com maiúscula) que nos cerca. Mal e mal conseguimos apenas ver e perceber pedaços ou partes dessa Realidade. E já que não conseguimos processar o Todo, ficamos suscetíveis a acreditar em qualquer coisa que encontre ressonância em nossa mente, seja uma propaganda política, uma notícia parcial ou editada, seja um conceito religioso, tudo de acordo com a capacidade intelectual e grau de informação de cada um.

E aí é que chegamos onde eu queria: Uma vez eu li que “quando a Ciência avança, a Igreja Católica recua”. Talvez seja por isso que eu me declaro católico, pois acho o fundamentalismo religioso uma lástima. E como não tenho boa capacidade de processar informações, vivo divagando sobre isso (como agora).

Por exemplo, não entendo e não sei o sentido da Vida. Já li que a vida na Terra poderia ter surgido a partir de micro-organismos trazidos por cometas. Para mim, está ótimo; se vieram, vieram de outro lugar (planeta?), mas carece perguntar: então, como surgiram esses micro-astronautas? De repente, em algum lugar do universo, um bando de moléculas complexas de carbono, desocupadas e delinquentes, resolve se converter em Vida, assim sem mais nem menos? Como? Por quê? Para quê?

Para mim, a resposta (ainda) está em Deus. Ou seja, eu creio em Deus, o que quer que ele signifique, como origem da Vida. As discussões sobre dogmas, crenças e ritos das religiões são discussões acessórias, que não vale a pena comentar agora. Mas, antes, para explicar isso melhor, preciso de um parêntese:

Desde a adolescência, quando vi minhas crendices religiosas ser espanadas por um padre italiano (epa!!) a religião, ou melhor, a busca do transcendente passou a circular com frequência pela minha cabeça. Li tudo o que pintou na minha frente sobre seitas e religiões. Continuei a ir à missa, mas fui também a centros espíritas e terreiros de umbanda, sempre atrás do transcendente, até que a mente saturou de tudo. Aí me afastei por alguns anos da igreja e parei de pensar nessas coisas, até a época do nosso casamento, quando, em um curso de noivos magnífico, com duração de uma semana, confessei e comunguei de uma forma inesquecível e emocionante, mergulhando a hóstia no vinho. Ao confessar-me, contei ao padre (Leonardo) sobre toda essa inquietação. Dele ouvi que eu estava em um momento muito bonito de minha vida e que era mais religioso que ele(!!!).

Mesmo tendo vivido essa experiência emocionante e transformadora, continuei distante da igreja, até que minha mulher, meu lindo e permanente amor, carinhosamente me reconduziu às missas dominicais, que passei a frequentar com entusiasmo, seduzido pelas excelentes e inflamadas homilias do Padre Cornélio, vigário da época.

Apesar disso, sentia que minha fé era (e é) como a chama de uma vela: bastava um ventinho de dúvida soprar, que ela bruxuleava, quase se apagando. Durante as leituras, eu ficava refletindo sobre o que lia e ouvia, discordando ou descrendo de muita coisa, especialmente de textos do Antigo Testamento.

Conversei muito sobre religião e fé com um amigo muito culto, ele próprio um católico convertido, que chegou a ponto de ser ordenado irmão leigo dominicano.

Nas minhas orações, pedia para Deus aumentar a minha fé. O pior é que quanto mais eu pedia, mais eu via minha fé se abalar. Desse fato extraí o conceito tantas vezes repetido: eu preciso mais de Deus do que ele de mim. Disso vieram outras consequências: o desejo de ler toda a Bíblia, a convicção de que não quero seguir outra religião que não a católica, mesmo que tenha tão pouca fé.

Hoje, o que me incomoda é a sensação de que as grandes religiões se estruturaram e se propagaram muito mais em cima dos rituais e costumes que foram sendo criados ao longo do tempo, do que pelos ensinamentos dos seus fundadores. As práticas cerimoniais de cada religião sempre têm alguma coisa de estranho para quem não a professa. Por exemplo, quer coisa mais incompreensível que a colocação e retirada do chapéu (mitra) de um bispo católico durante a missa? Só mesmo as voltas dadas em torno da Kaaba pelos muçulmanos, ou uma “entidade baixando” em um umbandista (ou equivalente), ou o bater de cabeça dos judeus no Muro das Lamentações, ou as trancinhas bizarras dos judeus fundamentalistas e por aí afora. Cada um desses rituais tem seu simbolismo e sua explicação, lógico. Mas, para quem não pertence à religião de onde surgiram, essas práticas podem parecer apenas uma coisa sem sentido, para dizer o mínimo.

Mas a fé é individual, intransferível. Por isso, nesse lance de fé, hoje tenho algumas ideias já sedimentadas. Dentre elas, sem me preocupar com ordem ou importância, posso dizer que creio piamente na autenticidade do Santo Sudário, abomino e acho ridícula a crença no criacionismo. Penso que todo fundamentalismo é pernicioso e deveria ser sempre combatido, e por aí vai. Mas isso não é o foco principal deste texto. Por isso, fecho o parêntese, para a maionese não desandar de vez.

Para concluir, (voltando à metáfora da Matrix) o que posso dizer é que talvez nunca saibamos se Deus existe ou não. Podemos apenas acreditar que existe ou que não existe. E se não sabemos (e talvez nunca saibamos), podemos apenas afirmar que alguém está equivocado  os que se dizem ateus ou aqueles que Nele creem. E se isso é verdade, pode-se também afirmar que é presunção acreditar cegamente que só nós estamos certos (e, lógico, os que pensam diferente, errados), que nossas convicções (crenças) são verdadeiras apenas porque valorizamos mais o raciocínio lógico, porque temos uma inteligência mais privilegiada ou uma cultura humanística maior que a maioria das pessoas – ou, o que é pior, talvez por falta de humildade para perceber isso e para aceitar nossas próprias limitações.


MARCADORES DE UMA ÉPOCA - 4