Este texto foi publicado originalmente no dia 06/07/2014 e é bem anterior à criação do blog. É provável que tenha sido escrito em 2009. Se o ano estiver correto, eu havia acabado de me aposentar e tinha ficado
sabendo que um de meus filhos tornou-se ateu. Essa revelação e a recente aposentadoria provocaram em mim, ainda que inconscientemente, alguma ansiedade e impaciência,
como se dissesse para mim mesmo: “como é
que pode alguém ter tanta certeza de alguma coisa se eu, entrando na ‘terceira
idade’, não tenho certeza de nada”? (hoje, eu vejo que os jovens têm certeza
de tudo – ainda bem para eles).
Para o bem da verdade, essa ansiedade
estava mais ligada à ideia de velhice, ao medo de morrer e de ser esquecido do
que ao ateísmo de um filho muito amado. A prova disso são outros textos que
escrevi no período, sempre com divagações sobre vida, tempo, memória (até hoje
não me curei completamente disso). Mas o fato é que, talvez embalado pelo
ateísmo, saiu um texto meio raivoso, meio áspero, tão presunçoso e intolerante
quanto a presunção e intolerância que eu julgava criticar.
Por conta disso, peço desculpas
antecipadas àqueles que se sentirem ofendidos em suas crenças, em sua forma de
ver a Vida e o mundo. Essa introdução era necessária, pois não tenho mais tanta
aspereza na forma de me expressar (assim imagino) nem tanta certeza das coisas
que disse. Mas decidi manter o texto tal como o escrevi, pois é como um retrato
antigo: a roupa estava amarrotada, o cabelo despenteado, havia uma espinha mal
disfarçada, mas é assim que eu estava na época.
“Nada sei desta vida, nunca saberei...” (Kid
Abelha)
Há muito tempo, fiz um curso de pós-graduação
do qual aproveitei apenas duas coisas: o certificado de conclusão – útil para
ganhar alguns pontos em concursos – e uma frase que li em uma apostila (curso
bom, não?) que dizia basicamente o seguinte:
“A quantidade de informações processadas por
uma empresa (ou
pessoa, acrescentaria eu) está
diretamente relacionada à sua capacidade de processá-las.”
Essa afirmação é tão óbvia que chega a doer.
Pela sua pertinência, entretanto, valeu os seis meses de curso, pois há mil
situações em que pode ser aplicada.
Por exemplo: de que serviria um livro de
física para uma criança recém-alfabetizada? Se ela não for superdotada, nada
aproveitará, pois sua capacidade de processar o assunto é insuficiente para a
complexidade da matéria.
Da mesma forma, se eu tiver crenças, cultura
e valores muito arraigados, será muito difícil aceitar ver o mundo sob outra
perspectiva. Se assim não fosse, como entender as pessoas que defendem e
acreditam no Criacionismo?
Eu não tinha prestado muita atenção no filme
Matrix, até ler uma reportagem na revista Superinteressante. Não me lembro bem
do conteúdo, mas dizia algo sobre simbolismo ou coisa parecida (memória de
velho é dureza). O que sei é que a noção de realidade virtual se encaixou bem
em um monte de ideias meio amalucadas que circulavam pela minha mente.
A partir do que li e vi em reportagens de
revistas e documentários de TV, passei a refletir sobre o comportamento das
pessoas e organizações ao redor do mundo.
Dá para perceber que quanto mais radical e intolerante for uma pessoa,
uma instituição ou um país, mais impermeável será a ideias e comportamentos que
desafiem ou ameacem os conceitos, crenças e até leis estipuladas por essas
pessoas, instituições ou países. Está aí o Irã que não me
deixa mentir.
Mas não quero falar de países, meu negócio é
o ser humano (os “manos”). E onde entra a “realidade virtual"? Para mim, outra
expressão para isso seria “percepção fragmentada (ou parcial) da Realidade”.
Voltando ao filme, o que temos é a ideia
(fascinante) de a raça humana em sua quase totalidade estar encapsulada e
imersa em uma solução nutritiva, mantida viva só para gerar energia em um mundo
ocupado por máquinas. Enquanto isso, vivem integralmente em uma realidade
virtual, onde amam, trabalham e divertem-se, até perder a validade, quando são
descartadas, como se fossem pilhas ou baterias usadas.
Pegando essa ideia, usada como metáfora e
juntando-a à frase da apostila citada anteriormente, penso que em maior ou
menor grau, vivemos todos em uma “matrix”, só que personalizada, única, de
acordo com nossa inteligência, lucidez, conhecimento e – por que não? –
humildade.
Porque na prática, não conhecemos nada da
Realidade (com maiúscula) que nos cerca. Mal e mal conseguimos apenas ver e
perceber pedaços ou partes dessa Realidade. E já que não conseguimos processar
o Todo, ficamos suscetíveis a acreditar em qualquer coisa que encontre
ressonância em nossa mente, seja uma propaganda política, uma notícia parcial
ou editada, seja um conceito religioso, tudo de acordo com a capacidade
intelectual e grau de informação de cada um.
E aí é que chegamos onde eu queria: Uma vez
eu li que “quando a Ciência avança, a Igreja Católica recua”. Talvez seja por
isso que eu me declaro católico, pois acho o fundamentalismo religioso uma
lástima. E como não tenho boa capacidade de processar informações, vivo
divagando sobre isso (como agora).
Por exemplo, não entendo e não sei o sentido
da Vida. Já li que a vida na Terra poderia ter surgido a partir de
micro-organismos trazidos por cometas. Para mim, está ótimo; se vieram, vieram
de outro lugar (planeta?), mas carece perguntar: então, como surgiram esses
micro-astronautas? De repente, em algum lugar do universo, um bando de moléculas
complexas de carbono, desocupadas e delinquentes, resolve se converter em Vida,
assim sem mais nem menos? Como? Por quê? Para quê?
Para mim, a resposta (ainda) está em Deus. Ou
seja, eu creio em Deus, o que quer que ele signifique, como origem da Vida. As
discussões sobre dogmas, crenças e ritos das religiões são discussões
acessórias, que não vale a pena comentar agora. Mas, antes, para explicar isso
melhor, preciso de um parêntese:
Desde a adolescência, quando vi minhas
crendices religiosas ser espanadas por um padre italiano (epa!!) a religião, ou
melhor, a busca do transcendente passou a circular com frequência pela minha
cabeça. Li tudo o que pintou na minha frente sobre seitas e religiões.
Continuei a ir à missa, mas fui também a centros espíritas e terreiros de
umbanda, sempre atrás do transcendente, até que a mente saturou de tudo. Aí me
afastei por alguns anos da igreja e parei de pensar nessas coisas, até a época
do nosso casamento, quando, em um curso de noivos magnífico, com duração de uma
semana, confessei e comunguei de uma forma inesquecível e emocionante,
mergulhando a hóstia no vinho. Ao confessar-me, contei ao padre (Leonardo)
sobre toda essa inquietação. Dele ouvi que eu estava em um momento muito bonito
de minha vida e que era mais religioso que ele(!!!).
Mesmo tendo vivido essa experiência
emocionante e transformadora, continuei distante da igreja, até que minha mulher, meu lindo e permanente amor, carinhosamente me reconduziu às missas dominicais,
que passei a frequentar com entusiasmo, seduzido pelas excelentes e inflamadas
homilias do Padre Cornélio, vigário da época.
Apesar disso, sentia que minha fé era (e é)
como a chama de uma vela: bastava um ventinho de dúvida soprar, que ela
bruxuleava, quase se apagando. Durante as leituras, eu ficava refletindo sobre
o que lia e ouvia, discordando ou descrendo de muita coisa, especialmente de
textos do Antigo Testamento.
Conversei muito sobre religião e fé com um amigo muito culto, ele próprio um católico convertido, que chegou a
ponto de ser ordenado irmão leigo dominicano.
Nas minhas orações, pedia para Deus aumentar
a minha fé. O pior é que quanto mais eu pedia, mais eu via minha fé se abalar.
Desse fato extraí o conceito tantas vezes repetido: eu preciso mais de Deus do
que ele de mim. Disso vieram outras consequências: o desejo de ler toda a
Bíblia, a convicção de que não quero seguir outra religião que não a católica,
mesmo que tenha tão pouca fé.
Hoje, o que me incomoda é a sensação de que as
grandes religiões se estruturaram e se propagaram muito mais em cima dos
rituais e costumes que foram sendo criados ao longo do tempo, do que pelos
ensinamentos dos seus fundadores. As práticas cerimoniais de cada religião sempre têm alguma coisa de estranho para quem não a professa. Por exemplo, quer coisa mais incompreensível que a colocação e retirada do chapéu (mitra) de um bispo católico durante a missa? Só mesmo as
voltas dadas em torno da Kaaba pelos muçulmanos, ou uma “entidade baixando” em
um umbandista (ou equivalente), ou o bater de cabeça dos judeus no Muro das Lamentações, ou as trancinhas bizarras dos judeus fundamentalistas e por aí
afora. Cada um desses rituais tem seu simbolismo e sua explicação, lógico. Mas, para quem não pertence à religião de onde surgiram, essas práticas podem parecer apenas uma coisa sem sentido, para dizer o mínimo.
Mas a fé é individual, intransferível. Por isso, nesse lance de fé, hoje tenho algumas
ideias já sedimentadas. Dentre elas, sem me preocupar com ordem ou importância,
posso dizer que creio piamente na autenticidade do Santo Sudário, abomino e
acho ridícula a crença no criacionismo. Penso que todo fundamentalismo é pernicioso e
deveria ser sempre combatido, e por aí vai. Mas isso não é o foco principal
deste texto. Por isso, fecho o parêntese, para a maionese não desandar de vez.
Para concluir, (voltando à metáfora da
Matrix) o que posso dizer é que talvez nunca saibamos se Deus existe ou não. Podemos apenas acreditar
que existe ou que não existe. E se não sabemos (e talvez nunca saibamos),
podemos apenas afirmar que alguém está equivocado – os que se dizem ateus ou
aqueles que Nele creem. E se isso é verdade, pode-se também afirmar que é
presunção acreditar cegamente que só nós estamos certos (e, lógico, os que pensam
diferente, errados), que nossas convicções (crenças) são verdadeiras apenas
porque valorizamos mais o raciocínio lógico, porque temos uma inteligência mais
privilegiada ou uma cultura humanística maior que a maioria das pessoas – ou, o
que é pior, talvez por falta de humildade para perceber isso e para aceitar
nossas próprias limitações.